A pergunta sobre quantas mortes poderiam ter sido evitadas no Brasil, desde o início da pandemia, caso o governo federal tivesse adotado a postura de enfrentamento e reconhecimento da força do novo coronavírus, foi respondida, desta quinta-feira (24/6), com os depoimentos dos pesquisadores Jurema Werneck e Pedro Hallal à CPI da Covid. De acordo com estudos do epidemiologista e professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), o país poderia ter evitado 400 mil das 509.141 mortes pela covid-19 registradas no país — de acordo com dados divulgados pelos Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Segundo os depoentes, a responsabilidade das chamadas “mortes evitáveis” é do Poder Executivo e do próprio presidente Jair Bolsonaro.
“Um pedaço dessas mortes é responsabilidade direta do presidente da República, que não é uma figura que se esconde atrás do governo federal. Quem disse que vacina transforma a pessoa em jacaré foi o presidente, não foi o governo federal; quem disse que não ia comprar vacina da China foi o presidente da República”, disse Hallal, que classifica as ações de Bolsonaro como “indefensáveis”.
O cálculo de 400 mil mortes evitáveis feito pelo professor leva em conta a quantidade de cidadãos que morreram no país para cada 1 milhão de pessoas comparada com essa mesma quantidade quando se observa o cenário mundial. “No Brasil, desde o começo da pandemia morreram 2.345 pessoas para cada 1 milhão de habitantes. No mundo, é menos do que 500. Se estivéssemos na média mundial, quatro de cada cinco mortes teriam sido evitadas. Não é se estivéssemos com um desempenho maravilhoso, como a Nova Zelândia, Coreia do Sul e Vietnã. Se nós estivéssemos na média, nós teríamos poupado 400 mil vidas no Brasil”, assegurou.
Essas vidas, segundo estudo de Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional e coordenadora do Movimento Alerta, poderiam ter sido poupadas desde o primeiro ano da pandemia no Brasil. Mesmo sem vacinas, a pesquisa mostra que se uma política efetiva de controle da transmissão do vírus tivesse sido implementada, seria possível salvar 120 mil vidas no primeiro ano de pandemia. “A gente poderia, ainda no primeiro ano de história da pandemia entre nós, ter salvo 120 mil vidas. E não são números. São pais, são mães, são irmãos, são sobrinhos, são tios, são vizinhos”, lamentou.
Ela ressaltou que é possível reduzir em até 40% o potencial de transmissão do vírus com a adoção eficiente de medidas de distanciamento social, com vigilância epidemiológica e outras ações. “Precisamos garantir a implementação consistente das medidas não farmacológicas para redução da transmissão. E, agora, a gente ainda tem um fator adicional: as vacinas, que precisam ser intensificadas. Então, mais vidas podem ser salvas”, disse.
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Atraso
O atraso na compra das vacinas da Pfizer e CoronaVac provocou mortes evitáveis, segundo Hallal. “Nós fizemos uma análise que estimou que, especificamente o atraso na compra das vacinas da Pfizer e da CoronaVac, resultou em 95,5 mil mortes”, assegurou o pesquisador. A demora na aquisição dos imunizantes é investigada pela CPI.
O epidemiologista citou, ainda, outro estudo, realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), que aponta 145 mil mortes provocadas pelo atraso da vacinação no país. Segundo Hallal, esse outro cálculo leva em conta diversas ações que poderiam ter sido feitas para acelerar a imunização. “O Brasil ter aderido ao menor percentual ao consórcio da OMS (Organização Mundial da Saúde) e às outras oportunidades de vacina que, infelizmente, o Brasil não optou por assinar antes, um pouco antes”, explica.
Outro ponto revelado pelos pesquisadores é que o vírus matou mais entre pobres, população não branca e indígenas. “A gente vê que a maioria das pessoas que morreram no Brasil era negra, era indígena; eram pessoas de baixa renda e de baixa escolaridade. Já sabíamos que o Brasil tinha uma desigualdade nesse campo. E deixamos passar”, destacou Jurema.
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Censurado dentro do Planalto
Os dados que mostram como a covid-19 foi mais agressiva entre os mais pobres e a população não branca do país já haviam sido levantados pela pesquisa EpiCovid, encomendada pelo Ministério da Saúde e feita em parceria com Universidade Federal de Pelotas (UFPel). No entanto, estas informações foram censuradas antes da coletiva, no Palácio do Planalto, que divulgou os resultados do estudo, em 2 de julho do ano passado. Segundo o epidemiologista Pedro Hallal disse aos senadores da CPI da Covid, ontem, um dos slides, que abordava a diferença de casos pela doença entre os grupos étnicos, foi retirado da apresentação que preparou.
Na época, Hallal era reitor da UFPel e o investigador principal da pesquisa EpiCovid. “Eu preparei um conjunto de slides junto com o meu grupo da Universidade Federal de Pelotas. Entreguei os slides para a Secretaria de Comunicação do Ministério da Saúde e, quando fui apresentá-los, um deles tinha sido retirado e fui comunicado 10 minutos antes”, disse. A lâmina a que ele se referiu abordava a diferença de incidência da covid-19 nos grupos étnicos.
“Esse slide que apresentava a diferença pelos grupos étnicos foi censurado — repito o termo, censurado — na coletiva de imprensa no Palácio do Planalto, na qual eu apresentei o resultado dessa pesquisa”, relatou. O evento tinha a presença de representantes do Ministério da Saúde e era comandado pelo então secretário-executivo Élcio Franco — que está os investigados da CPI.
“Eu não tenho como saber se a ordem foi dada por algum superior imediato, mas quem estava lidando com a questão da coletiva, e quem participou, foi o secretário-executivo do ministério à época, Élcio Franco. Então, antes que tenha outra informação, foi dele a decisão de que aquele slide mostrando a desigualdade étnico-racial não poderia ser apresentado”, destacou.
Interrupção
Hallal ainda afirmou que, pouco tempo depois da apresentação feita por ele, o ministério decidiu interromper o monitoramento realizado pelo estudo. Conforme disse, a suspensão foi feita “sem qualquer justificativa técnica”. “A explicação dada pelo ministro (Eduardo) Pazuello, à época, não tinha nenhum critério técnico. Basicamente, disse que fariam outros estudos, que optaram por não continuar com aquele. E, infelizmente, entre junho de 2020 e março de 2021, na verdade até hoje, esses outros estudos não foram a campo. Então, a gente não sabe a realidade epidemiológica da covid no Brasil”, criticou.
A interrupção do levantamento foi confirmada pelo ministério em 21 de julho. Na data, Pazuello afirmou que a pesquisa havia ficado regionalizada e que, por isso, não havia mais interesse do governo em prosseguir. “A pesquisa estava muito boa, mas estava com dificuldades de ter uma posição nacional. O Brasil é muito heterogêneo e a gente precisaria de pesquisas individualizadas em cada região do país”, justificou, na época, o então ministro da Saúde.
Imunização maciça derruba casos em cidade de SP
Cinco semanas após a imunização em massa com a vacina Oxford/Astrazeneca, a cidade de Botucatu (SP) registrou queda de 48% na média de casos positivos de covid-19. Na semana de 13 a 19 de junho, a média diária foi de 73 relatos, enquanto na anterior havia sido de 141. A média semanal é a mais baixa desde o início de maio. Conforme a Secretaria Municipal de Saúde, o número de testes positivos teve redução de 50% e as internações caíram 40%. Cidades da mesma região registraram aumento de casos no período considerado. Em Avaré, a média diária subiu 34% e, em Bauru, a alta foi de 5,76% no mesmo período.
Números do governo paulista também indicam que, ao contrário do que aconteceu em Botucatu, no estado, os casos positivos de covid-19 aumentaram no mesmo período. Na semana de 13 a 19, enquanto esta cidade registrava queda, a média móvel paulista subia para 17.661 casos diários, alta de 31%.
Para o secretário André Spadaro, esses indicadores podem ser atribuídos diretamente à vacinação e estão dentro do cronograma esperado. “Se considerarmos de hoje a 14 dias atrás, a queda nos casos positivos é da ordem de 60%, indicando que a tendência de redução persiste. A pressão por leitos no Hospital das Clínicas (referência para covid-19) continua elevada, visto que atende a mais de 30 municípios da região. Infelizmente, a transmissão está elevada em todo o interior do estado”, disse.
Ao mesmo tempo, um estudo liderado pelo infectologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Júlio Croda vai avaliar o impacto e a efetividade da vacina em uma população de 150 mil pessoas. Elas vivem em 13 municípios na região da fronteira de Mato Grosso do Sul.
Segundo o pesquisador, as aplicações devem começar na semana que vem e devem durar de 15 a 21 dias. O estudo usará o imunizante da Janssen, de dose única, em um público entre 18 e 50 anos de idade, com o objetivo de criar um “cinturão sanitário”. Segundo Júlio, a preocupação com a região de fronteira está relacionada às variantes do novo coronavírus. Com a circulação maciça entre Brasil, Paraguai e Bolívia, aumentam as chances de contaminação.
Mais 300 mil doses da Janssen
O Brasil recebeu, ontem, mais 300 mil doses da vacina da Janssen contra a covid-19, que se junta ao 1,5 milhão do mesmo fabricante, que chegou na última terça-feira. Também chegaram 936 mil injeções da Pfizer, a segunda entrega desta semana, o que dá um total de 2,4 milhões — um novo desembarque de 936 mil aplicações está previsto para domingo. Ao contrário dos imunizantes que vêm sendo aplicados no país — CoronaVac/Sinovac/Butantan, Corminaty/Pfizer e Oxford/AstraZeneca/Fiocruz—, o fármaco da Janssen necessita apenas de uma dose para fazer a cobertura contra o novo coronavírus.