O sistema carcerário do Brasil apresentou queda de 34.747 presos no ano passado, conforme levantamento obtido com exclusividade pelo Correio por meio do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), comparando o primeiro semestre com o segundo. Entre janeiro e junho de 2020, as cadeias do país comportavam 702.609 detentos em cela física. Esse número passou para 668.135 de julho a dezembro do mesmo ano. Apesar dessa queda de 4,9%, a capacidade do sistema é para 455.113, ou seja, há um deficit de 213.022 vagas, o que evidencia os reflexos da superlotação.
Os números fazem parte do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, plataforma lançada recentemente pelo Depen, e trazem os percentuais de pessoas em prisão domiciliar monitoradas pelas Secretarias de Administração Penitenciária e pastas correlatas das Unidades Federativas, a taxa de aprisionamento por regiões, o histórico de vagas por estados e Distrito Federal, entre outros detalhes (leia Novo sistema).
O total de presidiários (668.135) não inclui, no entanto, aqueles que cumprem pena em regime domiciliar, que somam 139.010 internos em todo o Brasil. Caso fossem contabilizados esses presos, o número passaria de 800 mil. No ranking dos estados com o maior quantitativo de encarcerados, São Paulo dispara, com 212.672 detentos em celas físicas. Em segundo lugar, aparece Minas Gerais, com 62.380, e Rio Grande do Sul, com 34.377. Em relação aos presos em prisão domiciliar, o Distrito Federal registra 12.085 e fica atrás apenas do Paraná (44.171 custodiados) e do Ceará (12.523) (veja quadro).
A diretora-geral do Depen, Tânia Fogaça, explica que a queda no número de presos em celas físicas não está atrelada a um fator pontual e exclusivo, mas, sim, a várias outras causas. “Um dos motivos pode estar relacionado à soltura de presos devido à pandemia da covid-19, mudanças legislativas significativas e muitas ações do poder público no sentido de evitar a reincidência criminal. Apenas com o aprofundamento dos estudos é que teremos certeza de tais fatores. O importante, por ora, é a observação da redução desses números e o aproveitamento da oportunidade para seguirmos transformando o sistema penitenciário nacional”, destaca.
Na avaliação de Welliton Caixeta, professor de antropologia do direito e pesquisador do Grupo Candango de Criminologia (GCCrim) da Universidade de Brasília (UnB), ao considerar os dados do sistema prisional em série histórica, fica evidente que a taxa de encarceramento permanece alta. “Prende-se muito e prende-se mal, o que é uma evidência da conformação de um histórico de improvisos, erros de planejamento e má gestão, além das múltiplas tentativas de incorporação de modelos de maneira acrítica e às vezes parcial, à sombra das doutrinas policiais e de segurança pública. O punitivismo continua norteando a política penal no Brasil, com reflexos claros na execução penal e na pouca visibilidade dada às alternativas penais”, afirma.
Pandemia x impasses
Com a pandemia causada pelo novo coronavírus, mais de 30 mil pessoas privadas de liberdade foram beneficiadas com a progressão antecipada de regime, destinada aos presos do semiaberto. Levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), feito entre abril e maio de 2020, aponta que, no total, a Justiça soltou 35 mil detentos nesse período, representando 4,65% do total da massa carcerária.
Ao todo, 25 Unidades Federativas realizaram solturas de presos, exceto os estados de Goiás e Roraima. Houve, também, a liberação de presos provisórios. Foram soltos 8.194 detentos por diversos motivos, como presos civis por pensão alimentícia; mulheres gestantes, lactantes, mães ou responsáveis por crianças de até 12 anos ou pessoa com deficiência; pessoas do grupo de risco, como idosos e presos que têm doenças crônicas; presos preventivos que tenham excedido o prazo de 90 dias; presos preventivos por crimes praticados sem violência ou grave ameaça; presos em presídios superlotados, sem equipe de saúde; pessoas com deficiência; e indígenas.
“Durante a pandemia, houve uma queda no número de custodiados de todo o Brasil. Houve progressão antecipada da pena pela questão do problema sanitário. É um dado considerável, mas as medidas não resolvem o problema da superlotação”, frisou Cláudia Braga Tomelin, promotora e membro da Comissão do Sistema Prisional, Controle Externo da Atividade Policial e Segurança Pública do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
A alternativa de soltar presos durante a pandemia está longe de suprir o problema da superlotação, avalia o defensor público Reinaldo Rossano. Para ele, o sistema comporta um grande número de detentos reincidentes e medidas como essa, como a antecipação da progressão de regime, não estão mais em vigor. “Além dos presos que cometerão novos crimes e retornarão ao sistema, temos as novas pessoas que entrarão em uma cadeia pela primeira vez. Isso tudo vai gerar uma nova superlotação e não vai sanar o problema. Nossa política é de encarceramento. O Judiciário vê assim, mas isso não é a solução”, defende o coordenador do Núcleo de Execução Penal.
Em 2020, foram abertas cerca de 20 mil novas vagas no sistema penitenciário do Brasil, segundo o Depen. A previsão do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) é criar 100 mil vagas até 2023. O promotor Alexey Caruncho, também integrante da comissão do CNMP, ressalta que só ampliar vagas não é o suficiente. “Não há políticas consistentes com essa porta de saída dos egressos. Falta oportunidade. O preso que está no semiaberto, por exemplo, muitas vezes,não tem qualificação profissional. Então, precisamos pensar em formas de atrair o empresário para as unidades prisionais. Se você tem menos reincidência, menos pessoas vão entrar para o sistema prisional”, pontua.
“Às vezes há a preocupação na tentativa de política de resolver tudo numa tacada só. Um exemplo clássico é a monitoração eletrônica. Muitos acham que, além de diminuir a superlotação, o custo sai mais barato, mas é preciso calcular várias outras coisas. Além disso, deve-se lembrar que a tornozeleira vem para o Brasil como uma ideia de instrumento de cautela do estado do preso que sairia. Contudo, com a expansão tecnológica, viu-se que esse equipamento era uma alternativa para a ampliação de vagas nos presídios”, afirmam os promotores Cláudia Tomelin e Alexey Caruncho, do MPDFT.