A pandemia do novo coronavírus impactou, duplamente, a vida de Yorran Rodrigues de Oliveira, morador da Cidade Estrutural. Além de perder pai e mãe para a covid-19, em maio deste ano, ele deixou a função de ajudante do pai para assumir, aos 22 anos, a responsabilidade das despesas de casa e dos quatros irmãos, dois deles com 11 e 9 anos de idade. “Eu trabalhei ajudando meu pai por cinco anos com serviços de construção e reformas, e ele era quem sustentava a casa. Com a morte dele, consegui um emprego fixo na igreja, que foi o que nos socorreu”, conta o jovem, que recebe R$ 1.300 líquidos por mês — pouco mais de um salário mínimo — como auxiliar de som e áudio.
Com a inflação em alta em quase todos os setores, quem mais sente o peso das contas são as famílias de baixa renda, aquelas que recebem até meio salário mínimo (R$ 550) por pessoa ou três salários mínimos (R$ 3.300) por família, de acordo com os parâmetros do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (Cadúnico).
Muitas dessas famílias passam fome. Dividido entre Yorran e os quatro irmãos, o salário de R$ 1.300 garante a renda de R$ 325 por pessoa, em sua casa, valor bem abaixo da média. A realidade dele é a mesma de outros 24,5 milhões de brasileiros, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que mostra que cerca de 30% da população brasileira vive com até um quarto do salário mínimo por mês.
Nessas condições, até a alimentação fica comprometida. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) aponta que o salário mínimo atual (de R$ 1.100) tem o menor poder de compra para a cesta básica em 15 anos. Com o custo atual da cesta em R$ 696,71, o atual piso salarial equivale a apenas a 1,58 vez o valor da cesta básica. Em 2011, o piso salarial comprava 2,03 cestas, e a relação chegou a 2,16 em 2017. Segundo o instituto, o valor necessário para sustentar um lar com quatro pessoas deveria ser até cinco vezes maior que o atual.
Yorran conta que os dois irmãos mais velhos, de 17 e 26 anos, conseguiram emprego na semana passada, o que vai aliviar as despesas da família. “Se não fosse a ajuda de pessoas amigas, eu estaria enforcado. Hoje, até uma carne de segunda está um absurdo, o arroz também está difícil de comprar, na casa dos R$ 20, estamos tendo que diminuir”, desabafa.
Alimentos
De acordo com o economista André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (IBRE-FGV), a inflação afeta de maneiras diferentes as classes sociais. Ele explica que, quanto menos a família ganha, mais ela concentra o orçamento familiar em alimentos.
“Em 2020, os alimentos responderam por 60% do IPCA e, apesar de alguns deles já terem ficado relativamente mais baratos, como o feijão, a cesta ainda é um desafio, principalmente quando se fala de carnes e leite, que não cederam preço e ainda podem subir mais em função da crise hídrica e da ocorrência de geadas nesta época do ano, que atingem diretamente o setor pecuário”, afirma. Além disso, o alto índice de desemprego e os preços controlados pelo governo, como os de combustíveis, pesam no orçamento familiar.
“A energia elétrica e os combustíveis acabam puxando ainda mais a inflação que chega às famílias mais pobres pelo reflexo no aumento do botijão de gás, que já tem 20% de alta acumulada, e no diesel dos ônibus e caminhões, que pode impactar o preço da passagem e aumentar os custos de transporte de bens de consumo”, explica.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.