O discurso do presidente Jair Bolsonaro em reunião organizada pela Casa Branca nesta quinta-feira (22/04) para discutir as mudanças climáticas não condiz com as ações do governo brasileiro nesse campo, segundo analistas ouvidos pela BBC News Brasil.
Entre outros pontos, Bolsonaro disse que buscaria antecipar a neutralidade climática (equilíbrio entre emissão e absorção de gases causadores do efeito estufa) do Brasil em dez anos, até 2050, e afirmou que duplicaria os recursos destinados à fiscalização ambiental.
O presidente ainda repetiu a promessa, citada em carta recente ao presidente dos EUA, Joe Biden, de eliminar o desmatamento ilegal até 2030, exaltou o histórico do Brasil em relação à preservação ambiental e cobrou apoio de outras nações para custear a preservação das florestas brasileiras.
Para analistas, porém, a fala trouxe poucas novidades e destoa radicalmente das políticas do governo para o setor.
Para Natalie Unterstell, diretora do Instituto Talanoa, voltado a políticas ambientais e climáticas, Bolsonaro "ficou na defensiva" e "jogou para os próximos governos a responsabilidade pela descarbonização da economia brasileira".
"É notável que Bolsonaro não tenha assumido qualquer meta de redução de desmate no seu governo mas apenas reiterado os números de fazer cumprir a lei para 2030", ela diz à BBC News Brasil, referindo-se ao compromisso do governo em zerar o desmatamento ilegal até essa data.
Em seu discurso, Bolsonaro disse que a eliminação do desmatamento ilegal até 2030 fará com que o Brasil reduza "em quase 50% nossas emissões até essa data". Para Unterstell, a fala do presidente é ambígua e não pode ser lida como um compromisso claro, pois condiciona o resultado ao controle do desmatamento.
Ela afirma que, embora Bolsonaro tenha apontado os combustíveis fósseis como principais responsáveis pela mudança do clima, ele em nenhum momento disse como lidaria com o problema.
"O que será do pré-sal? Como o Brasil está adaptando sua matriz ultravulnerável à mudança do clima para garantir produção de energia limpa?", ela questiona, referindo-se ao peso no Brasil da energia hidrelétrica, dependente da regularidade das chuvas.
Para Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima (entidade que reúne 43 organizações ambientalistas), há discrepâncias entre o discurso de Bolsonaro e práticas do governo.
Astrini questionou o anúncio de Bolsonaro de que duplicaria os recursos para fiscalização ambiental. "O orçamento que ele mesmo mandou para o Congresso prevê o menor valor para fiscalização dos últimos 20 anos", ele diz.
Para Astrini, "Bolsonaro passou metade do discurso pedindo dinheiro para remunerar o Brasil por conquistas ambientais do passado que ele mesmo está destruindo".
Ele afirma que, embora hoje peça dinheiro para preservar suas florestas, o governo se desentendeu com gestores estrangeiros do Fundo Amazônia, o que resultou no congelamento de R$ 3 bilhões que poderiam ser usados para o mesmo fim.
Ele diz ainda que, embora Bolsonaro tenha se comprometido no discurso a atingir a neutralidade de carbono em 2050, o governo brasileiro disse há quatro meses à ONU que esse resultado só seria atingido em 2060.
Outra divergência, segundo ele, diz respeito ao compromisso de eliminar o desmatamento ilegal até 2030 - item que havia sido excluído das últimas metas entregues pelo governo Bolsonaro à ONU, embora constasse das metas assumidas pelo Brasil em 2015, na gestão Dilma Rousseff.
"Bolsonaro precisa decidir o que é verdade: o que ele discursou hoje ou o que o governo disse ontem", afirma.
Ana Toni, diretora do Instituto Clima e Sociedade, destaca outra possível discrepância na fala do presidente.
Bolsonaro afirmou no discurso que o Brasil reduziria suas emissões em 40% até 2030 em relação aos níveis de 2005, mas a meta oficial do país é 43%.
"Mesmo que ele tenha se enganado, o que parece ser mais provável, é uma gafe tremenda que mostra que não está nem aí para o assunto", afirma.
Para Toni, todos os atributos do Brasil exaltados pelo presidente no discurso - como a rica biodiversidade e a matriz energética pouco poluente - se devem à "generosidade da natureza, e não têm qualquer relação com o esforço político deste governo".
O encontro contou com representantes de 27 países. Bolsonaro falou depois dos líderes dos maiores países industrializados e foi o último representante do bloco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) a se pronunciar.
Quando o brasileiro assumiu o microfone, Biden já não acompanhava mais as falas, tendo pedido licença para tratar de outros assuntos.
Até mesmo líderes de nações que tradicionalmente não têm tanto peso e proeminência no debate sobre mudanças climáticas, como Bangladesh, Argentina e Ilhas Marshall, discursaram antes de Bolsonaro.
A ordem dos discursos foi definida pela Casa Branca.
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