Entrevista

Cientistas ganhadores do Nobel de Medicina avaliam pandemia e criticam o Brasil

Os norte-americanos Charles M. Rice, 68, da Universidade Rockefeller (Nova York), e Harvey Alter, 85, foram agraciados com o Nobel de Medicina em 2020 por terem ajudado na descoberta do vírus da hepatite C

Rodrigo Craveiro
postado em 19/04/2021 08:57
 (crédito:  AFP / Jonathan NACKSTRAND)
(crédito: AFP / Jonathan NACKSTRAND)

Em entrevista exclusiva ao Correio, três cientistas laureados com o Prêmio Nobel de Medicina advertiram que o uso de máscaras, o distanciamento social e a frequente higiene das mãos, combinados com a vacinação, são as únicas medidas capazes de deter a pandemia da covid-19. O australiano Peter C. Doherty, 80 anos, professor do Departamento de Imunologia e Microbiologia da Universidade de Melbourne, ganhou o renomado prêmio em 1996, por ter provado, 23 anos antes, como o sistema imunológico reconhece as células infectadas por vírus. Os norte-americanos Charles M. Rice, 68, da Universidade Rockefeller (Nova York), e Harvey Alter, 85, foram agraciados com o Nobel de Medicina em 2020 por terem ajudado na descoberta do vírus da hepatite C. Rice foi enfático ao citar diretamente o governo do Brasil como o responsável por milhares de mortes evitáveis durante a pandemia da covid-19.


Como o senhor vê o padrão da pandemia da covid-19? Alguns países, especialmente o Brasil e a Índia, assistem a um aumento no número de infecções e de mortes...

Peter C. Doherty: A expectativa tem sido a de que a "imunidade de rebanho", devido a uma infecção anterior e/ou à vacinação, ocorrerá quando cerca de 70% da população tiver algum tipo de anticorpo contra o Sars-CoV-2. As boas vacinas podem dar melhor proteção do que uma infecção anterior, mas algumas das vacinas que estão por aí podem não ser muito úteis. E isso sem levar em conta a eficácia da vacina em face das cepas mutantes que estão emergindo. Do jeito que as coisas estão, a maioria dos países onde o vírus circula ainda tem um grande número de pessoas vulneráveis. Nesse caso, a prevenção permanece sendo o distanciamento social e as máscaras.

Charles M. Rice: A maior parte dos países, em maior ou menor grau, vê ondas alternativas de picos pandêmicos pontuadas por medidas sanitárias para interromper a disseminação do vírus. Essas medidas (cobertura facial e distanciamento social) funcionam, mas as pessoas, incluindo os governantes, falham em abraçar esse comportamentos simples. Quando uma ampla fração de uma população não está imunizada o vírus continua a circular. Este é um vírus respiratório muito contagioso.

Harvey Alter: É minha opinião que a negação precoce e contínua da gravidade da covid-19, o não uso de máscaras, o desrespeito ao distanciamento social e a não aceitação de vacinas resultaram em centenas de milhares de mortes evitáveis de outra forma. Isolamento, proteção facial e vacinas, combinados, são muito eficazes e o único caminho para acabar com esta pandemia


O que é necessário para combater a pandemia e como o senhor vê o comportamento de países como o Brasil, cujo governo nega a doença, rejeita o distanciamento social e não vê a vacina como prioridade?

Peter C. Doherty: O Brasil tem feito um tipo de "experimento" em saúde pública, e não vejo ninguém que gostaria de imitar seu exemplo. Sabemos que o que funciona para limitar a disseminação da covid-19 inclui distanciamento social, lockdown e máscaras. Eu esperava que algumas regiões do Brasil se aproximassem dos 70% de infectados e que veríamos alguma evidência da imunidade de rebanho, mas não sei se isso está ocorrendo. Para acabar com a pandemia, ainda há um enorme número de pessoas em todo o planeta que não foram infectadas, além de pouco ou nenhum acesso a boas vacinas. Não há evidências de que o Sars-CoV-2 repita o que ocorre com o vírus da influenza (gripe) e se torne menos virulento com as mutações. Estamos nisso há um longo período e precisamos agir corretamente.

Charles M. Rice: Acho que a crença na ciência e a implementação de políticas inteligentes são fundamentais. É óbvio que harmonizar tais respostas por estado, país e globalmente seria mais eficiente. Na minha visão, e na de muitos outros especialistas, as resposta politizadas e não entusiasmadas do governo do Brasil e da gestão anterior nos Estados Unidos (Donald Trump) são diretamente responsáveis por centenas de milhares de mortes desnecessárias.

 

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