A dependência de importação de insumo farmacêutico ativo (IFA) ameaça a produção de vacinas contra a covid-19 no Brasil. O atraso na chegada da matéria-prima, que é produzido pela China, para o Instituto Butantan, põe em risco a fabricação da CoronaVac, que vem sendo a espinha dorsal do Plano Nacional de Imunização (PNI). Apesar de garantir que não haverá interrupção na elaboração do fármaco, e que o cronograma de entregas de doses para o do Ministério da Saúde está mantido, o diretor do Butantan, Dimas Covas, reconheceu que estava prevista para esta semana a chegada de um novo carregamento de IFA. Mas, devido à burocracia, só desembarca no Brasil na próxima.
“O Instituto Butantan esclarece que não interrompeu a produção da vacina contra o novo coronavírus. Todas as doses provenientes do IFA recebidas da China já foram envasadas. Neste momento, cerca de 2,5 milhões de vacinas encontram-se em processo de inspeção de controle de qualidade para serem entregues, na semana que vem, ao Programa Nacional de Imunizações. Desde janeiro, o Butantan já entregou 38,2 milhões de doses da vacina ao país. Com uma nova remessa de IFA, prevista para a próxima semana, será possível integralizar todas as 46 milhões de doses referentes ao primeiro contrato com o Ministério da Saúde até o dia 30 de abril”, explica a nota do Butantan, divulgada ontem à noite.
Mais cedo, Dimas Covas disse que “nosso pedido em relação à Sinovac e à China é de que haja um aumento do volume de matéria-prima para que possamos adiantar a produção e, aí, quem sabe, adiantar a entrega dos 100 milhões de doses para julho”.
Desabastecimento
Entretanto, o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Carlos Eduardo Lula, assegura que o Brasil corre o risco de sofrer um apagão de vacinas nas próximas semanas. Entre os motivos para a falta de imunizantes, ele destacou, em entrevista à rádio CBN, a incerteza de chegada das doses prometidas pelo ministério e dificuldade de importação de insumos da China pelo Butantan.
Lula disse que o Brasil, hoje, sofre com decisões erradas do passado. “A gente apostou mal, a gente rejeitou vacinas e, agora, não tem vacina suficiente para o Brasil. A gente tinha condição de ter começado a vacinar em novembro do ano passado”, afirmou.
Os riscos se potencializam com as dificuldades encontradas pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em dar tração à sua produção. Isso porque, para esta semana, em que era prevista a disponibilização de 3,2 milhões de doses, o laboratório só entregará 2 milhões. Segundo a instituição, não há qualquer indicação de possível atraso no fornecimento de IFA por conta do avanço da vacinação na China. No entanto, falhas técnicas ocorridas em março e que demandaram importação de novas peças, atrasaram a produção, o que ainda reflete na entrega atual.
A previsão de entrega de 21,1 milhões de injeções pela Fiocruz foi reduzida para 19,7 milhões até o fim do mês — no início, eram 30 milhões de unidades para abril. A instituição garante fabricar 900 mil doses diárias em duas linhas de produção.
Doses previstas para abril
CoronaVac/Butantan 3,2 milhões (sem mais IFA) ou de 4,6 a 10 milhões (com mais IFA)
Covishield/Fiocruz 19,7 milhões
Comirnaty/Pfizer 1 milhão
Covishield/Serum 2 milhões (deviam ter chegado em março, mas ainda travada por impasses diplomáticos)
Sputnik V/Gamaleya/União Química 2 milhões por contrato com estados + 400 mil doses por acordo com o ministério (porém, não tem o aval da Anvisa)
*Fonte: Ministério da Saúde
STF manda reabrir leitos de UTI
Marcelo Camargo/Agência Brasil
A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou para obrigar o governo federal a reabrir leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em pelo menos cinco estados. As vagas foram fechados após a União reduzir o repasse de verbas para manter equipamentos e equipes nos hospitais. O julgamento ocorreu no plenário virtual, encerrou-se na noite de ontem, e os magistrados confirmaram a decisão da ministra Rosa Weber.
Pelo despacho, o governo federal deve reativar leitos em São Paulo, Maranhão, Bahia, Piauí e Rio Grande do Sul. Em fevereiro deste ano, a ministra já tinha atendido ao pedido para determinar que a União voltasse a repassar a verba para manter as vagas. Votaram a favor do pedido dos governadores, até o fechamento desta matéria, além de Rosa, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio de Mello, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Edson Fachin.
Relatório do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) aponta que, em dezembro de 2019, havia 12.003 leitos de UTI mantidos pelo governo federal e, em janeiro deste ano, caíram para 7.017. A expectativa era de que, sem a decisão da ministra Rosa, apenas 3.187 fossem mantidos, levando a milhares de mortes nas regiões afetadas. Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que os repasses “têm sido feitos conforme demanda e credenciamento dos governos dos estados”.
Na decisão, a ministra destacou que o Brasil vive uma “tragédia humanitária” e que o fechamento de leitos pode agravar ainda mais a situação. Ela mandou duros recados ao governo e ao presidente Jair Bolsonaro, que em muitas ocasiões duvidou da gravidade da pandemia.
“O discurso negacionista é um desserviço para a tutela da saúde pública nacional. A omissão e a negligência com a saúde coletiva dos brasileiros têm como consequências esperadas, além das mortes que poderiam ser evitadas, o comprometimento, muitas vezes crônico, das capacidades físicas dos sobreviventes, que são significativamente subtraídos em suas esferas de liberdades”, salientou Rosa.
DPU quer ampliar acesso a hospitais das FAs
A Defensoria Pública da União (DPU) entrou com uma ação na Justiça Federal do Distrito Federal para que três hospitais militares sejam colocados à disposição da população civil durante a pandemia de covid-19. A requisição, formalizada na última terça-feira, cobra a cessão de vagas nos hospitais das Forças Armadas, Força Aérea e Naval de Brasília, todos na capital federal. A DPU argumenta que as unidades da rede pública estão lotadas.
A ideia é que os leitos vagos, clínicos e Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) sejam controlados via Sistema Único de Saúde (SUS) pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal. “Não se retira leito de ninguém, mas se visa salvar vidas, evitando ociosidade de recursos públicos”, explica o defensor público Alexandre Benevides Cabral, que assina a ação ao lado do colega Alexandre Mendes Lima de Oliveira. “A estrutura militar não só pode, como deve, priorizar o atendimento coletivo”, diz um trecho da ação.
A ocupação dos hospitais das Forças Armadas é alvo de uma investigação no Tribunal de Contas da União (TCU), que apura se os militares deixaram de disponibilizar leitos vagos para a sociedade durante a crise sanitária e diante do colapso dos sistemas de saúde de diversas cidades. As unidades são voltados, via de regra, para o atendimento de militares e seus dependentes.
Mês passado, o ministro Benjamin Zymler determinou que o Ministério da Defesa e os comandos do Exército, Marinha e Aeronáutica passem a informar diariamente o número de vagas e a taxa de ocupação nos hospitais militares. Um levantamento divulgado pela Folha de S.Paulo com base nos dados apresentados mostra que as Forças bloquearam leitos à espera de militares em enfermarias e UTIs e que há unidades com até 85% de vagas ociosas.
As denúncias começaram a aparecer em janeiro, quando a escalada da pandemia no Amazonas levou ao colapso do sistema de saúde em Manaus, que sofria com a falta de leitos e via pacientes internados morrendo asfixiados pelo desabastecimento de oxigênio hospitalar. Na época, reportagens na imprensa trouxeram a público informações sobre espaços ociosos nos hospitais militares da região.
O Ministério da Defesa chegou a prestar informações sobre as vagas. A pasta disse que os leitos constituem “reserva técnica para garantir a saúde do pessoal militar”. “O sistema de saúde das Forças Armadas é parcialmente custeado com recursos privados dos militares e de seus dependentes. Ao contrário do SUS, o sistema de saúde das Forças Armadas não é universal”, informou a pasta.
Novas cepas já preocupam
À medida que crescem o número de mortes pela covid-19, cientistas se deparam com mutações potencialmente agressivas do novo coronavírus, que podem dificultar ainda mais o combate à pandemia. Em Minas Gerais, uma variante foi descoberta em Belo Horizonte e em cidades da região metropolitana da capital mineira, enquanto que, em São Paulo, pesquisadores concluíram que a linhagem sul-africana detectada em uma paciente de Sorocaba tem maior capacidade de driblar o sistema imunológico dos infectados — as vacinas disponíveis apresentam baixa efetividade contra ela.
No caso mineiro, duas amostras, de 85 avaliadas, continham a presença de um conjunto de 18 mutações nunca encontradas anteriormente. Segundo os cientistas, os resultados demandam urgência de esforços de vigilância genômica do estado para a avaliação da situação das novas cepas. Ainda não se sabe se a variante tem maior transmissibilidade ou é mais agressiva no paciente.
De acordo com o estudo do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais e o Setor de Pesquisa e Desenvolvimento do Grupo Pardini, em colaboração com o Laboratório de Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Prefeitura de Belo Horizonte, os resultados mostraram um aumento das variantes de P.1, P.2 e B.1.1.7 na região metropolitana da capital. Essas cepas possuem mutações críticas em um gene que codifica a proteína de espícula viral, conhecida pelo símbolo ‘S’, e estão envolvidas no aumento da transmissibilidade e na refração à imunização.
Já em São Paulo, o estudo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), coordenado pelo Instituto Butantan, constatou que a cepa de Sorocaba, a B.1.351, compartilha 15 mutações com a sul-africana, mas seu genoma apresenta nove alterações exclusivas. A preocupação é porque tem comportamento parecido com a variante de Manaus (P.1), apresentando maior transmissibilidade e possibilidade de escapar do sistema imune. Cientificamente, as variantes amazonense e a sorocabana são classificadas como “de preocupação”. “As duas podem agir de maneira muito semelhante por compartilharem três mutações que estão ligadas à maior transmissibilidade”, disse o pesquisador Rafael dos Santos Bezerra, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP.