Antes da pandemia, Andy Hsu, de 29 anos, ocupava seu tempo com shows, espetáculos e drinques com amigos. Mas quando a cidade San Francisco, nos EUA, entrou em lockdown, em meados de março de 2020, o engenheiro de software ficou preso em seu apartamento.
Ele se voltou para seu único hobby que restava: videogame. Mas depois de um tempo, até mesmo seu jogo favorito, League of Legends, não era mais gratificante.
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Em seguida, ele tentou uma pequena terapia de consumismo, adquirindo uma cadeira Herman Miller e um aparelho de karaokê. Mas ele não conseguiria continuar assim por muito tempo.
"Não é exatamente sustentável para o bolso", diz ele.
Em junho, os colegas que dividiam apartamento com Hsu se mudaram. E ele, que se considera uma pessoa extrovertida, se viu morando sozinho. Por si só, o tédio cresceu.
"Definitivamente, não me saio muito bem quando há muito tempo ocioso", avalia.
Hsu é um dos muitos entediados pela pandemia. É difícil dizer quantas pessoas ao redor do mundo estão sofrendo de tédio, mas uma pesquisa com 3,5 mil pessoas em lockdown na Itália mostrou que o tédio era um dos efeitos psicológicos negativos mais comumente reportados na quarentena.
No início, quando a pandemia era recente, o lockdown era uma novidade e as ações do Zoom na bolsa ainda eram negociadas a menos de US$ 200 por quota, havia muitas atividades para experimentar.
Mas isso foi há um ano — e, conforme a pandemia se arrasta, o tédio vai tomando conta.
À primeira vista, o tédio pode parecer um problema trivial. Comparado ao contágio galopante, o desemprego e as mortes, reclamar de algumas horas não preenchidas pode parecer um pouco egocêntrico. Mas o tédio pode levar a alguns problemas bastante reais.
Pesquisadores da Universidade de Waterloo, no Canadá, e da Universidade Duke, nos EUA, descobriram que pessoas propensas ao tédio têm mais chance de desrespeitar as regras de distanciamento social e realizar reuniões sociais.
Da mesma forma, um artigo adverte que, como as medidas para contenção da covid-19 causam tédio, esse tédio pode tornar cada vez mais difícil para as pessoas seguirem os protocolos adequados.
Os autores fazem referência ao popular meme: "Seus avós foram convocados a ir à guerra. Tudo o que pediram para você fazer é sentar no sofá. Você pode fazer isso."
Mas, segundo eles, o efeito do tédio sobre o autocontrole torna o ato de sentar no sofá "mais desafiador do que pode parecer à primeira vista".
Essas preocupações, sem dúvida, parecem acompanhar outras tendências alarmantes: um aumento nas viagens aéreas de férias nos Estados Unidos, embora os casos de covid-19 estivessem em alta em todo o país; restaurantes lotados na Flórida, mesmo com a taxa de novos casos no estado oscilando em torno de 11%. No Estado americano da Louisiana, um quarto das infecções registradas se deve a surtos iniciados em bares, restaurantes e cassinos.
Isso é particularmente preocupante à medida que surgem variantes mais contagiosas do vírus.
Mas os pesquisadores dizem que temos escolha no que se refere a como lidar com essa sensação de fadiga: o tédio pode ser uma força para o bem ou para o mal. É como respondemos a ele que faz toda a diferença.
O dilema do tédio
O tédio é um estado emocional único. É aquele sentimento de insatisfação com o mundo ao seu redor e um desinteresse pela atividade disponível, seja ela trabalho, um livro ou uma partida de videogame. E é desconfortável.
"Queremos nos envolver com o mundo, mas é um dilema porque não queremos fazer as coisas que estão na nossa frente", explica James Danckert, professor de neurociência cognitiva da Universidade de Waterloo, coautor do estudo sobre o tédio e a pandemia.
Algumas pessoas são mais vulneráveis ??ao tédio do que outras. Os homens têm uma chance ligeiramente maior do que as mulheres de ficarem entediados, e crianças e adolescentes são mais propensos ao tédio do que seus pais.
Danckert afirma que também há um aumento do tédio numa idade mais avançada, quando as pessoas começam a se sentir mais sozinhas.
Mas não importa sua idade ou sexo, o tédio é um fato da vida. Todos nós sentimos, em todas as idades.
Danckert explica que o tédio é o nosso cérebro nos dizendo que é hora de fazer algo diferente. É um sinal de que o que estamos fazendo agora não é satisfatório por algum motivo.
Pode ser que não seja interessante, ou que a atividade pareça sem sentido por algum motivo, e esse sentimento de inquietude e distração é nosso cérebro nos motivando a encontrar novas atividades que vão apaziguar aquele comichão da insatisfação.
O tédio está associado a comportamentos de risco, como o uso de drogas e álcool, assim como à automutilação. Em um estudo, participantes aplicaram espontaneamente choques elétricos em si mesmos, em vez de ficarem sozinhos sem nenhum outro entretenimento além de seus próprios pensamentos.
E nem todo mundo fica entediado da mesma maneira, diz Erin Westgate, professora assistente de psicologia da Universidade da Flórida, nos EUA.
Segundo ela, o tédio é definido por uma incapacidade de prestar atenção porque uma tarefa é muito difícil, muito fácil ou simplesmente não parece significativa para nós no momento.
Durante a pandemia, muitos de nós, como Hsu, podemos ficar entediados porque não conseguimos ver nossos amigos e não temos muito o que fazer.
Outros podem estar conciliando o trabalho e os filhos e se sentem completamente sobrecarregados: estão entediados porque têm muito a fazer e não conseguem se concentrar na tarefa em questão.
Mas ela lembra que a pandemia criou uma experiência universal: a perda de controle.
"Todos nós compartilhamos uma certa quantidade coletiva de perda de autonomia", diz Westgate.
Essa perda de autonomia torna muito mais difícil resolver nosso tédio, não importa qual seja a causa.
"Seja o que for que esteja deixando as pessoas entediadas no momento, por causa da pandemia, nossas opções para lidar com essas situações são limitadas."
Assim como outros, Danckert está preocupado em como o tédio pode estar afetando a adesão ao distanciamento social durante a pandemia, e sua própria pesquisa sugere que pessoas com tendência ao tédio têm menos chance de seguir as regras.
No entanto, Danckert adverte que, embora haja uma correlação entre o tédio relatado e a exposição a riscos durante a pandemia, ele não pode dizer com certeza que o tédio especificamente está levando as pessoas a fazer escolhas erradas. Os dados ainda não chegaram lá.
"Não posso dizer que o tédio te leva a fazer esse tipo de coisa", pondera.
"Só posso dizer que há uma relação entre eles."
Afastando o tédio
Compreender as várias razões pelas quais as pessoas estão entediadas é importante para encontrar soluções para acabar com o tédio.
E podemos encontrar boas soluções. O tédio não precisa levar a escolhas ruins, diz Westgate. O que importa são as opções que as pessoas têm.
Ela cita estudos que mostram que o tédio pode encorajar bons comportamentos, como fazer doações para instituições de caridade ou doar sangue.
"O tédio não é bom nem ruim", diz ela.
"Se trata realmente das maneiras como reagimos a ele, e as maneiras como reagimos são limitadas pelos ambientes em que estamos e as escolhas que eles nos proporcionam."
Mesmo com as diversas limitações da pandemia, há várias maneiras de as pessoas escaparem do tédio — e, subsequentemente, manter mais gente dentro de casa para o bem da saúde pública.
Danckert, que também tem tendência ao tédio e costuma tocar violão e escrever músicas para passar o tempo, diz que a primeira coisa importante a fazer é parar de pensar no fato de que você está entediado.
"Tudo o que ele faz é focar você naquela sensação de desconforto", diz ele, o que poderia motivar as pessoas a escolherem a primeira coisa disponível — ir ver um amigo em um ambiente fechado, por exemplo — sem realmente considerar as consequências.
Ele sugere que quando as pessoas atingirem aquele momento intenso de frustração de arrancar os cabelos, elas façam uma pausa de um minuto antes de agir.
"Reflita sobre por que você está entediado agora", diz ele.
"Você está em lockdown há um ano e não fica entediado 100% do tempo."
Descobrir por que você se sente insatisfeito com uma atividade pode ajudá-lo a encontrar a alternativa certa.
Westgate, por exemplo, criou uma lista que ela deixa na porta da geladeira com sugestões de atividades para quando está se sentindo enérgica e entediada e para quando está se sentindo mais cansada.
"Agora tenho 52 plantas em casa. Quando a pandemia começou, eu não tinha nenhuma", conta.
"Então, aparentemente, estou canalizando o tédio para uma selva urbana."
Ela diz que você não precisa fazer nada grande para fazer a diferença em seu estado mental.
A atividade pode ser algo que não exija muito da mente, como tricotar um padrão fácil ou pegar uma xícara de café quando isso é algo que você realmente deseja.
A questão não é fazer algo grandioso. É encontrar uma atividade que pareça significativa naquele momento e com a qual você tenha energia para se envolver.
Para Hsu, em San Francisco, o tédio foi uma oportunidade de se dedicar a interesses que ele nunca tivera tempo de priorizar.
Ele está fazendo aulas de canto — e mal pode esperar para impressionar os amigos quando puderem cantar juntos em um karaokê novamente. Começou ainda a usar um skate elétrico, que permite que ele se desloque pela cidade com segurança sem pegar carros compartilhados ou transporte público, e é uma oportunidade de apanhar ar fresco também.
Ele até canalizou seu interesse por videogames para algo mais gratificante: treinar um time de e-sports de uma escola de ensino médio.
Não importa quantas atividades você tenha na fila, seja na pandemia ou não, o tédio mais cedo ou mais tarde aparecerá.
Mas em vez de ficar frustrado ou usar esse tédio como desculpa para justificar um comportamento imprudente, os pesquisadores recomendam prestar atenção, descobrir por que seu cérebro está insatisfeito e usar essa informação para orientar suas escolhas.
E respire fundo — ainda há satisfação e significado a serem descobertos, mesmo que você ainda não possa ver seus amigos e a família.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Work Life.
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