Com mais armas de fogo nas mãos de civis, rearranjos na disputa do crime organizado e cenários de tensão entre policiais e governos estaduais, o Brasil interrompeu uma sequência de dois anos em queda e voltou a registrar aumento de homicídios em 2020. Foi o que constatou o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e divulgado ontem. Ao todo, foram notificados 50.033 assassinatos no país durante a pandemia de covid-19. Isso equivale a uma morte a cada dez minutos — 4,8% a mais em relação a 2019.
É a primeira vez que as mortes violentas sobem durante o governo do presidente Jair Bolsonaro. Com isso, a taxa do Brasil chegou a 23,6 homicídios por 100 mil habitantes em 2020, um resultado pior do que no ano anterior — quando foi registrado o menor índice da década (22,7), mas ainda melhor do que nos demais anos desde 2011. Em 2019, o número total de assassinatos havia sido 47.742.
O anuário é elaborado com base em registros policiais de cada estado. Para o índice, o Fórum de Segurança considera a soma de homicídios dolosos (quando há intenção de matar), latrocínios (roubo seguido de morte), lesões corporais seguidas de morte e mortes decorrentes de intervenção policial.
Em abril deste ano, o governo editou quatro decretos, de 2019, para desburocratizar o uso de armas no país: o 9.845, que assegura a pessoas habilitadas adquirir até seis armas de uso permitido e a membros de forças policiais, mais duas para porte pessoal; o 9.846, que atualiza o regulamento para registro, aquisição e cadastro de armas por colecionadores, atiradores e caçadores (CACs); o 9.847, que estabelece alterações para o porte de arma; e o 10.030, que altera a regulamentação dos produtos controlados pelo Exército.
O mau desempenho geral do país foi puxado por homicídios comuns (que subiram 6%, passando de 39,7 mil para 42,1 mil casos) e pela letalidade policial (de 6,3 mil para 6,4 mil, ou 1% maior). Este último índice, inclusive, só registra aumentos desde 2013. Os assassinatos de agentes de segurança também cresceram no período, de 172 para 194 casos, mas representam apenas 0,4% das mortes violentas e impactam menos no resultado final do balanço.
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Nordeste
Segundo o relatório, a alta das mortes violentas aconteceu em 16 das 27 unidades da Federação, de forma mais acentuada no Nordeste. A situação mais preocupante foi constatada no Ceará, que notificou 4,1 mil assassinatos e crescimento de 75,1% em relação ao ano anterior. O mesmo estado havia sido recordista de queda em 2019.
“Os baixos níveis educacionais, o alto nível de desemprego em 2020 — que foi o ano em que nós tivemos uma explosão no país — e o índice de desenvolvimento humano, considerando as áreas onde houve um aumento mais da violência, concentrada na região nordeste, são os principais fatores para a alta da violência”, avaliou Leonardo Sant’Anna, especialista em Segurança Pública e Gestão Estratégica pela Academia de Polícia Militar de Brasília. Para ele, há uma relação clara entre a pandemia e os aumentos expressivos nos índices de violência: “Além disso, tivemos o aumento da violência doméstica em diversos estados, com a população em casa”, salientou.
Para a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapf), o estudo demonstra as dificuldades dentro das forças de segurança pública e “reforça a necessidade de implementação de medidas de modernização nestas instituições”. “Os números falam por si: houve crescimento de mortes violentas intencionais, aumento de registro de armas de fogo pela população, aumento da violência contra a mulher e de violência doméstica, além de queda no número de profissionais na segurança privada. A população precisa, cada vez mais, de uma segurança pública bem estruturada e de forças policiais preparadas e com qualidade de vida”, observou o presidente da entidade, Luís Antônio Boudens.
(Colaboraram Gabriela Bernardes e João Vitor Tavarez, estagiários sob a supervisão de Fabio Grecchi)