Após mais de um mês, a morte do garoto Henry Borel Medeiros, de 4 anos, continua a chocar o país, mesmo cercada de contradições e perguntas não respondidas.
Um dos principais caminhos nesta busca por respostas é um sofisticado programa de computador israelense, que permitiu à polícia do Rio de Janeiro desbloquear aparelhos e resgatar mensagens de texto e imagens que teriam sido apagadas dos celulares do vereador Dr. Jairinho (recém-expulso do Solidariedade) e de namorada, Monique Medeiros, mãe de Henry.
O software, chamado Cellebrite Premium, tem uso restrito para autoridades e já foi usado no Brasil em investigações importantes como a operação Lava Jato e os assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018.
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O acesso aos conteúdos dos celulares foi autorizado após quebra de sigilo telefônico decretado pela Justiça do Rio de Janeiro durante as investigações. Pelo menos 11 aparelhos - entre telefones e computadores - estão nas mãos da polícia.
Dr. Jairinho e Monique Medeiros foram presos temporariamente pela Polícia Civil no Rio de Janeiro na quinta-feira (08/04). Investigadores afirmam que eles tentaram atrapalhar as investigações sobre a morte do menino, que aconteceu no dia 8 de março de 2021.
Henry foi encontrado morto no apartamento onde vivia o casal, com diversas lesões graves pelo corpo. A mãe do menino e o vereador, padrasto da criança, disseram à polícia que o garoto teria sofrido um acidente doméstico no dia, mas o laudo do IML (Instituto Médico Legal) aponta que o menino sofreu diversas lesões graves em diferentes partes do corpo.
A perícia apontou ainda que a causa da morte foi uma hemorragia interna e uma laceração no fígado causada por uma "ação contundente". Isso levou a polícia a descartar um acidente como a causa da morte.
"Para auxiliar o esclarecimento do caso, o Governo do Estado adquiriu recentemente para a Polícia Civil um software israelense de última geração chamado Cellebrite Premium, que recupera mensagens ou imagens apagadas em qualquer equipamento eletrônico, como celulares", informou, em nota, a assessoria de comunicação da polícia civil do Rio de Janeiro.
"O dispositivo foi fundamental para a descoberta de conversas trocadas entre o Dr. Jairinho, a mãe de Henry e, inclusive, a babá do menino. As investigações seguem em andamento", continuou o órgão.
Lava Jato, Marielle e Henry
Depois de ganhar relativa notoriedade no Brasil a partir da Lava Jato e do caso Marielle, o Cellebrite Premium volta a chamar atenção no Brasil na complicada investigação sobre a morte do menino Henry.
"(O programa) Contribuiu de maneira muito importante para a investigação", disse o delegado Antenor Lopes, diretor do DGPC (Departamento Geral de Polícia da Capital), principal porta-voz das investigações junto ao também delegado Henrique Damasceno, titular da 16ª Delegacia de Polícia do Rio de Janeiro.
Em entrevista coletiva no dia 8 de abril, Lopes afirmou que o celular da mãe de Henry foi uma das peças-chave no quebra-cabeças que se transformou a investigação.
"Nós encontramos no celular da mãe prints de conversa que foram uma prova extremamente relevante, já que são do dia 12 de fevereiro. E o que nos chamou a atenção é que era uma conversa entre a mãe e a babá que revelava uma rotina de violência que o Henry sofria. A babá relata que Henry contou a ela que o padrasto o pegou pelo braço, deu uma rasteira e o chutou. Ficou bastante claro que houve lesão ali. A própria babá fala que o Henry estava mancando."
Segundo o Lopes, o programa de computador israelense permitiu que a polícia resgatasse as mensagens. que se podem se tornar provas técnicas na apuração.
"Hoje temos todos os elementos probatórios e podemos sim afirmar que temos provas que essa criança foi assassinada e não foi vítima de um acidente doméstico", disse Lopes.
"O Cellebrite foi uma prova técnica essencial, muito forte, onde o delegado embasou seu pedido de prisão, que é corroborado pelo Ministério Público e acabou sendo deferido pela juíza do 2º Tribunal do Júri", afirmou, em referência ao mandado de prisão expedido pelo colega Damasceno contra o casal.
"As mensagens que foram obtidas através de uma prova técnica de fato comprovam que essa criança vinha sofrendo agressões dentro do apartamento. Agressões praticadas pelo vereador e médico Dr. Jairinho. Todas as provas técnicas serão juntadas ao inquérito policial, mas neste momento podemos afirmar sim que houve toda uma arquitetura incompreensível caso fosse um acidente, a combinação de depoimentos. Algo que não se espera de uma família enlutada. Todas as provas técnicas estão sendo finalizadas", continuou Lopes.
O delegado também mencionou o programa israelense agradecendo ao governador em exercício do Rio de Janeiro, Claudio Castro.
"O governador nos ajudou com o Cellebrite, sendo muito importante", disse.
O que é o Cellebrite Premium?
O programa israelense foi comprado pela secretaria da Polícia Civil do Rio de Janeiro no dia 31 de março, cinco dias após a apreensão dos celulares de Dr. Jairinho e Monique Medeiros.
Segundo os fabricantes, o programa seria o "único disponível no mercado a permitir recuperar senhas, fazer desbloqueios e realizar uma extração completa de arquivos de celulares da Apple".
O sistema também funciona com aparelhos Android e é capaz de acessar conteúdo guardado em aplicativos de outras empresas: Facebook, WhatsApp, Telegram e "muitos outros".
"Com Cellebrite Premium você pode burlar bloqueios e fazer uma extração física em diversos aparelhos", diz a companhia.
A lista de funções impressiona e põe em xeque o discurso de total privacidade por meio de dados encriptados que frequentemente é citado por diversas empresas de tecnologia.
"Acessando aplicativos de terceiros, senhas salvas e tolkens, conversas de bate papo, dados sobre localização, anexos de e-mails, registros de sistemas, bem como conteúdo apagado, o serviço aumenta as suas chances de encontrar provas incriminatórias", diz a Cellebrite.
A companhia se apresenta como uma empresa de soluções forenses, "que ajuda agências de segurança em todo o mundo a acessar dados de centenas de dispositivos".
"Recupere e examine evidências que você poderá apresentar em tribunais", diz o fabricante.
'Celulares pela janela'
À imprensa, no último dia 8, outra delegada que participa das investigações afirmou que o casal lançou celulares pela janela quando a polícia se aproximou, em uma suposta tentativa de eliminar provas.
"O casal tentou se desfazer dos aparelhos celulares que estão utilizando atirando os mesmos pela janela. Obviamente nós conseguimos arrecadar esses celulares, mas houve uma tentativa de dispensá-los", disse a delegada Ana Carolina Medeiros.
Segundo o delegado Henrique Damasceno, hoje o casal é investigado por homicídio duplamente qualificado. Isso porque teria sido usada tortura e por emprego de recursos que causaram impossibilidade de defesa da vítima, segundo ele.
O delegado disse que a babá do garoto, que tinha um vínculo estreito com o casal, mentiu durante o depoimento. Isso indica, segundo ele, que houve uma interferência dos investigados.
A investigação também identificou, por meio de capturas de tela de celulares, que a criança sofria uma rotina de sofrimento e agressão.
A Polícia Civil disse que o casal deve ser indiciado e, caso o promotor aceite a denúncia, os dois serão denunciados e levados a julgamento.
De acordo com a polícia, Dr. Jairinho também é investigado por agredir a filha de uma ex-namorada dele.
O delegado disse em entrevista coletiva à imprensa nesta quinta que foram "reunidas provas fundadas" que apontam o casal como responsável pelo crime. Os dois foram encontrados no momento da prisão em um endereço que eles não tinham informado no inquérito.
Chutes e rasteira
O delegado responsável pelo caso revelou ainda conversas trocadas no dia 12 de fevereiro (pouco menos de 30 dias antes da morte do garoto) entre a babá e Monique, a mãe de Henry. No diálogo, a funcionária relata agressões cometidas por Dr. Jairinho contra a criança.
Em um dos diálogos, a funcionária conta que Dr. Jairinho e Henry ficaram trancados no quarto por alguns minutos com a TV ligada com um volume alto. Quando a criança saiu do cômodo, teria contado a ela que levou chutes e uma rasteira, além de reclamar de dores no joelho e na cabeça.
Segundo o delegado Henrique Damasceno, isso prova que a babá mentiu no depoimento, já que ela disse que a relação entre eles era muito boa.
"Está bastante evidenciado de que ela mentiu. Ao invés de narrar qualquer incidente dentro daquela residência, ela disse que era uma relação harmoniosa. Verificamos que testemunhas estavam sendo influenciadas. Foi urgente a prisão porque havia um prejuízo nas investigações com a liberdade dos investigados", afirmou Damasceno.
Mesmo sabendo das agressões, o delegado diz que a mãe de Henry não procurou a polícia e também não afastou a vítima do agressor. No dia da morte do garoto, a babá não estava no apartamento.
De acordo com o delegado, Dr Jairinho não queria que o corpo do menino fosse para o IML e pediu para que o atestado de óbito fosse liberado ainda no hospital. O argumento que ele deu em depoimento foi de que ela queria "virar logo essa página".
Mas um "executivo da área da saúde", segundo o delegado, negou o pedido.
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