O descontrole da pandemia do novo coronavírus no Brasil — que ontem alcançou a marca de 511.142 mortos, sendo 2.001 nas últimas 24 horas, segundo o Comitê Nacional de Secretário de Saúde (Conass) — está prejudicando vários estudantes, pesquisadores e trabalhadores brasileiros que atuam em países europeus. Isso porque o país foi incluído entre aqueles nos quais o combate à covid-19 é precário e a vacinação segue a passos lentos. Para piorar, a Organização Mundial da Saúde (OMS) fez, pelo menos, dois alertas públicos sobre o descaso com que a doença vem sendo tratado pelo governo de Jair Bolsonaro.
Igor Augusto, 21 anos, se dedicou por três anos na Universidade de São Paulo (USP) até ser contemplado com uma bolsa de estudos na École Centrale Supélec, na França, para um curso de duplo diploma em engenharia, com ênfase em ciência de dados. O que ele não esperava é que uma restrição do governo francês dificultaria os planos.
Isso porque o Ministério do Interior da França avalia a situação sanitária do Brasil como preocupante — o Brasil está incluído na “zona vermelha”. Pessoas de países classificados assim não conseguem viajar para a França nem emitir vistos, salvo casos isolados e considerados imperiosos.
“Nós, estudantes e pesquisadores, reivindicamos que estudo e pesquisa sejam considerados como motivos imperiosos para que possamos obter nossos vistos. Nesse sentido, criamos o movimento Étudier Est Impérieux para que autoridades capacitadas a nos ajudar tomem consciência desse problema”, ressaltou Igor.
O movimento Étudier Est Impérieux, em português “estudar é imperativo”, reúne aproximadamente 850 estudantes e pesquisadores que se encontram na mesma situação e buscam atrair visibilidade para a causa. Com páginas em diversas redes sociais e uma carta enviada ao governo da França e ao Ministério das Relações Exteriores brasileiro, pedem a reavaliação da norma que os impede de entrar no país. A única resposta oficial recebida foi um comunicado do Ministério do Interior francês avisando que, por ora, nada muda.
“Tenho certeza de que todos que estão participando do nosso movimento também se dedicaram muito para alcançar essa oportunidade. São centenas de sonhos que estão em jogo. Continuarei lutando pela reivindicação de estudar como motivo imperioso”, disse Igor.
“Já tentamos contato por meio de cartas ao Itamaraty, comissões de Relações Exteriores da Câmara e do Senado, Embaixada Brasileira na França e até mesmo junto aos ministros franceses que tratam dessa situação. A única resposta que obtivemos foi que seguem realizando contatos para a aplicação de medidas alternativas às atuais”, acrescentou Fausto Brenner, um dos organizadores do Étudier Est Impérieux.
Vaga ameaçada
A situação é a mesma de estudantes e trabalhadores que precisam começar a estudar ou a ocupar seus cargos em outros países. É o caso da Lauren Hobolt, 25: profissional da área comercial e de relacionamento com clientes, decidiu mudar para a de software. Assim, conseguiu uma vaga em ausbildung — que mistura estudo e trabalho e, ao final, faz jus a um diploma de qualificação técnica — em uma empresa alemã. Porém, uma restrição imposta pelo governo de Berlim, de janeiro passado, por conta da variante Gamma da covid-19, o país restringiu totalmente o ingresso.
Na tentativa de reverter a situação, Lauren e outros trabalhadores e estudantes com o mesmo destino contataram o Itamaraty e os ministérios e políticos alemães, além da Embaixada da Alemanha no Brasil e Embaixada do Brasil na Alemanha. O máximo que recebeu foram respostas genéricas, mas que não ofereceram nenhuma perspectiva de solução do problema.
“Pedimos encarecidamente o apoio das instituições brasileiras competentes, como o Itamaraty. Sabemos que o envolvimento da pasta foi essencial para ajudar estudantes brasileiros, que estavam na mesma situação que nós, a ingressarem nos Estados Unidos em abril, e acreditamos que o apoio do Ministério das Relações Exteriores faria total diferença nessa situação”, explicou.
Lauren vive a ansiedade e o medo de perder a oportunidade, que, como ressalta, foi difícil de conquistar. Ela e um grupo de estudantes e trabalhadores de instituições e empresas na Alemanha enviaram cartas ao chanceler Carlos Alberto França pedindo para que intervenha junto ao embaixador do Brasil na Alemanha, Roberto Jaguaribe, e ao embaixador da Alemanha no Brasil, Heiko Thoms, na tentativa de solucionar o impasse. Os pedidos remetidos às autoridades alemães em Berlim ainda não tiveram retorno.
*Estagiária sob a supervisão de Ana Luísa Araújo e Fabio Grecchi