Uma ação civil pública do Ministério Público Federal em São Paulo (MPF-SP) é uma das provas de que o incêndio que atingiu um galpão da Cinemateca Brasileira, na Vila Leopoldina, em São Paulo, foi uma “tragédia anunciada”. A ação, de julho do ano passado, aceita pela Justiça Federal em maio deste ano, mostra que o contrato de gestão da União com a Fundação Roquette Pinto, que geria a unidade, só não foi mantido por decisão unilateral do Ministério da Educação (MEC), então comandado por Abraham Weintraub. Ele ignorou, segundo a ação, as manifestações formais do Ministério da Economia e do Ministério da Cidadania.
“É fato público e notório que a Cinemateca Brasileira corre sério e iminente risco de dano irreparável por omissão e abandono do governo federal, o qual é responsável pela manutenção e preservação”, diz trecho, que cita que a Cinemateca já havia sofrido, no mínimo, quatro incêndios, sendo o mais recente em fevereiro de 2016. O MEC era o órgão supervisor do contrato, então tinha esse poder. A Secretaria Especial de Cultura estava na época com o Ministério da Cidadania, e informou ao MPF que as parcerias e contratos “eram necessários para a operação da Cinemateca não ser prejudicada”. A pasta da Cultura disse que foi surpreendida pela não renovação do contrato de gestão.
Guerra ideológica
A ação ressalta que a União decidiu não renovar o contrato por iniciativa exclusiva e unilateral do MEC, afirmando que Weintraub “nunca escondeu sua postura radical de ‘guerra ideológico cultural’ contra órgãos e instituições que promovessem ideias por ele consideradas ‘esquerdistas, marxistas’”, e que, para o Ministério Público, é “extremamente provável que o único motivo do Ministério da Educação para contrariar os próprios órgãos técnicos federais seria a resistência ideológica”.
Diretor da Fundação Roquette Pinto, Francisco Câmpera alertou, ainda, para o risco iminente de incêndio na unidade principal, que tem o dobro do tamanho da unidade que pegou fogo, tendo 16 mil metros quadrados, e onde está a maior parte dos acervos — mais de 200 mil filmes. Essa unidade fica na Vila Mariana, em SP.
“Estamos chorando a perda com razão, não era para ter acontecido isso, porque alertas não faltaram. Mas é preciso uma solução rápida, porque o risco de incêndio na unidade principal é iminente. A tragédia poderá ser ainda pior”, disse. O risco existe pelo fato de que os filmes em nitrato de celulose lá armazenados podem entrar em combustão espontânea.
O diretor explicou que, em 2019, o governo federal pagou apenas metade do que devia à fundação, e que, em 2020, não pagou nada. O governo federal passou a gerir o espaço em agosto daquele ano. Segundo Câmpera, existem particularidades na gestão de uma Cinemateca, que exige profissionais capacitados para gerir o acervo com cuidado e segurança, demandando anos de treinamento que não se consegue da noite para o dia. O Correio não conseguiu contato com o ex-ministro Abraham Weintraub.