Ao mesmo tempo em que se aproxima o momento de o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar a constitucionalidade de um decreto do presidente Jair Bolsonaro que pode segregar as crianças com deficiência em classes especiais, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, defendeu a medida e voltou a atacar o ensino inclusivo. Ele afirmou, em entrevista à rádio Jovem Pan, que o governo federal não quer o “inclusivismo” dessas crianças nas escolas. A fala foi criticada por autoridades e especialistas.
“Nós não queremos o inclusivismo. Criticam essa minha terminologia, mas é essa mesma que eu continuo a usar”, afirmou. Segundo ele, existem crianças com deficiências que conseguem conviver e socializar quando são inseridas em uma sala de aula com colegas que não têm o mesmo problema, mas 12% dessas crianças “não têm condições de conviver ali”.
“Isso não quer dizer que eu estou excluindo, que eu estou usando de discriminação. Eu estou olhando não apenas para a criança que é objeto do meu cuidado, mas para as outras crianças que vão ter dificuldades de aprender, porque, geralmente, as professoras não têm a capacitação necessária para cuidar de pessoas com determinado tipo de deficiência”, justificou o ministro na entrevista.
Entre esses 12%, estariam crianças cegas, surdas e com alguns graus de autismo. “Temos algumas crianças que têm problemas de visão; elas não podem estar na mesma classe. Imagina uma professora de geografia (falar) “aqui é o Rio Amazonas” para uma criança que tem deficiência visual. Têm outras que são surdas, por exemplo. Então, há uma gama de crianças, têm alguns graus de autismo e tem um grupo que a gente esquece que são os superdotados, que também estão nesse grupo, que precisam de uma atenção especial”, afirmou.
Princípio
Especialistas ressaltam que a educação inclusiva é um princípio constitucional e que se trata de uma política importante tanto para os deficientes como para as outras crianças. “Temos inúmeras leis e uma fundamentação legal que ampara essas crianças para que elas estejam no contexto regular de ensino. A opinião do ministro é totalmente incoerente, vai contra tudo que é proposto na nossa lei e segrega e exclui essas pessoas”, criticou a psicopedagoga Fabiane Favarelli Navega, especialista em educação inclusiva há 21 anos.
O Plano Nacional de Educação (PNE) especifica como meta a educação especial inclusiva para a população de quatro a 17 anos com deficiência, transtornos do espectro autista e altas habilidades/superdotação. E, segundo o Censo Escolar de 2020, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), verifica-se que o percentual de matrículas de alunos incluídos em classes comuns aumentou gradativamente ao longo dos anos. Em 2016, o percentual de estudantes integrados era de 89,5% e, em 2020, passou para 93,3%.
Mas a nova Política Nacional de Educação Especial (PNEE), proposta pelo governo federal por meio de decreto do ano passado, pode mudar isso. O governo federal pretende que estados e municípios devem oferecer “instituições de ensino planejadas para o atendimento educacional aos educandos da educação especial que não se beneficiam, em seu desenvolvimento, quando incluídos em escolas regulares inclusivas e que apresentam demanda por apoios múltiplos e contínuos”.
O decreto foi contestado pelo PSB, que pediu ao STF sua suspensão, afirmando que a proposta é discriminatória. Ontem, o STF realizou o segundo dia de audiência pública para discutir a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada à Corte. Ao abrir a sessão, o ministro Dias Toffoli afirmou que a finalidade do debate era avaliar o impacto da inclusão de pessoas com deficiência nas diversas áreas da sociedade.
*Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi