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'Minha filha foi registrada com nome de anticoncepcional': a mãe que foi à Justiça após pai descumprir acordo sobre como chamar criança

A defesa do pai nega que ele tenha escolhido o prenome como uma forma de ridicularizar a mãe da criança


No início de maio, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) permitiu uma alteração no nome de uma menina de três anos. O fato representou o fim de um embate travado pela mãe da garota desde os primeiros meses de vida da filha.

O primeiro nome, que era considerado um problema para a mãe da garota, poderá ser retirado.

Para a autônoma Fernanda*, de 27 anos, a decisão do STJ é um alívio. Ela afirma que havia combinado com o pai da filha, ainda durante a gravidez, que a garota teria um nome. Porém o homem registrou a menina com um nome composto e diferente do combinado.

A mãe diz que não há dúvidas sobre o motivo do primeiro nome escolhido pelo homem para a menina: é uma alusão ao nome do anticoncepcional que ela tomava quando engravidou.

"Ele registrou o nome dela sozinho, sem o meu consentimento. Ele sabia que era o nome do meu anticoncepcional", declara a mãe à BBC News Brasil.

A defesa do pai nega que ele tenha escolhido o prenome como uma forma de ridicularizar a mãe da criança.

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Pai nega que tenha registrado a garota com o nome do anticoncepcional da mulher como forma de provocação

"No processo, o pai alega que não fez de forma proposital, que não foi no intuito de colocar como o nome do remédio. Ele alega que escolheu esse nome porque é fã de um desenho que tem uma heroína com o mesmo nome", diz a advogada Caroline Menezes, responsável pela defesa do homem.

Na Justiça, a mãe teve dificuldades para comprovar a relação entre o anticoncepcional e o prenome da filha, porque o remédio tem um nome comum entre muitas mulheres — assim como outros anticoncepcionais que também possuem nomes femininos.

Para que pudesse ter a mudança acolhida pela Justiça, a defesa da mãe decidiu destacar o fato de que o nome da criança não foi definido em consenso entre os pais. Após apresentar provas, o STJ acolheu por unanimidade a solicitação de Fernanda.

O nome do anticoncepcional

Fernanda e Renato* moram em uma cidade da baixada santista, no litoral de São Paulo. Ela conta que se envolveu com o homem por alguns anos, em uma relação que define como uma "amizade colorida".

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Segundo a mãe, criança de três anos é chamada somente pelo nome que havia sido definido pelos pais

Para prevenir uma possível gravidez, a autônoma conta que consumia o anticoncepcional.

"Eu sempre tomei o remédio certinho, porque morria de medo de ser mãe. Pensava em ter filhos só a partir dos 35 anos, mais ou menos. O meu celular despertava todos os dias às 7 da manhã para eu tomar o anticoncepcional', relata.

Aos 23 anos, Fernanda engravidou. Ela comenta que descobriu a gestação pouco tempo depois de parar de se relacionar com Renato. "Passei mal no trabalho algumas vezes. Fui ao médico, após alguns exames descobri que estava grávida de seis meses", diz.

Ela conta que ficou desesperada ao descobrir a gestação, porque não esperava que pudesse engravidar enquanto tomava anticoncepcional.

Mesmo fazendo uso correto, há casos raros de mulheres que engravidam (menos de 1%) enquanto tomam anticoncepcionais. Alguns fatores podem aumentar as chances de uma gestação entre aquelas que consomem o remédio, como não tomar no horário correto ou esquecer de consumir por um ou vários dias.

"Eu falei pro médico que tomava o anticoncepcional certinho, todos os dias no mesmo horário. Mas ele me explicou que o remédio tem 99% de chance de evitar uma gravidez", detalha.

Quando contou para o pai da criança, ela relata que pediu para que eles mantivessem uma amizade pelo bem da criança.

Durante a gestação, segundo Fernanda, houve uma conversa sobre o nome que dariam para a filha. "Eu falei que a gente escolheria em conjunto. Ele me sugeriu o nome e eu disse que não porque era o mesmo nome do anticoncepcional que eu tomava. E ele sabia disso. Percebi que foi uma forma de me afetar", conta.

De acordo com Fernanda, o pai não participou da gestação e pensava que ela havia planejado a gravidez de propósito. "Ele perguntou se eu realmente tomava o anticoncepcional. Eu respondi: como você fala isso se eu tomava na sua frente quando dormia na sua casa?", diz.

Quando a filha nasceu, diz a mãe, o pai visitou a garota no hospital. Fernanda acreditava que conseguiria ter uma boa relação com ele e esperava que o homem a buscasse para que fossem registrar a criança, assim que tivesse alta hospitalar.

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Defensor público afirma que caso pode servir de exemplo para outras situações em que pai registra nome de forma diferente do combinado com a mãe da criança

Porém, a autônoma afirma que ele não a buscou no hospital e diz ter sido surpreendida pouco após voltar para casa.

"Eu queria ter ido com ele para registrar, mas ele foi sozinho sem o meu consentimento. Depois que ele registrou, levou a certidão da minha filha para a minha casa, quando a minha mãe viu, disse para ele que eu iria brigar por causa do nome, mas ele disse que eu me conformaria", relata.

"Fiquei muito nervosa quando soube como ele registrou a minha filha. O meu leite até secou por tanto estresse", acrescenta.

Segundo Fernanda, o pai da criança apresentou uma cópia autenticada de uma identidade dela, que a autônoma havia deixado na casa dele anteriormente, e levou para o cartório para que pudesse registrar a filha.

A mãe da garota não se conformou com o nome composto escolhido pelo pai. Revoltada com a situação, ela procurou o cartório e tentou alterar o registro, mas descobriu que somente poderia fazer isso por meio da Justiça.

O embate na Justiça

Fernanda procurou a Defensoria Pública de São Paulo cerca de um mês após o nascimento da filha. "Eu havia pesquisado na internet sobre como poderia ir atrás para mudar o nome dela e procurei ajuda na Defensoria."

Ela entrou com uma ação judicial "a fim de evitar que a criança possa saber os motivos pelo qual seu pai deu a ela o nome do remédio, e passe por situações vexatórias".

O pedido para a mudança no nome da criança foi negado em primeira e em segunda instância em São Paulo — por se tratar de caso que envolve criança, o processo tramitou em segredo de Justiça. O principal argumento era que não havia como comprovar que o pai havia agido com má-fé ao escolher o nome da filha e que tenha escolhido por causa do anticoncepcional que a mãe da menina tomava.

"Na primeira e na segunda instância, a Justiça não aceitou o pedido porque não é um nome que expõe a criança ao ridículo e não foi provado que o pai fez isso por vingança. O Ministério Público até observou que ela poderia mudar o nome a partir dos 18 anos, como é permitido pela Lei brasileira", explica o defensor público Rafael Rocha, responsável pela defesa de Fernanda.

"Mas não tinha cabimento manter aquele nome, porque aquilo era um constrangimento para ela. A mãe estava discutindo, nesse processo, o direito de dar o nome da filha, não para avaliar se era constrangedor ou não. Não era vexatório do ponto de vista público, mas para a mãe e familiares mais próximos isso era um constrangimento", acrescenta o defensor público.

A advogada Caroline Menezes, responsável pela defesa do pai, destaca que a mãe não conseguiu provar que o homem registrou o nome da filha como forma de ofensa. "Tanto que ganhamos em primeira e segunda instância, por não haver esse tipo de prova", justifica.

"Até agora não há qualquer prova robusta de que ele agiu por vingança. Por isso, coloquei na defesa que a criança poderá mudar o nome, caso queira, quando fizer 18 anos. Não é algo vexatório", acrescenta a advogada.

Ao apresentar recurso no STJ, após as negativas nas instâncias anteriores, a defesa de Fernanda focou na argumentação de que o registro feito pelo pai desrespeitou o acordo com a mãe da criança.

"É certo que o pai também tem o direito de participar da escolha do nome da filha. Contudo, (...) jamais poderia afirmar concordar com o nome, comprometer-se a ir ao cartório realizar o registro nos termos combinados e, diversamente, indicar outro nome. (...) O vexame não se atém à mãe, também se transfere à criança, que carregou em sua identificação, em sua personalidade, o nome do anticoncepcional e a marca de que sua concepção não era desejada pelo pai, tendo sido utilizada como objeto de violação pelo pai à própria mãe", argumentou o defensor público ao STJ.

A associação entre o nome e o anticoncepcional não entrou em discussão no STJ. O foco foi o nome combinado entre os pais e o que foi registrado no cartório. A mãe encaminhou um print no qual comprova que os dois tinham combinado o nome da filha.

Em 4 de maio, os ministros da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concordaram, por unanimidade, que houve um rompimento unilateral do acordo prévio entre os pais da garota em relação ao nome dela.

Em razão disso, os ministros do STJ concordaram que há motivação suficiente para autorizar a modificação do nome da criança para apenas o anteriormente combinado entre os pais.

A defesa do pai da criança não planeja recorrer da decisão. Após o fim do prazo para recurso, a Justiça deverá autorizar a alteração nos documentos da garota.

'Ele não é pai, só foi o genitor'

Após a decisão do STJ, Fernanda afirma que ficou aliviada. "Foi muito importante, tanto para mim quanto para a minha filha no futuro. Quando ela tiver maior, vai poder me perguntar o motivo de eu ter escolhido o nome dela e eu vou poder falar. Não terei que explicar sobre o outro nome", diz.

O pai, segundo Fernanda, não tem contato com a filha. "Ele só a viu três vezes. Duas quando ela era pequena e a outra quando ele foi à Justiça pedir pra fazer teste de DNA, porque ele desconfiava que não fosse filha dele. Depois disso, nunca mais viu. Ele só paga pensão, porque a Justiça determinou", declara a mãe.

"Eu digo que ele não é pai, só foi o genitor. No começo, eu me magoava por ele não ser um pai presente, mas agora percebo que o que mais importa é que ela tem o amor de toda a nossa família e isso já está ótimo", afirma Fernanda.

O defensor público Rafael Rocha pontua que o caso de Fernanda e da filha pode servir como referencial para situações futuras nas quais há divergência entre pais sobre o registro civil de uma criança. "Essa decisão permite que casos semelhantes sejam revisados", diz.

"O que foi interessante nesse caso é que o STJ decidiu que a criança pode alterar um nome não somente porque é vergonhoso. É possível alterar a partir do momento em que os pais entram em um consenso, mas há uma mudança no registro que não havia sido combinada. Isso é comum acontecer e essa decisão pode ser uma inovação", declara.

Segundo Rocha, o Núcleo de Promoção aos Direitos da Mulher da Defensoria Pública de São Paulo irá analisar o que poderá ser feito a partir desse caso para evitar situações semelhantes.

"Nesse caso (da Fernanda), conseguimos prints que comprovaram que o nome combinado era diferente do registrado. Mas o problema é que a mãe nem sempre vai ter prova de que o pai mudou o nome combinado ao fazer um registro. Por isso, vamos verificar a possibilidade de regulamentar (nos cartórios do país) alguma forma de garantia de que pai e mãe estão de acordo com o nome registrado", diz Rocha.

*Os nomes foram alterados para preservar a identidade dos envolvidos.


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