JACAREZINHO

Juízes apontam crime contra a humanidade

Em documento encaminhado ao ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, a associação Juízes para a Democracia classificou como “crime contra a humanidade” a operação da Polícia Civil que deixou ao menos 28 mortos na favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio, na última quinta-feira. A incursão, no entanto, recebeu guarida da corporação. A Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) divulgou nota prestando “pleno e irrestrito apoio” à incursão.

“Informamos que a Adepol do Brasil não aceitará qualquer pré-condenação à legítima e necessária ação empreendida pela gloriosa Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, sendo repugnante presenciar alarmas descontextualizados e pré-julgamentos com viés estigmatizante diante do resultado da operação policial em comento”, diz um trecho da nota da Adepol. No texto, a associação afirma que eventuais excessos no uso da força letal policial devem ser apurados “sem vieses ideológicos ou sensacionalistas”.

Ontem, a polícia divulgou os nomes das 28 pessoas mortas na operação. A corporação alega que, tirando o agente André Frias, que perdeu a vida no tiroteio, todos os demais eram “criminosos”. A Adepol, por sua vez, afirmou, na nota, que “o uso progressivo da força se coaduna totalmente com o emprego de força letal nos casos de atentados à vida de policiais e de cidadãos, notadamente quando há utilização desenfreada de equipamentos de guerra por narcoterroristas que adotam táticas de guerra irregular”.

A operação está sendo investigada pela Defensoria Pública. Em alguns casos, segundo representantes do órgão e depoimentos de moradores, há indícios de mortos sem confronto ou que já estavam feridos e rendidos. Defensores falam em “execução” e classificam o episódio como uma chacina.

A maioria dos óbitos no Jacarezinho aconteceu depois que o policial Frias foi morto, o que levou observadores a levantar a hipótese de “vingança” por parte dos agentes — o que a corporação nega.

No documento encaminhado ao ministro Edson Fachin, a associação Juízes para a Democracia também pede que o governo fluminense seja obrigado a seguir uma série de protocolos nas ações policiais e a prestar informações sobre a incursão da última quinta-feira.

Em agosto do ano passado, o Supremo referendou uma liminar concedida por Fachin e restringiu operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro até o fim da pandemia do coronavírus. A decisão estabelece que as ações nas favelas só podem ocorrer em hipóteses “absolutamente excepcionais”, desde que sejam justificadas por escrito pela autoridade competente e comunicadas ao Ministério Público do Estado.

A proposta da associação Juízes para a Democracia é que, além das restrições já estabelecidas, todos os policiais passem a usar câmeras de vídeo com transmissão remota nos uniformes caso sejam deslocados para operações. A ideia é que os detalhes das ações fiquem registrados e possam ser usados como provas dos procedimentos adotados.

Em outra frente, a associação aumenta a pressão para que as autoridades do Rio de Janeiro prestem esclarecimentos urgentes sobre a operação. A Juízes para a Democracia sugere que os responsáveis pela incursão sejam afastados dos cargos enquanto corre a investigação e que o governo fluminense seja cobrado a prestar informações sobre o descumprimento da ordem do STF que restringiu as ações nas favelas.