Termina nesta quarta-feira (30/6) a mobilização mundial do Mês do Orgulho LGBTQIA+. Celebrada durante todo o mês de junho, a data foi criada para conscientizar e reforçar a importância do respeito e da promoção de equidade social e profissional de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer, intersexuais, assexuais, etc.
Em 2021, o Brasil registrou grande apoio social e comercial para essa comunidade, no entanto, casos de truculência contra pessoas LGBTQIA+ demonstram a relevância e a importância de um mês separado para a causa no país.
O caso mais recente ocorreu na última quinta-feira (25/6), em Recife. Uma mulher transexual, de 40 anos, foi queimada viva por um adolescente na área central da cidade. A Polícia Militar de Pernambuco foi acionada por pessoas que estavam no local e prestaram socorro para a mulher, que sobreviveu, apesar de ter 40% do corpo queimado.
O ataque foi um de diversos outros feitos às pessoas LGBTQIA+, como o estupro coletivo sofrido por um rapaz de 22 anos em Santa Catarina, logo no início do mês do Orgulho. A violência abrange até crianças: um menino de 11 anos ficou três dias sem se alimentar normalmente após ser ameaçado, pela direção da escola em que estuda, em Campinas (SP), de expulsão do grupo de WhatsApp da escola por sugerir a produção de um trabalho com o tema LGBTQIA+.
Patriarcado responde com violência
Para o professor de Direitos Humanos LGBT da Universidade de Brasília (UnB) e advogado, Marcelo Holanda, a violência vista durante o mês é uma resposta às manifestações de orgulho que se intensificam neste período. “Expressões sexuais e identidade de gênero que destoam do poder ‘edificado’, do que é visto como ‘normal’, vão trazer reações violentas. Porque é assim que o patriarcado responde, com violência, para manter os postos que eles detém a tanto tempo, nos quais não estamos”, pontua.
Holanda acredita que o momento político, com grande polarização e discursos de ódio, influencia no aumento de casos do tipo. Ele afirma que a violência já existia, mas “o cenário de brutalidade foi acentuado”.
“Quando você tem uma figura como essa no cargo máximo do Executivo [Jair Bolsonaro], tratando de temáticas importantes para pessoas que estão marginalizadas por suas características, há um encorajamento para pessoas comuns vomitarem para fora todo ódio que talvez tenham carregado por anos”, opina.
Bruna Benevides, pesquisadora da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), concorda que a política tem sido um espaço de propagação da violência contra LGBTQIA+, mas afirma que é no espaço político que a luta do grupo deve ser feita. “Precisamos de uma agenda política coletiva que inclua uma narrativa unificada com ativistas e pesquisadores da Academia, movimentos partidários, coletivos e aliados que se importem efetivamente com a nossa luta”, pontua.
Para o enfrentamento da violência contra a comunidade LGBTQIA+, os ativistas convocam aliados. “Se uma pessoa ao seu lado for hostilizada pela identidade de gênero dela, qual será sua atitude? Parafraseando Djamila Ribeiro, não basta não ser LGBTFóbico, é preciso ser anti LGBTFóbico e responder às agressões cometidas contra nós, não com violência, mas com o que temos nas mãos: apoio e denúncia”, pontua Marcelo.
“Acredito que ainda sofremos anos de efeito colateral danoso a nossa comunidade pelo tempo de omissão do Estado, pelo período extenso de negação de acesso à direitos, o que piorou na pandemia, mas com um grande levante coletivo podemos sim proporcionar dias melhores”, complementa Bruna.
Marcelo se diz pronto para continuar a lutar e afirma que o grupo não vai desistir de conquistar os direitos devidos. “Sinto dizer que este é um espaço que conquistamos e que ainda iremos continuar a conquistar. É um movimento sem volta e vai continuar a acontecer, independente de Bolsonaros, de Sikêras Jrs e outros que se opõem contra nós”, declara.
Pessoas trans são grupo mais violentado do país, diz ativista
Bruna Benevides alerta que o movimento de violência visto no Brasil faz parte de uma “agenda global anti gênero”. No Brasil, a onda de ódio é intensificada para pessoas transsexuais. “A perseguição contra projetos que incluem diversidade sexual e de gênero e os assassinatos contra trans mostram que o grupo é o mais vulnerabilizado, marginalizado e violentado dentre a nossa comunidade”, pontua.
De acordo com dados da Antra, 175 pessoas transsexuais e travestis foram assassinadas em 2020, de um total de 237 homicídios contra toda a comunidade LGBTQIA+. “Execuções de pessoas cisgênero diminuíram e de pessoas trans aumentam. Enfrentamos tentativas de assassinatos e também de criminalização da nossa existência”, diz.
A violência contra o grupo nem sempre é física e fatal. “Nós temos os piores índices de empregabilidade e de renda de pessoas trans do mundo, isso fez com que a nossa estimativa de vida cravasse em torno de trinta e cinco anos”, declara.
Benevides também lembra que, ainda hoje, atletas trans não podem competir de acordo com a identidade de gênero e que pessoas em detenção que são travestis ou mulheres trans não podem ser recebidas em presídios femininos. “São pontos a se conquistar, além de retrocessos a se reverter. Esse é nosso dia a dia e com o mês conseguimos dar mais visibilidade a essa violência que nós já estamos denunciando desde sempre”, pontua.
LGBTFobia deve ser identificada e combatida
Apesar dos casos de violência, o mês também foi marcado por uma grande mobilização nas redes sociais que geraram retratações ou punições para lgbtfóbicos.
Foi o que ocorreu com o apresentador Sikêra Jr, que comanda o Alerta Nacional. Na última sexta-feira (25/6), durante o programa, ele chamou a comunidade LGBTQIA+ de “raça desgraçada”. Durante mais de cinco minutos, Sikêra afirmou que a orientação sexual de LGBTs estava ligada a prática de crimes e sugeriu que casais gays adotam crianças para cometer atos de pedofilia.
No Twitter, pessoas LGBTs e aliados repreenderam a atitude e cobraram dos patrocinadores do programa a quebra de contrato com Sikêra. Desde segunda-feira (28/6), o apresentador perdeu o aporte financeiro das empresas MRV, TIM e Magazine Luiza. O Ministério Público Federal (MPF) também ajuizou uma ação civil pública contra Sikêra pelo crime de LGBTFobia.
Já no caso do estudante de 11 anos, que foi repreendido por pais e pela direção da escola por sugerir a produção de um trabalho com o tema LGBTQIA+ no grupo de WhatsApp da turma a que pertence, citado no início desta matéria, a mobilização virtual também trouxe punição. As profissionais da escola envolvidas no caso foram afastadas do exercício da profissão e uma equipe de atendimento psicológico foi oferecida pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) para auxiliar a criança.
Situação parecida ocorreu no Espírito Santo. Uma professora da Escola Estadual Renato Pacheco, localizada no bairro Jardim Camburi em Vitória, foi ameaçada por um pai de um aluno após promover uma atividade em comemoração ao Mês do Orgulho LGBT. Ao saber do ocorrido, os estudantes promoveram uma mobilização de apoio à educadora na escola.
O movimento de apoio presencial e nas redes sociais também impulsionou famosos a fazerem denúncias. O ator Hugo Bonemer afirmou, no Dia do Orgulho e Luta LGBTQIA+ (28/6), que a indústria televisiva recusou contratá-lo após o artista se assumir gay. Outro ator, Leonardo Vieira, denunciou o recebimento de ameaças de morte no perfil do Instagram.
Para o advogado Marcelo Holanda, é necessário identificar a LGBTFobia e denunciá-la, exigir punições e explicitar os motivos daquela medida. “Como ocorreu com o Sikêra Jr e tantos outros casos, deve ser divulgado as respostas das ações lgbtfóbicas e quando houver punições, deixar claro os motivos pelas quais ocorreram. As pessoas precisam saber que o que fazem não ficará sem resposta”, pontua.
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