Em meio a uma grande campanha de vacinação para conter o caráter pandêmico da covid-19, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) tem observado, nas últimas semanas, estados e municípios adotarem as próprias regras na aplicação de imunizantes contra o novo coronavírus, sendo algumas contrárias ao que recomenda hoje o PNI. Para especialistas ouvidos pelo Correio, o programa perdeu autoridade e, sem uma coordenação desde a exoneração de Francieli Fantinato em 7 de julho, fica ainda mais difícil fazer com que as regras sejam seguidas.
O imunologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) Jorge Kalil é um dos membros do Comitê Técnico Assessor de Imunizações (CTAI) que faz recomendações ao PNI e admite que houve uma perda de autoridade do programa, que no começo da pandemia, segundo ele, estava silencioso e inativado.
Kalil também acredita que esses embates vistos entre as orientações do programa nacional e de estados e municípios são frutos da politização vista desde o início da crise sanitária. Há a intenção, de alguns estados, por exemplo, de antecipar discussões que são realizadas no comitê de especialistas que assessora o PNI e que ainda não foram, de fato, aprovadas pelo Ministério da Saúde.
Ele lembra que foi encaminhado à pasta comandada por Marcelo Queiroga e à coordenação do PNI a indicação favorável para que grávidas que tomaram a primeira dose do imunizante da AstraZeneca completem o esquema vacinal com a vacina da Pfizer ou a CoronaVac — o que já foi aceito pela Saúde. Além disso, o grupo sugeriu ao ministro a aprovação da imunização contra a covid-19 de adolescentes com comorbidades. Apesar destas recomendações do CTAI não terem sido aprovadas pelo PNI, elas já são adotadas em alguns estados e municípios, que têm autonomia para tomar suas decisões pactuadas em bipartite.
Questionado sobre o fato de decisões estaduais e municipais estarem à frente do PNI, Kalil cogitou até mesmo a possibilidade de vazamento de informações das reuniões do comitê técnico para os entes federativos. “Nós todos trabalhamos nos estados de São Paulo, do Rio de Janeiro e outros. Então, às vezes, essa informação que é decidida tecnicamente vaza para o governo (estadual e municipal), e o governo quer se antecipar para ter o ganho político. Quer falar: ‘eu fiz antes'", lamenta.
Pressão
Além de adiantar resoluções que devem ser tomadas em breve pelo PNI, os entes federativos vêm pressionando o Ministério da Saúde a discutir outros pontos, como a possibilidade de uma dose de reforço para idosos. Na semana passada, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), anunciou que o município pretende aplicar uma terceira dose de vacina em idosos a partir de 60 anos. A ideia, segundo o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, ainda é estudada, mas já foi divulgada uma previsão para que esse público receba a dose extra entre outubro e dezembro.
A decisão de antecipar essa informação, de acordo com o secretário, é para “tentar dar previsibilidade para as pessoas” e “forçar algumas discussões que são importantes”. “Essa é uma discussão que precisa começar a ser debatida. Como a gente está em uma pandemia, atrasos nessas discussões e nesse processo podem gerar danos para a população”, salientou Soranz, em coletiva de imprensa.
A atitude de estados e municípios de anunciarem estratégias ainda não definidas pelo PNI tem irritado Queiroga, que acredita que decisões tomadas fora do programa “geram calor em vez de gerar luz”. “Não podemos ter municípios criando regras próprias, escolhendo subgrupos diferentes para a vacinação. Agora, um grande município do Brasil já está anunciando a terceira dose. Como anunciar a terceira dose se a gente não avançou ainda na primeira dose em 100% da população brasileira?”, ponderou o ministro, na última semana.
Sem coordenação
Especialistas concordam que decisões heterogêneas geram ansiedade na população, que fica confusa ao ver diferentes orientações entre os estados. “Hoje, cada município está fazendo o que quer. Isso é espantoso e nunca se viu. O Brasil sempre fez suas vacinações de maneira homogênea”, avalia o infectologista e presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, David Urbaez.
Para ele, há um vácuo no PNI, visto que a falta de um coordenador para comandar o programa faz com que ele fique ainda mais distante de uma soberania para gerenciar a vacinação contra a covid-19 no Brasil. “A esperança é que, quando tivermos de novo um coordenador do PNI, as pessoas sigam o que está sendo determinado pelo programa”, analisou.
Mais 1,1 mil mortes
O Brasil registrou, neste sábado (24/7), mais 38.091 casos do novo coronavírus e mais 1.108 óbitos pela covid-19. Os dados são do Ministério da Saúde, que já contabiliza, desde o início da pandemia, 19.670.534 pessoas infectadas e 549.448 vidas interrompidas na luta contra a doença. Por outro lado, o país já tem, ao menos, 18.340.760 recuperados da enfermidade.
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