Todo ano, uma área maior do que a Inglaterra pega fogo no Brasil. Se somada a área queimada desde 1985, o acumulado do período chega a praticamente um quinto do território nacional: foram 1.672.142 km² de vegetação queimada, o equivalente a praticamente 20% do Brasil. Os dados fazem parte de um estudo inédito do Mapbiomas, projeto integrado de universidades, organizações ambientais e empresas de tecnologia.
Com recursos de inteligência artificial, foram sobrepostas imagens detalhadas de queimadas em todos os tipos de uso e cobertura da terra. Ao todo, houve 108 terabytes de imagens processadas, revelando áreas, anos e meses de maior e menor incidência do fogo. O resultado permite, agora, identificar a área calcinada a cada mês, durante todo o período avaliado, além do tipo de uso e de cobertura do solo queimado.
O levantamento revela que quase dois terços (65%) do fogo ocorreram em áreas de vegetação nativa, sendo que os biomas Cerrado e Amazônia concentram 85% de toda a área queimada pelo menos uma vez no país. No caso do Cerrado, o fogo que a cada ano consome uma parte do bioma desde 1985, equivale somados a 45 vezes o município de São Paulo. Outro dado preocupante aponta que cerca de 61% das áreas afetadas pelo fogo, entre 1985 e 2020, foram queimadas duas vezes ou mais — ou seja, não são eventos isolados. No caso da Amazônia, 69% do bioma queimou mais de uma vez no período, e 48% mais de três.
Pantanal
A análise revela que o Pantanal foi o bioma onde mais houve incêndios nos últimos 36 anos: 57% de seu território foi incendiado pelo menos uma vez, uma área de 86.403 km². No Cerrado, a área atingida chegou a 36% (733.851 km²), enquanto na Amazônia o fogo foi identificado em 16,4% (690.028 km²).
“A informação de que 20% da área do Brasil já foi queimada não é pouca coisa. A Amazônia, por exemplo, que é metade deste país, teoricamente não deveria queimar. É uma floresta úmida, o fogo não faz parte de seu regime natural. Mas temos visto isso, puxado por fatores como o avanço de áreas pastagem”, diz Ane Alencar, coordenadora do Mapbiomas Fogo. “Esse cenário mostra que o fogo tem de ser trabalhado com ações de combate como política pública. É um cenário muito preocupante, que tem se agravado nestes últimos anos”.
Vera Arruda, pesquisadora da equipe do MapBiomas Fogo e responsável pelo mapeamento do Cerrado, afirma que a região é dona de uma vegetação nativa em que o fogo faz parte de seu regime, mas não na dimensão que tem ocorrido. “A extensão e frequência da área queimada no Cerrado, nas últimas quase quatro décadas, revela que algo está errado com o regime de fogo no bioma”, explicou.
Já Vinicius Silgueiro, engenheiro florestal e coordenador do Núcleo de Inteligência Territorial do Instituto Centro de Vida (ICV), explicou que as características do clima e da vegetação do bioma são fundamentais para entender a porcentagem queimada. “O bioma passa por um período de seca anualmente. A estiagem e a cobertura do solo são de gramíneas e características próximas às do Cerrado e fazem com que a propagação desse fogo seja bastante rápida”, observou.
Piores índices
Os estados com maior ocorrência de fogo no período analisado foram Mato Grosso, Pará e Tocantins. Embora os grandes picos de área queimada no Brasil tenham ocorrido principalmente em anos afetados por eventos de seca extrema (1987, 1988, 1993, 1998, 1999, 2007, 2010 e 2017), altas taxas de desmatamento — principalmente aquelas ocorridas na Amazônia depois de 2019 — tiveram alto impacto no aumento da área queimada. A estação seca, entre julho e outubro, concentra 83% da ocorrência de queimadas e incêndios florestais.
Suely Araújo, especialista em políticas públicas do Observatório do Clima, explicou que as queimadas são realizadas, geralmente, para limpar terreno para práticas agrícolas. Mas isso ocorre sem a autorização dos órgãos de fiscalização do meio ambiente e sem qualquer cuidado. “Na Amazônia e no Pantanal, (o fogo) tem sempre origem humana. O resultado é desastroso: perda da biodiversidade, alterações no ciclo da água, emissão de gases de efeito estufa e grave desequilíbrio ambiental”, listou.
(Colaborou Gabriela Chabalgoity, estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi)