Mesmo após enviar uma equipe à Rússia para inspecionar as instalações onde são produzidas a Sputnik V, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) negou o pedido de importação da vacina. A decisão da diretoria colegiada, deliberada em reunião extraordinária, nesta segunda-feira (26/4), foi unânime e frustrou a solicitação feita por estados, que negociaram, juntos, mais de 65 milhões de doses do imunizante.
As informações coletadas por técnicos da Anvisa que viajaram para a Rússia serviram para embasar a decisão. A equipe não teve acesso a instalações do Instituto Gamaleya, responsável pela produção da vacina, fato que pesou na decisão. "É preciso destacar que nessa trajetória não foi possível localizar, apesar do empenho da busca, iniciativas, informações que pudessem vir em socorro à análise que estamos fazendo", justificou o relator do processo, o diretor Alex Machado. O diretor ponderou que a decisão não é imutável e que com mais informações, a agência volta a deliberar sobre o assunto.
"Na ciência não há atalhos. Para os pleitos em deliberação, o relatório técnico da avaliação da autoridade sanitária ainda não foi apresentado e os aspectos lacunosos não foram suprimidos conforme as apresentações. Portanto, diante de todo o exposto, verifica-se que os pleitos em análise não atendem, neste momento, as exigências", votou Machado, destacando que a Anvisa atua com flexibilizações que o momento pandêmico exige. "Mesmo na eficácia na qualidade, precisamos garantir o mínimo. No eixo da segurança, essa flexibilização é inaceitável, antiética e irresponsável. Estamos falando da saúde das pessoas, de vidas", disse.
Caso a autorização para importação fosse concedida, a distribuição e aplicação das doses também estaria permitida, já que não há, no momento, doses suficientes para a vacinação dos grupos previstos no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19. O gerente-geral de medicamentos e produtos biológicos do órgão, Gustavo Mendes listou uma série de "deficiências" na análise para justificar o posicionamento.
Segundo ele, faltou informações mínimas para se garantir uma análise da segurança, qualidade e eficácia do imunizante, o que pode ser prejudicial à saúde humana. Mendes frisou uma não conformidade grave relacionada à tecnologia da vacina. "O que nós percebemos é uma falha na estratégia do controle de qualidade. A empresa não demonstrou que controla de forma eficiente os processos para controlar outros vírus contaminantes também", comentou. Todos os três gerentes de áreas técnicas emitiram recomendações contrárias à autorização.
A negativa já era esperada, já que, na semana passada, alegando falta de dados, a Anvisa chegou a solicitar ao Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão do prazo, mas o ministro Ricardo Lewandowski, que acolheu ação protocolada pelo governo do Maranhão exigindo resposta da Anvisa dentro do tempo estabelecido, não aceitou o recurso.
Lewandowski justificou que a Lei 4.124/2021 (que facilita a compra, importação e uso de vacinas e medicamentos contra a covid-19) foi criada justamente para acelerar os procedimentos em meio à crise de saúde. "Decorrido o prazo assinalado pela Lei, não poderá mais a Anvisa, simplesmente, invocar a falta ou insuficiência de documentos para deixar de analisar o pedido de aprovação de uma vacina já em uso noutros países, pois estará diante de uma presunção juris tantum no tocante à sua qualidade, segurança e eficácia, a qual só poderá ser ilidida por meio de prova inequívoca em contrário", justificou.
O presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, reiterou, em seu voto, que a agência não irá permitir, dentro de sua competência, o acesso a um medicamento ou vacina sem as devidas comprovações necessárias para garantir a segurança, eficácia e qualidade aos brasileiros ou "no mínimo, uma relação favorável de risco benefício", conforme o momento pandêmico exige. "A Anvisa possui reconhecimento diante da comunidade internacional e não irá abdicar de sua missão. Somos solidários à dor, diante da perda de mais de 390 mil pessoas no Brasil. Jamais postergamos o movimento célere de tudo que deve ser executado para permitir o acesso a soluções preventivas à doença. É o que fizemos todos esses meses".
Antes mesmo da decisão final, mas já ciente da inclinação da Anvisa, o governador do Piauí e presidente do Consórcio Nordeste, Wellington Dias, lamentou: "É simplesmente inacreditável. O povo adoecendo e morrendo no Brasil por falta de vacinas para Covid 19. Sem a licença para a importação, a vacina Sputnik, comprada pelos estados, não pode vir para o Brasil. Vamos perder a remessa deste mês de abril".
Além das negociações pelos estados do Nordeste e Norte, com previsão de 37 milhões de vacinas, outro consórcio do Centro-Oeste também fechou acordo para trazer outras 28 milhões de doses da Sputnik, que ficam igualmente comprometidas. Além das tratativas locais, o governo federal fechou a compra de 10 milhões de doses. Todas elas devem ser incorporadas ao PNI.
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