Um diferencial competitivo das maiores economias do planeta é uma indústria bem desenvolvida. Os setores mais sofisticados tecnologicamente ajudam a promover o desenvolvimento das nações, demandam mão de obra qualificada e pagam os melhores salários, destaca o economista Paulo Gala, professor da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP). Ele cita a indústria química como uma das bases desse desenvolvimento.
“Nenhum país é rico sem ter domínio tecnológico, e a indústria química é um dos setores-chaves. É difícil encontrar um país rico sem um setor químico robusto”, afirma. O especialista destaca que as economias com renda per capita mais alta do mundo têm uma indústria química robusta. “Os países mais ricos do mundo dominam o setor químico mundial, como 70% a 80% da produção e da exportação. O Brasil é um dos poucos emergentes que conseguiu avançar e ter alguma relevância nesse mercado”, afirma.
No entender do economista, o país ingressou nesse mercado quando já havia oligopólios estabelecidos, subiu um pouco nessa escada, porque conseguiu produzir alguns bens, “mas ainda está muito aquém de ser um player global”. Um dos motivos, segundo ele, é o fato de a indústria brasileira competir em patamares assimétricos com as de outros países e, na indústria química, a dificuldade é ainda maior.
“O Brasil compete em mercados concentrados, com menos patentes, domínio tecnológico menor e sem economia de escala. A competição que o país enfrenta é muito desigual, porque parte de uma posição de desvantagem. É como se fosse jogar futebol em um campo inclinado, onde precisa subir para fazer o gol. Enquanto isso, os países ricos jogam com o campo a favor, de cima para baixo”, compara.
Desigualdade
Paulo Gala cita como exemplo de discrepância a tributação sobre os produtos nacionais e os de outros países apontadas pela Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). Conforme dados da entidade, os impostos cobrados sobre os produtos nacionais giram entre 40% e 45%, e, nos países competidores, as taxas variam entre de 20% e 25%. De acordo com o especialista, essa competição desigual não é exclusividade da indústria química brasileira, pois também atinge outros setores, como o de máquinas e equipamentos. “O país está jogando em condição de desigualdade preestabelecida. E, a partir disso, justificaria uma aliança entre o governo e o setor privado para lutarem juntos nessa guerra industrial”, destaca.
Nesse cenário de pandemia da covid-19, os países desenvolvidos estão valorizando mais suas indústrias locais. “A luta está se intensificando, e os países ricos perceberam a necessidade de dar incentivos aos setores químicos, porque perceberam que havia muita fragilidade nas cadeias de valor. Eles se deram conta de que não poderiam depender da importação de bens estratégicos”, afirma. Para Gala, se o governo brasileiro abandonar essa guerra, sem se preocupar com a indústria química e sua importância para a economia do país, ficará condenado a ser um país pobre. “É impossível um país rico sem uma indústria química desenvolvida”, pontua.
Para o economista, o fim do Regime Especial da Indústria Química (REIQ), conforme previsto na Medida Provisória 1.034/2021, é um exemplo de que o ajuste fiscal promovido pelo governo não faz muito sentido em um momento em que o mundo atravessa uma pandemia global e todos adotam medidas de estímulo. “Esse é um ponto esquizofrênico da política econômica”, afirma. Ao sintetizar esse cenário, ele destaca que sem o REIQ, as empresas buscarão repassar o custo e vão sofrer concorrência internacional. “O aumento do custo dos insumos em dólar afeta todo mundo. O resultado será queda no faturamento e demissões”, afirma.
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