O contrato de compra de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin ao preço de R$ 1,6 bilhão pelo governo brasileiro é o novo foco da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que investiga irregularidades cometidas na gestão da pandemia do coronavírus no país.
Esta foi a vacina mais cara encomendada pelo governo brasileiro, ao preço unitário de R$ 80,70. E o negócio foi fechado com velocidade atípica, em 97 dias, em comparação a 330 dias para a assinatura de contrato com a Pfizer.
O servidor Luís Ricardo Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, relatou ao Ministério Público Federal ter sofrido uma "pressão incomum" para assinar o contrato com a empresa Precisa Medicamentos, que intermediou o negócio entre o governo brasileiro e a fabricante indiana Bharat Biotech.
Nesta quinta-feira (24/06), o vice-presidente da CPI da Covid, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou que a comissão suspeita de que a Madison Biotech, empresa com sede em Cingapura que seria usada para receber antecipadamente US$ 45 milhões (R$ 221 milhões) da compra da Covaxin, seja uma empresa de fachada, o que o governo nega.
Em meio à troca de acusações, restam muitas perguntas ainda sem resposta sobre a operação de compra da vacina indiana. A BBC News Brasil lista aqui algumas delas.
1. Houve sobrepreço na compra da vacina?
Na segunda-feira (24/06), o jornal O Estado de S. Paulo afirmou em reportagem que documentos do Ministério das Relações Exteriores mostravam que o governo comprou a vacina indiana Covaxin a um preço 1.000% maior do que o anunciado seis meses antes pela fabricante.
Um telegrama enviado em agosto pela embaixada brasileira em Nova Délhi (Índia) ao Itamaraty informava que o imunizante produzido pela Bharat Biotech tinha o preço estimado em US$ 1,34 por dose. Em fevereiro, porém, o Ministério da Saúde concordou em pagar US$ 15 por unidade (R$ 80,70 na cotação da época).
O valor chamou atenção por ser o maior entre as seis vacinas compradas até agora pelo Brasil e porque o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello disse à CPI que um dos motivos para sua gestão recusar a oferta de 70 milhões de doses da americana Pfizer no ano passado seria o preço alto do imunizante. A vacina, porém, foi oferecida ao Brasil por US$ 10.
A fabricante Bharat Biotech nega que tenha havido sobrepreço, informando que as doses do imunizante são vendidas ao exterior a valores que variam de US$ 15 a US$ 20. O valor é superior àquele cobrado do governo indiano (de US$ 2 a US$ 10), segundo a empresa, pois o país asiático investiu no desenvolvimento do produto.
A Precisa Medicamentos, que intermediou as negociações entre o governo brasileiro e a empresa indiana, afirma que a dose vendida ao governo brasileiro tem o mesmo preço praticado a outros 13 países que também já adotaram a Covaxin.
2. A despesa foi feita de maneira antecipada?
O Ministério da Saúde anunciou em 25 de fevereiro de 2021 a assinatura do contrato para compra de 20 milhões de doses da vacina Covaxin.
"O investimento total foi de R$ 1,614 bilhão na compra da vacina produzida na Índia", anunciou então a pasta, em suas redes oficiais.
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O contrato previa a entrega das doses em cinco etapas de 4 milhões, com datas entre 17 de março e 6 de maio. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) só viria a aprovar a importação excepcional da Covaxin em 4 de junho. Até agora, nenhuma dose foi entregue.
Como parte de seus argumentos para rebater as suspeitas de irregularidade, a gestão Jair Bolsonaro afirma que não gastou nada com a compra das vacinas que nunca chegaram.
O governo, no entanto, emitiu uma nota de empenho - uma autorização para o gasto - no valor de R$ 1,61 bilhão, que corresponde ao valor total para o fornecimento contratado.
A nota foi emitida em 22 de fevereiro e, quatro meses depois, o dinheiro segue reservado.
Ao jornal Folha de S. Paulo, a procuradora da República Luciana Loureiro, responsável por um inquérito civil público que investigou o contrato entre Ministério da Saúde e a Precisa Medicamentos, afirmou que a reserva de recursos configura um prejuízo à saúde pública.
"Enquanto houver a nota de empenho, o recurso está reservado para isso", afirmou Loureiro. "Certamente o prejuízo à saúde pública já está havendo. As doses já eram para ter chegado, os 20 milhões de doses já deveriam estar sendo aplicados. Prejuízo já houve."
3. Por que a Polícia Federal não foi acionada para investigar a compra?
O deputado Luís Miranda (DEM-DF) - irmão de Luís Ricardo Miranda, funcionário de carreira do Ministério da Saúde - afirmou à imprensa ter alertado o presidente Jair Bolsonaro, em reunião em 20 de março no Palácio da Alvorada, sobre indícios de irregularidade na negociação feita pelo Ministério da Saúde para a compra da Covaxin.
Segundo o parlamentar, o presidente teria prometido acionar a Polícia Federal (PF) para investigar o caso. A PF, no entanto, informou nesta quarta-feira (24/06) que não encontrou nenhum inquérito aberto sobre o assunto.
Bolsonaro, porém, pediu à PF que investigue os irmãos Miranda, autores das acusações que o envolvem, conforme informou o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, em coletiva de imprensa realizada na terça-feira (23/06) à noite.
Nesta quarta, o deputado Luís Miranda protocolou à CPI da Covid um pedido de prisão por coação contra Lorenzoni e o assessor da Casa Civil Élcio Franco.
A CPI da Pandemia ouve os irmãos Luís Ricardo e Luís Miranda nesta sexta-feira (25/06).
4. Por que o pagamento antecipado seria feito a uma empresa de Cingapura?
Ainda não está claro por que o pagamento pelas vacinas seria feito à Madison Biotech, com sede em Cingapura, e não diretamente à fabricante indiana Bharat Biontech ou à Precisa Medicamentos, responsável pela venda do imunizante no Brasil.
Onyx Lorenzoni argumenta que a Madison é um braço legal da Bharat Biotech, responsável pela exportação das vacinas.
O nome da empresa, no entanto, não consta dos contratos negociados pelo Ministério da Saúde e o servidor Luís Ricardo Miranda diz ter estranhado quando o nome de uma terceira empresa, com sede em outro país, surgiu no meio da transação.
Ao levantar a suspeita de que possa se tratar de uma empresa de fachada, o senador Randolfe Rodrigues afirmou que a CPI vai levantar quem são os sócios da companhia, com quem ela tem transações financeiras e por quem foi criada em fevereiro do ano passado.
5. Por que o governo aceitou negociar com empresas brasileiras com pendências na Justiça?
A Precisa Medicamentos, que intermediou a negociação com o governo brasileiro, é sócia da Global Gestão em Saúde, que tem suspeitas prévias de irregularidade em contrato com o Ministério da Saúde.
As empresas têm um sócio em comum, Francisco Maximiano, convocado para prestar depoimento na CPI, o que deve acontecer na próxima semana.
Em 2017, quando o ministro da Saúde era o deputado federal Ricardo Barros (PP-RS), hoje líder do governo Bolsonaro na Câmara, a Global Gestão em Saúde venceu um processo de compra emergencial para fornecer medicamentos à pasta, mas não entregou os remédios, mesmo tendo recebido o pagamento antecipado de R$ 19,9 milhões.
Em 2019, o Ministério Público Federal processou a empresa e o ex-ministro. Segundo o MPF, a empresa ganhou o processo de compra mesmo sem atender a todos os requisitos, como ter registro para importação dos medicamentos na Anvisa.
"Até o momento, o governo não esclareceu por que optou por empresários com pendências na Justiça como fornecedores, nem por que preferiu adotar padrão diferente das negociações contra outros produtores de vacina que foram diretamente contactados para negociação de contrato de compra de imunizantes", destacou o jornal O Globo.
O ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde Elcio Franco argumentou que a fabricante Bharat Biotech indicou a Precisa como representante no mercado brasileiro. Não se sabe como a empresa foi alçada a esse papel, observou o periódico.
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