Direitos humanos

ONU alerta para ameaças contra indígenas no país

Alta comissária das Nações Unidas, Michelle Bachelet expressa "séria preocupação" com a conduta do governo brasileiro em relação aos povos originários e pede que autoridades revertam políticas danosas. Supremo retoma julgamento de marco temporal nesta semana

GABRIELA CHABALGOITY*; LUÍZA VICTORINO*
postado em 13/09/2021 23:24
 (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Durante a abertura da sessão do Conselho de Direitos Humanos, ontem, a alta comissária para direitos humanos das Nações Unidas, Michelle Bachelet, chamou a atenção para as ameaças às populações indígenas e aos ativistas no Brasil e descreveu um cenário de “séria preocupação”. O país foi mencionado mais uma vez entre as 40 nações onde o respeito aos direitos humanos está ameaçado.

“No Brasil, estou alarmada com os recentes ataques contra membros dos povos yanomami e munduruku por mineradores ilegais na Amazônia. As tentativas de legalizar a entrada de empresas em territórios indígenas e de limitar a demarcação de terras indígenas — notadamente por meio de um projeto de lei que está em análise na Câmara dos Deputados — também são motivo de séria preocupação”, disse a ex-presidente chilena.

O projeto de lei está sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e as discussões devem ser retomadas amanhã na Corte com o voto do ministro Nunes Marques. Edson Fachin, relator do processo no Supremo, votou contrário à medida no último dia 9.

A comissária fez um pedido para que autoridades brasileiras tomem providências acerca do assunto. “Faço um apelo para que as autoridades revertam políticas que afetem negativamente os povos indígenas e não se retirem da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Convenção Indígena”, disse Bachelet.

Na fala, ela faz menção à ameaça do governo brasileiro de deixar o pacto, vigente no Brasil desde 2004, que trata dos direitos dos povos indígenas, garantindo a autodeterminação e detalhando termos para a proteção de direitos e territórios, por exemplo. O documento foi assinado por 23 países e é um dos principais norteadores internacionais do tema.

Depois de ocorrerem, no Brasil, manifestações indígenas contra a tese do marco temporal, que considera terras indígenas apenas aquelas tradicionalmente ocupadas pelos índios na data da promulgação da Constituição Federal de 1988, autoridades internacionais voltaram as atenções para os riscos que os direitos da população indígena correm no país.

“Inimigos prioritários”

Segundo o professor da Universidade de Brasília (UnB) Alexandre Bernardino Costa, doutor em Direito, quando se julga o marco temporal, “temos de lembrar que muitos dos povos indígenas foram expulsos de sua terra originária ou são nômades, eles não estavam exatamente naquela terra naquele momento histórico”. A reivindicação, explica, “dá-se justamente em cima do território em que eles não estavam porque haviam sido expulsos”.

O especialista afirma ainda que não são só os povos indígenas que ganham se o marco for julgado ilegal. “O Brasil, quando cuida e protege seus povos ancestrais, ganha respeito de si mesmo e dos seus povos originários. Se esse marco não passar, teremos estabilidade jurídica com a garantia dos direitos dos indígenas, autoestima e respeito internacional”, ressalta.

A coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Sônia Guajajara, afirma que a situação dos indígenas no Brasil piorou desde o início do governo do presidente Jair Bolsonaro. “Nós, povos indígenas, lutamos há 521 anos por nossas vidas e nossos territórios. Com a chegada desastrosa de Bolsonaro à Presidência, tudo ficou mais grave, pois ele nos elegeu como inimigos prioritários. Acabamos de passar pela maior mobilização nacional indígena da história, em Brasília, o que revela a gravidade da situação e o quanto nós estamos firmes na oposição a este governo que representa morte para nossos corpos e para a Mãe Terra”, pontua, em referência ao acampamento indígena que reuniu mais de 5 mil pessoas de 172 povos na capital na última semana em torno da votação do marco temporal, culminando na Marcha de Mulheres Indígenas, na sexta-feira passada.

Sônia Guajajara atenta, também, para a necessidade de os países que estão acompanhando a situação da população indígena no Brasil ajudarem externamente. “Os crimes cometidos por Bolsonaro são acompanhados pelo mundo e precisam ser freados imediatamente. Nós temos denunciado em todas as instâncias esse projeto nefasto: no Tribunal Penal Internacional, na OIT (Organização Internacional do Trabalho), na CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos ). E esse apelo tem recebido respaldo, como da relatora de direitos humanos Michelle Bachelet e de outras instâncias da ONU. Bolsonaro sai do Brasil como genocida, e é como genocida que será recebido pela ONU”, argumenta.

A expectativa é de que o presidente Jair Bolsonaro comente a situação dos povos indígenas em seu pronunciamento na abertura da sessão anual da Assembleia Geral em Nova York, que ocorre na semana que vem.

* Estagiárias sob a supervisão de Andreia Castro

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