Uma sociedade em que todos, aparentemente, são felizes. Esta é a premissa do livro Admirável Mundo Novo, romance distópico do filósofo e escritor Aldous Huxley, lançado em 1931. Apesar da obra ter sido escrita há 80 anos, o enredo caberia bem para descrever o mundo das redes sociais. Um lugar paralelo em que há a “felicidade artificial” vendida pelos digital influencers está cada vez mais em alta.
De acordo com a pesquisa Global Digital Overview, realizada em 2020 pelo site We Are Social, 66% dos brasileiros estão conectados às redes sociais. Boa parte deles estão no Instagram. Cerca de 64% das pessoas entre 18 e 29 anos têm um perfil na rede, segundo o Pew Research Center.
Porém, este uso excessivo das redes sociais pode trazer problemas para a mente. O Instagram foi eleito a rede mais tóxica para a saúde mental de seus usuários, por um relatório feito pela Royal Society of Public Health. Os usuários relataram ter ansiedade, depressão, solidão, baixa qualidade de sono, autoestima e dificuldade de relacionamento fora das redes.
O que provoca isso, segundo especialistas, é a grande procura por uma perfeição que não existe. “A perfeição, dada nossa condição humana, não é possível. Temos adoecido em busca de likes e de uma fantasiosa felicidade permanente. A vida real é muito diferente daquela que idealizamos. Não existe vida sem um tanto de sofrimento. Aceitar essa realidade pode ajudar a construir uma vida mais interessante”, explica Paula Diniz Vicentini, psicóloga da Clínica Personal da Central Nacional Unimed.
De acordo com a psicóloga Giovanna Barros, da Amparo Saúde, essa busca pela perfeição pode fazer com que a pessoa ache que sua vida, por não ser igual a das pessoas que está vendo na internet, não é interessante. “A ênfase que damos apenas ao lado positivo e “perfeito” da vida nas redes sociais pode transmitir a percepção de que o outro não vive os problemas e que não sofre o mesmo que você, de que a vida do outro flui melhor que a sua. Isso pode gerar uma série de impactos na saúde mental em algumas pessoas, levando a pensar que você não tem uma vida perfeita e, portanto, não é “postável” e até desinteressante para o outro. Isso pode levar a problemas de autoestima, ansiedade de querer ter uma vida perfeita e não conseguir, e frustração por não ter o que o outro aparenta ter”, afirma.
Na tentativa de combater esse mal, em julho, a Noruega criminalizou o uso de imagens editadas em publicidade on-line sem que o público seja informado de que a foto sofreu alterações digitalmente. A intenção é diminuir os casos de dismorfia corporal e a busca pelo "corpo perfeito".
Paula lembra que os produtores de conteúdo têm uma grande responsabilidade nesse processo e que há formas de fazer conteúdos saudáveis. “Influenciadores digitais eram usuários "comuns" que ganharam visibilidade através das suas ideias e ou jeito de ser, portanto disso nasce uma relação identificatória com os outros internautas, e para sustentar essa transferência de modo positivo é preciso estar cercado de uma ética pessoal”, destaca. Nesse sentido, vários influenciadores têm utilizado de seu conhecimento para falar sobre saúde mental e mostrar vidas reais. Exemplos disso são as influencers Dora Figueiredo e Jout Jout.
Além de tudo, elas também mostram como as redes sociais também podem prejudicar a saúde mental dos próprios criadores de conteúdo. Um estudo da plataforma Criadores iD apontou que 16,9% afirmam sofrer de ansiedade. O tema está tão em alta que um grupo de influenciadores criou um guia para que digital influencers possam criar conteúdos sem sofrerem com esgotamento. Todo o conteúdo foi reunido em um perfil no Instagram.
Um caminho positivo
Giovanna Barros vê com bons olhos este movimento. “Eles criam conteúdos para incentivar um determinado estilo de vida e de gerar engajamento. No entanto, quem está do outro lado da tela pode enxergar isso como uma imposição e uma pressão para ser desta forma. Todos nós vivemos os diversos aspectos da vida, sejam eles positivos, negativos e até pacatos, entediantes. Penso que mostrar todos os nossos lados seja mais humano, inclusive vem surgindo criadores de conteúdo que, de sua maneira, têm mostrado problemas que todos nós vivemos em nossa rotina, mas de uma forma cômica e por meio de memes”, lembra.
Ela também destaca que as redes sociais funcionam como uma extensão da vida real, em que a pessoa quer aparentar ser de uma determinada maneira. “Penso que os influenciadores têm a missão de conscientizar e humanizar em determinados momentos. É que, na verdade, essa questão vem de algo mais posterior e complexo, pois a rede social é um reflexo da nossa sociedade, a qual mostrar nossas fragilidades e problemas é um sinal de fraqueza, fracasso. A rede social só reproduz e perpetua essa dinâmica que vivemos há décadas”, afirma.
Para não acabar extrapolando no uso das redes sociais e não passar a ter uma relação ruim com elas, a psicóloga Paula Diniz destaca que é preciso sempre lembrar que lá só está uma parte da vida das pessoas. A vida real é bem diferente. “Nessas redes colocamos apenas um fragmento daquilo que somos e vivemos, portanto há uma distância entre aquilo que mostramos e tudo que vivemos, e lembrar disso pode nos ajudar a usar essas interações como uma nova forma de laço social, que também pode ser utilizada contra nossa condição fundamental de desamparo”, diz.
Relação de amor e ódio
Outro fenômeno que tem contaminado as redes sociais, é o crescimento dos haters. Eles são aqueles que atacam outras pessoas por meio da internet. A lista de alvos vai de anônimos a famosos, como Luisa Sonza e Whindersson Nunes, que constantemente falam sobre o assunto. “A rede é um espaço privado público, ao mesmo tempo que pode ser catalizadora de liberdade e criação, também pode ser espaço de violência e agressão, talvez também aconteça pela ideia de anonimato implícito e pela suposta ausência de responsabilidade/punição pelo conteúdo exposto. Há ainda uma relação complementar entre o que acontece nas ruas e a expressão de ódio na internet. Ou seja, se existe violência no mundo real haverá também no ciberespaço”, destaca Paula Diniz.
Caso seja vítima desses ataques, a psicóloga recomenda não responder. Além disso, é importante procurar a polícia. O que se busca na fala é a resposta do outro. O sofrimento da vítima valida o que o autor procura, portanto ficar separado do discurso do outro para invalidar esses ataques pode ser uma boa estratégia e não responder de modo algum ao agressor pode contribuir para esse cuidado.”
Além disso, Giovana destaca que muitas vezes é preciso procurar ajuda para lidar com esses casos. “Primeiramente, se perceber que os ataques estão afetando significativamente, o ideal seria ter um apoio psicológico profissional. Receber ataques nas redes sociais consiste em um processo de reflexão e até mesmo de percepção de autoestima, pois ali são ditas opiniões que o outro tem em relação a ti, e cabe a você estabelecer e pensar se aquilo lhe cabe”, explica.
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