Enquanto o país avança na imunização contra a covid-19 por faixas etárias e a maioria dos municípios já aplica doses na população adulta mais jovem, a partir de 18 anos, e outros até iniciam a cobertura vacinal de adolescentes com e sem comorbidades, o foco dos especialistas se volta novamente aos idosos, como era no início da vacinação contra o novo coronavírus. Isso porque o processo de rejuvenescimento da pandemia no Brasil visto com a vacinação dos mais velhos no primeiro momento foi revertido e, atualmente, os idosos voltaram a ser o grupo que mais morre pela doença no país.
Nas duas primeiras semanas de agosto, cerca de 70% dos óbitos por covid-19 no Brasil foram de pessoas com 60 anos ou mais. Os números são do boletim do Observatório Covid-19, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Na semana epidemiológica 23, que corresponde ao período de 6 a 12 de junho, os óbitos nessa faixa etária representavam 44,6% do número total de mortes pela doença. O último levantamento do estudo, nas semanas 31 e 32, do dia 1º a 14 de agosto, registrou um aumento na proporção para 69,2%.
O número de internações por covid-19 de pessoas a partir de 60 anos também aumentou entre os dois intervalos. A estatística de idosos entre os casos internados já esteve em 27%, na semana 23, mas hoje se encontra em 43,6%. O aumento da vacinação entre os jovens explica porque o processo de rejuvenescimento da pandemia no Brasil foi revertido. O vírus continua circulando intensamente pelo país e, novamente, as internações hospitalares, internações em UTI e óbitos voltaram a se concentrar na população idosa, que é mais vulnerável à doença.
“É fundamental, portanto, compreender que, se considerarmos que esta nova transição da idade é efeito da progressão da vacinação entre os mais jovens, isto significa dizer que, em um cenário em que a população passa a ter acesso à vacina, os idosos têm maior risco de sofrer internações e evoluírem a óbito”, ressaltam os pesquisadores, no boletim.
Por isso, o infectologista da Fiocruz e ex-diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Julio Croda, explica que é necessário observar de perto o perfil dos pacientes internados e dos óbitos pela doença para adotar estratégias específicas para este grupo da população. “Não vejo problema em avançar na faixa etária da imunização desde que esteja se monitorando em cada estado e cidade qual o perfil epidemiológico das internações e adotando estratégias específicas para diminuir essas hospitalizações e óbitos”, analisa.
Segundo ele, a presença de variantes mais transmissíveis no Brasil, em especial a delta, pode ser um dos motivos para que a covid-19 tenha voltado a afetar os mais velhos. Diante desse cenário, Croda diz que é imprescindível um reforço na proteção dos idosos.
“A gente sabe também que, no contexto da variante delta, a gente não vai atingir a imunidade coletiva apenas com as vacinas, porque ela previne hospitalização e óbito, mas não necessariamente a transmissão de formas assintomáticas ou mais leves da doença. Assim, o vírus vai continuar circulando e o que a gente tem que prevenir é essa população mais velha, que é mais vulnerável, mesmo vacinada”, avalia.
Terceira dose
A solução estudada para compensar a maior vulnerabilidade imunológica dos idosos e protegê-los melhor seria a aplicação de uma dose de reforço das vacinas contra a covid-19. “Mais do que avançar nas coberturas vacinais em várias faixas etárias, do que avançar a vacinação em adolescentes, a gente tem que discutir a dose de reforço nos idosos”, afirma Croda. Na cidade do Rio de Janeiro, onde a vacina já foi ofertada para toda população adulta, o foco do prefeito Eduardo Paes (PSD) será revacinar os idosos, principalmente por causa do avanço da variante delta.
“Quero deixar bem claro que a prefeitura entende que, com esse número alto de casos da variante delta, deve priorizar a terceira dose de reforço para as pessoas mais velhas, que são mais vulneráveis ao agravamento da doença. Nós preferimos fazer a terceira dose dos idosos do que antecipar a segunda dose dos mais jovens”, disse Paes, na última sexta.
A situação é observada pelo Ministério da Saúde, que indicou já ter vacinas suficientes para aplicar uma terceira dose nos idosos. No entanto, o calendário ainda não foi definido pela pasta. Para o doutor em Saúde Coletiva e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Dário Pasche é precipitado falar em terceira dose quando ainda não se imunizou plenamente toda a população vacinável.
“O Ministério da Saúde deveria se preocupar com outras questões, como o fornecimento adequado do fluxo de vacinas, ampliar as campanhas de busca de pessoas com vacinação incompleta, assim como ampliar a educação sanitária para a população”, pondera.
* Estagiários sob a supervisão de Augusto Fernandes