Diante da grave estiagem que atinge o país, há grande preocupação com a capacidade de geração de energia. Mas um outro velho problema ameaça os lares brasileiros: a falta de água. No país que é frequentemente citado como a maior reserva de água doce do mundo, o racionamento tem se tornado uma realidade cada vez mais comum em quase 60 municípios.
O racionamento de água já é adotado em diversos estados e municípios da região Sul, Sudeste e Centro-Oeste, especialmente aqueles abastecidos pela Bacia do Paraná, do Rio Grande, do Paranapanema e do Paraguai. São José do Rio Preto (SP), por exemplo, estabeleceu, em 12 de maio, o racionamento diário, das 13h às 20h, e uma multa de mais de 2,2 mil reais para quem for flagrado desperdiçando água.
Em Curitiba (PR), que está sob racionamento desde março de 2020, órgãos estaduais chegaram a contratar aviões para borrifar nuvens e induzir precipitações sobre a cidade. O racionamento funciona com 60 horas de abastecimento de água e 36 horas de suspensão do fornecimento.
Segundo Ângelo Lima, secretário executivo do Observatório da Governança das Águas, o racionamento é uma medida necessária em tempos de crise. “Não dá pra esperar a chuva chegar em setembro, medidas têm que ser tomadas agora e com transparência. Esses são os elementos fundamentais para chamar a sociedade, desde já, para começar a usar água mais racionalmente”, afirma. Ele ressalta, ainda, que, tão importante quanto economizar água, é cobrar dos governos que invistam na capacidade técnica dos municípios e estados para que eles deem conta dos desafios.
Mudanças climáticas
O grande motivo da estiagem, segundo especialistas, é o desequilíbrio ambiental, aliado às mudanças climáticas, que têm influenciado no regime de chuvas. Além disso, fenômenos como o El Niño e La Niña — em que ocorre o aquecimento ou o resfriamento anormal das águas do Pacífico — são determinantes no regime de chuvas. Larissa Rodrigues, gerente de projetos no Instituto Escolhas, explica que o baixo volume de chuvas já era esperado.
“A seca não é surpresa. Os reservatórios estavam críticos em 2018, pioraram em 2019 e ninguém fez nada. No setor elétrico, por exemplo, as previsões são feitas olhando para o passado. Eles não conseguem ver as crises como efeito das mudanças climáticas. O que precisamos fazer é considerar a seca, as chuvas e as mudanças climáticas no planejamento do setor. Outra coisa é romper com a ideia de que o Brasil tem água abundante. Isso acabou”, alerta.
Entre as mudanças que devem ser adotadas, segundo ela, está a precificação da água com base no volume das principais bacias do país. “Precisamos precificar a água para irrigação, indústria e tudo o mais, porque hoje não damos valor. Sem isso, não vamos racionalizar o uso. Precisamos adotar uma cobrança de nível da água baseada no nível das bacias. Deveríamos ter maiores tarifas com base no nível dos reservatórios”, opina.
Ela aponta, também, que a crise hídrica ligada às mudanças climáticas não tem efeitos apenas no Brasil. É possível ver irregularidades de chuvas em outros países, incluindo enchentes em locais onde antes não chovia com regularidade ou secas onde antes se via abundância de chuvas. No caso do Brasil, a irregularidade está, segundo ela, ligada ao desmatamento descontrolado.
“No próprio setor de energia, a gente tem as térmicas, que emitem mais gases de efeito estufa, que são a causa das mudanças climáticas — o que piora a situação. A gente emprega o remédio errado. Estamos dando veneno para tentar resolver a situação”, diz ela.
Já Marcos Freitas, que já foi diretor da Agência Nacional de Águas (ANA) e agora é professor do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, afirma queexistem problemas estruturais e conjunturais quando o assunto é falta de água. Ele destaca que o fato de o Brasil ser um grande produtor de alimentos “tem seu preço”, já que é necessário um grande volume de água para manter a produção agrícola.
Ele também aponta que a região amazônica é importante para a regularidade de chuvas no resto do país. “A gente vem passando por períodos mais secos nos últimos quatro anos. Pode ser em função global de mudança climática, não podemos dizer com certeza, mas sabemos que está esquentando. Há um desequilíbrio entre chuva e seca entre regiões. No caso do Brasil, a gente sabe que 40% da chuva na Amazônia vem da evapotranspiração e, tirando a cobertura vegetal, essa parcela da chuva se perde e não ocorre com tanta facilidade. A Amazônia fica mais seca e isso cria problemas variados”, detalha.
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