Apesar de o Ministério da Saúde determinar quais grupos prioritários devem receber a vacina contra a covid-19, a liberdade federativa permite aos governadores mudarem a ordem que é recomendada pela pasta para adequarem à realidade local. Mas isso vem gerando ruídos e críticas, situação típica da ausência de um pacto nacional, de acordo com especialistas. Resultado: o aprofundamento da desorganização da imunização contra o novo coronavírus.
No Distrito Federal, por exemplo, a vacinação de servidores das forças de segurança e da educação foi antecipada. Mesmo estando incluídos no Plano Nacional de Imunização (PNI) estabelecido pelo governo federal, a previsão era de que as categorias só recebessem a primeira dose de imunizante depois de outros grupos, como o de pessoas com mais de 60 anos. A antecipação da vacinação de professores e profissionais da segurança também foi anunciada em São Paulo, na última semana, onde cerca de 530 mil servidores começarão a ser imunizados a partir de 5 de abril.
A priorização por idade ou por categoria podia ser parte de uma estratégia conjunta de vacinação. O erro, na avaliação do epidemiologista e coordenador da Sala de Situação da Universidade de Brasília (UnB), Jonas Brant, é a ausência de um planejamento claro, objetivo e pactuado com a antecedência necessária para não gerar atropelos.
“Hoje, a sociedade fica sabendo de manhã qual o grupo que será vacinado no dia seguinte. Não há estratégia clara e critério objetivo para que, a cada novo lote que chegue, se tenha um destino pronto. Isso cria uma lacuna que propicia pressão social de diferentes grupos de maior influência a conseguirem adquirir prioridade nessa fila”, observou.
O ponto de partida, segundo Brant, deveria ser na definição clara dos critérios de risco, priorizando categorias que estão expostas e que não podem parar. “Um exemplo bem objetivo disso são os motoristas de ônibus, todos os dias em contato com milhares de pessoas e que não estão nesse primeiro grupo priorizado, enquanto professores que ainda se preparam para o retorno ganham a frente. Não é que os professores não precisem ser vacinados com prioridade, mas, primeiro, é necessário pensar nos mais expostos neste momento”, defendeu.
Linha de frente
A falta de clareza também possibilita que profissionais que não atuam diretamente em contato com o público, ainda que pertença a uma categoria classificada como priotitária, sejam imunizados. “Não é todo profissional de saúde, só por ser da área, que tem que ser vacinado neste momento. O critério precisa ser privilegiar aqueles que estão na linha de frente”, disse o gestor de Saúde da Fundação Getúlio Vargas Adriano Massuda.
Outro parâmetro que precisa ser colocado em discussão é a vulnerabilidade socioeconômica. “A população mais pobre é a mais exposta. Esse deveria ser um critério levado em conta, priorizando essas pessoas, além dos idosos e doentes crônicos”, salientou.
A ampliação da vacinação de grupos específicos é prevista pelo Ministério da Saúde, que esclarece que, por conta da gestão tripartite do Sistema Único de Saúde (SUS), estados e municípios têm autonomia para “dar vazão à fila de acordo com as características de sua população, demandas específicas de cada região e doses disponibilizadas”. Ao todo, o governo federal já distribuiu mais de 34,8 milhões de injeções aos gestores.
Ao Correio, a pasta defendeu que a orientação “é para que estados e municípios sigam a ordem estipulada pelo Plano de Vacinação”. “Conforme a Campanha de Vacinação local avança, estados e municípios podem ampliar a imunização dos grupos prioritários, desde que sigam a ordem prevista no Plano”, diz o ministério.
Apelo aos estrangeiros
Cansados de esperar por uma atuação mais efetiva do governo federal, prefeitos buscam mobilizar a comunidade internacional para captar recursos que auxiliem o Brasil a superar o dramático momento da pandemia da covid-19. Ressaltando que o país é o atual epicentro da doença no mundo, e responsável por produzir variantes do novo coronavírus, prefeitos produziram um vídeo pedindo socorro à comunidade estrangeira.
“Nós somos prefeitos do Brasil e precisamos de ajuda”, diz a mensagem, gravada com apoio da organização Vital Strategies. Participam da campanha, encabeçada pela Frente Nacional dos Prefeitos, os prefeitos de Fortaleza, Belém, Pelotas, Salvador, Florianópolis, Caruaru, Rio de Janeiro e Aracaju.
Narrando o atual cenário de desabastecimento e precariedade assistencial, os gestores municipais chamam a atenção para a necessidade de se aumentar a imunização contra a covid-19. “Quanto maior a proporção da população vacinada, menores os riscos. Acreditamos que, com ajuda de outras nações, podemos disponibilizar leitos, medicamentos, testagem gratuita, vacina, oxigênio para ajudar as populações mais vulneráveis”, solicitam no vídeo.
Em outra frente, esta junto ao recém-criado comitê covid-19 e articulada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), governadores também pediram o fortalecimento da colaboração com a comunidade internacional. Esse, aliás, foi mais um dos ingredientes para a queda de Ernesto Araújo do Ministério das Relações Exteriores, sobretudo por conta da repercussão de que o chanceler atuou contrariamente à participação brasileira na aliança multilateral Covax Facility.
No Senado
Em audiência pública no Senado, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, reforçou que tentará adiantar mais vacinas adquiridas do consórcio Covax. Conforme adiantou, a possibilidade é articulada com os Estados Unidos, por meio de uma proposta de permuta. “Não é uma questão logística, é uma questão de disponibilidade de vacinas para esses primeiros meses”, reconheceu.
Queiroga também pediu um “voto de confiança” aos parlamentares, defendeu o uso de máscara e o distanciamento social para conter o avanço do novo coronavírus. Afirmou, ainda, ter “carta branca” do presidente Jair Bolsonaro para escolher uma equipe técnica na pasta.
Sobre insumos e leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), prometeu esforços para viabilizar a importação de insumos para intubação em 15 dias, mas cobrou uma organização de estados e municípios. “O ministro da Saúde não pode ser o AGR, o almoxarife-geral da República, só para cuidar dessa agenda. Não é só jogar a bomba aqui, tem que participar. Vamos compartilhar as responsabilidades. O Ministério da Saúde não pode ficar só enxugando gelo”, pediu.
Queiroga pede agilidade nas vacinas
Na tentativa de acelerar a vacinação contra o novo coronavírus, o governo federal recebeu, ontem, mais 5 milhões de doses da vacina CoronaVac. Essa foi a maior remessa do imunizante envasado pelo Instituto Butantan entregue ao Ministério da Saúde. Apesar disso, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, se mobiliza para agilizar a entrega de outros fármacos já contratados pela pasta.
Por causa disso é que ele se reuniu com a presidente da Pfizer Brasil, Marta Díez, para pedir celeridade na entrega de 50 milhões de doses da Cominarty, produzida pelo laboratório e comprada pelo ministério este mês. A pasta assinou um contrato para adquirir 100 milhões de doses, mas o cronograma indicado no documento prevê a entrega de apenas 13,5 milhões entre abril e junho. Os 86,5 milhões restantes serão entregues entre julho e setembro.
Durante a reunião, Queiroga fez um pedido para que 50 milhões de doses sejam enviadas ao Brasil rapidamente. “Precisamos ampliar a nossa capacidade vacinal agora. Convido vocês para fazermos esforços conjuntos para garantir essas vacinas o quanto antes”, disse. A presidente da Pfizer Brasil reforçou que o primeiro lote chegará ao país entre abril e maio e, segundo ela, as entregas serão feitas semanalmente.
Apesar da preocupação em agilizar mais doses, ontem, durante audiência pública na comissão temporária do Senado que acompanha o combate à covid-19, o ministro afirmou que o Brasil já superou a marca de 900 mil indivíduos imunizados por dia. Na última semana, na primeira coletiva à frente da Saúde, ele prometeu vacinar 1 milhão de pessoas por dia.
“Claro que é preciso existir uma articulação entre as três esferas — União, estados e municípios —, por meio do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) e do Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde), para fazer o que nós mais sabemos: vacinar a população. Então, não é uma questão logística, é uma questão de disponibilidade de vacinas para esses primeiros três meses em que nós mostraremos à sociedade brasileira, de uma maneira muito clara, que estamos empenhados em ampliar a vacinação no país”, disse aos senadores.