PREOCUPAÇÃO

Variante Delta: sem controles, país é vulnerável a nova cepa

Já identificada em cinco estados brasileiros, variante Delta do novo coronavírus, originária da Índia, pode se tornar dominante no país, admitem especialistas, se medidas de contenção não forem adotadas. Alta capacidade de transmissão é o que mais preocupa

Já presente em 98 países, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a variante Delta, primeiramente detectada na Índia, tem imposto a necessidade da adoção de medidas mais duras para conter o espalhamento da nova cepa, mesmo em países que estão avançados na vacinação contra a covid-19. No Brasil, a preocupação de especialistas se torna ainda maior, visto que somente 27,2 milhões de pessoas estão totalmente vacinadas com as duas doses ou com a vacina da Janssen de dose única, e a transmissão do vírus no país ainda é alta. A maior preocupação é de que a variante Delta repita o histórico da Gamma, identificada em Manaus, conhecida também como P.1, que se espalhou rapidamente por todo o país.

“Dada a circulação generalizada e a não adoção de mais nenhuma medida de contenção por parte dos governos estaduais, corremos risco de uma nova variante emergir, tão ou mais preocupante que a P1”, alerta Camila Malta Romano, pesquisadora do Instituto de Medicina Tropical e do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. Na contramão da necessidade, o que se observa é um país com medidas cada vez mais frouxas, apostando no ritmo de vacinação, ainda aquém da necessidade para interromper o ciclo de transmissão.

O cientista de dados e coordenador da Rede Análise Covid-19, Isaac Schrarstzhaupt, reitera a preocupação da pesquisadora. “Se acontecer um estouro da Delta, infelizmente, a gente vai ver o que já vimos com a Gamma. Primeiro, vimos as pessoas piorando, os números crescendo e, depois, confirmamos que era a Gamma”, indicou. Ele se preocupa com a taxa de transmissão comunitária do país, que permanece alta.

Por isso, a forma de evitar novas variantes é uma velha medida conhecida e recomendada pelos especialistas desde o início da pandemia. O foco deve ser no controle da disseminação, além da vacinação. É o que explica o gestor de saúde Adriano Massuda, especialista da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Vírus são micro-organismos que se reproduzem com muita velocidade e, por isso, são mais suscetíveis a sofrerem mutações em seu material genético. Dentre elas, podem surgir aquelas mais patogênicas, mais transmissíveis e até mais letais.”

Enquanto há escassez de vacina, o ciclo de infecção deve ser interrompido à base de “políticas de saúde pública voltadas para a identificação precoce dos casos, seguimento dos contatos e isolamento dessas pessoas no período em que estão em fase de transmissão”, destaca Massuda. Isaac reforça que o país tem uma testagem reativa, na qual só as pessoas com sintomas buscam ser testadas, e o número de infecções é subnotificado. “A gente sabe que tem muito mais pessoas infectadas do que diz aquele número oficial”, afirma.

Testagem

A proposta de testagem em massa em níveis significativos por parte do Ministério da Saúde foi interrompida na gestão de Luiz Henrique Mandetta e não mais colocada em prática de forma compatível com as necessidades de uma nação de dimensões continentais. O resultado é um país considerado celeiro de novas variantes para o mundo. “Diferentemente do Brasil, vimos países que conseguiram controlar a pandemia, mesmo com baixa cobertura vacinal, com essas medidas”, diz Massuda.

Um ano e meio após o início da pandemia, e com 500 mil mortos pela covid-19, o Ministério da Saúde resolveu apostar no controle da disseminação via testagem e, no fim de maio, apresentou um programa sugerindo 20 milhões de testes por mês, com busca ativa, identificação de contactantes e monitoramento das redes de transmissão identificadas. “Todos sabemos que a contenção da pandemia — por meio da vacinação em massa, da vigilância ativa para detectar rapidamente possíveis novas variantes, e das medidas de higiene e saúde pública — é imprescindível para a retomada da economia global”, afirmou o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, no Fórum de Investimento Brasil 2021.

O fato é que o Brasil não chegou perto de controlar a pandemia, mas retoma as atividades cada dia mais rápido. As tentativas de barrar a disseminação da variante indiana mostram-se frustradas, já que 11 casos da Delta foram identificados em cinco estados, até o momento. Em Goiás, na capital, por exemplo, a Secretaria de Saúde chegou a informar que havia detectado a transmissão comunitária da nova cepa, mas esta semana voltou atrás e disse que foi um erro.

*Estagiária sob a supervisão de Odail Figueiredo 

Saiba Mais

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A OMS divide as variantes em as de “interesse” e as de “preocupação”. As de preocupação são as consideradas mais transmissíveis e agressivas. Existem, atualmente, quatro variantes nessa maior escala de alerta:

• Variante Alfa: B.1.1.7identificada no Reino Unido.

• Variante Beta: B.1.351identificada na África do Sul.

• Variante Gamma: P.1identificada no Brasil.

• Variante Delta: B.1.617.2identificada na Índia.


Até a última atualização feita pelo Ministério da Saúde, o país tinha 7.021 registros de casos da covid-19 pelas variantes de atenção e/ou preocupação (VOC), sendo:

•3 casos da variante Beta identificadas em 1 estado.

•11 casos da variante Delta identificados em 5 estados.

•169 casos da variante Alpha identificada em 14 estados.

•6.838 casos da variante Gamma identificados em 26 estados.

OMS recomenda avaliação constante

A Organização Mundial da Saúde (OMS) fez um alerta, nesta semana, quanto à potência da variante indiana. “A Delta está prestes a se tornar a variante dominante global por causa de sua maior transmissibilidade”, disse a cientista-chefe da Organização Mundial da Saúde (OMS), Soumya Swaminathan, em coletiva de imprensa. O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, alertou para os perigos da variante Delta e reforçou que o quadro exige “constante avaliação e ajustes cuidadosos na resposta de saúde pública”.

A pesquisadora Camila Romano, da USP, avalia que ainda é cedo para afirmar que a variante delta pode se tornar dominante no Brasil. “Ainda é cedo pra dizer, é uma questão de ‘competição’. A P.1 tomou a proporção que tomou porque é mais transmissível que as linhagens que estavam presentes aqui anteriormente (B1128, P.2 E B1110, entre outras menos frequentes). Acontece que não sabemos ao certo ainda a capacidade de transmissão da indiana, que, se for similar à da P.1, é improvável que se torne a dominante no país, já que em muitas regiões a P.1 é responsável de 70% a 90% das infecções, portanto não haveria espaço para a indiana dominar. Agora, se a variante indiana se mostrar mais transmissível que a P.1, é possível que sim, ela acabe se tornando dominante em ao menos certas regiões”, explicou.

A epidemiologista Maria Van Kerkhove, responsável técnica pela resposta da OMS à covid-19, reforçou que existem quatro variantes de preocupação — Alpha, Beta, Gama e Delta — que precisam de atenção neste momento (leia Saiba Mais). “A trajetória das variantes em cada país depende dos planos que estão sendo implementados”, afirmou a especialista. (BL, MEC e GC)

Turismo do frio aumenta risco

A passagem de junho para julho foi de recordes de temperaturas negativas no Sul do País, com registro de neve e chuva congelada. Além da dificuldade de lidar com o frio, a chegada do inverno mais rigoroso desafia o cumprimento de protocolos anticovid, como privilegiar lugares abertos e manter os espaços ventilados.

Em Santa Catarina, surgiu até um paradoxo: enquanto aulas presenciais foram suspensas em pelo menos 20 cidades do interior do estado, para evitar o espalhamento do novo coronavírus, a rede hoteleira da região tem ocupação superior a 90%, com visitantes de todo o Brasil.

A procura dos turistas não é restrita aos municípios do chamado “quadrilátero da neve”: Urubici, Urupema, São Joaquim e Bom Jardim da Serra. Segundo Ana Vieira, turismóloga da Associação dos Municípios da Região Serrana, os visitantes se espalham também pelos municípios do entorno, como Bom Retiro, Rio Rufino, Bocaina e até Lages.

“Muitas pessoas vêm até a Serra para se hospedar em hotéis da região, e essa é uma condição que mudou do ano passado para cá. Já tínhamos visto desde o Dia dos Namorados”, contou ela.

O secretário da Saúde de Santa Catarina, André Motta Ribeiro, destaca a necessidade de bom senso e vê falta de engajamento de parte da população. “Estamos há 15 meses nessa pandemia, e tem gente que insiste em não cumprir regras. E não é só no turismo, é em todos os segmentos. Espero que a população cumpra o que é determinado pois estamos fazendo o que é certo”, diz ele.

A região da Serra Catarinense é a que, proporcionalmente, tem a maior quantidade de casos ativos: 416 para cada 100 mil habitantes.

Sobre os impactos da estação no cenário da doença no estado, Motta lembra que o clima frio potencializa as chamadas doenças de inverno, similares à provocada pelo novo coronavírus. “Estamos fomentando a fiscalização junto com os municípios, e o que está ao nosso alcance estamos fazendo.”

Em junho, o Observatório Covid-19, da Fiocruz, apontou para o risco de agravamento da pandemia da covid-19 e da alta de outras doenças respiratórias com a chegada do inverno.

Mortes passam de 523 mil

O Brasil confirmou mais 54.556 novos casos da covid-19, totalizando 18.742.025 pessoas infectadas pelo novo coronavírus desde fevereiro de 2020, quando o primeiro caso da doença foi confirmado no país. Segundo o mais recente boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde, também foram registradas 1.635 mortes em decorrência de complicações causadas pelo vírus, informou a Agência Brasil. Com isso, o total de óbitos desde o início da pandemia chegou a 523.587.