A Organização Mundial da Saúde (OMS) voltou, ontem, a advertir o Brasil para a gravíssima situação da pandemia da covid-19. Além de lembrar que as mortes pela doença dobraram de fevereiro para março, os dirigentes da agência das Nações Unidas manifestaram preocupação com a condução descoordenada do governo Bolsonaro — cujo Ministério da Saúde tem dois ministros — da pandemia.
“A situação atual precisa ser levada a sério”, destacou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom. Ontem, o país chegou à marca de 295.425 óbitos pela doença, sendo 1.383 nas últimas 24 horas, sem os dados do Ceará, por causa de problemas técnicos. O total de casos está em 12.047.526.
Na reunião que trata da crise sanitária mundial, o Brasil foi destaque pelos índices negativos, sendo o país que, atualmente, lidera o ranking de mortes diárias pela covid-19 em todo o planeta, ao registrar 1/5 dos novos óbitos no mundo, mesmo somando apenas 2,7% da população global.
“A situação do Brasil é muito preocupante e nos assusta que o número de mortes no último mês dobrou. Estamos ansiosos para trabalhar de perto”, salientou Adhanom.
Entretanto a OMS não sabe a quem se dirigir no Ministério da Saúde — Eduardo Pazuello está para sair e Marcelo Queiroga foi anunciado, mas não assumiu o cargo. A posse do cardiologista, que deveria ocorrer hoje, foi mais uma vez adiada e só deve ocorrer na quinta-feira, 10 dias após o anúncio de que substituiria o general na condução da pasta.
Queiroga, que é sócio-administrador de uma clínica, precisa abdicar da permanência no empreendimento para assumir o cargo, uma das razões que atrasam a efetivação. A outra seria que destino dar a Pazuello: entre as alternativas estão assumir um ministério especialmente criado para ele — que poderia ser uma pasta voltada para a Amazônia, esvaziando as atribuições do vice-presidente Hamílton Mourão, presidente do Conselho da Amazônia — ou a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), hoje com o almirante Flavio Rocha, que, porém, não estaria disposto a abrir mão do posto.
Enquanto não acontece a troca no Ministério da Saúde, a escalada na média móvel continua em ascendência. Para conseguir lidar com o atual cenário, Mariângela Simão, vice-diretora da OMS e especialista em distribuição de medicamentos e vacinas do órgão, ressaltou a necessidade de um olhar voltado para a ciência e alinhado entre União, estados e municípios. “As políticas de saúde precisam ser baseadas em evidência científica, e que sejam alinhadas entre as três esferas de governo”, observou, cobrando de Queiroga “muita competência e firmeza na condução do enorme desafio”.
Estoques sob alta vigilância
Após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) flexibilizar as regras para aquisição de medicamentos usados em intubação de pacientes, o governo federal tem solicitado à indústria farmacêutica a colaboração para manter as unidades de saúde abastecidas. Apesar de atribuir aos estados e municípios a responsabilidade das aquisições, o Ministério da Saúde afirmou que monitora “em toda a rede SUS, semanalmente, desde setembro de 2020, a disponibilidade em todo território nacional e envia informações da indústria e de distribuidores para que estados possam realizar a requisição”.
A pasta realiza reuniões, hoje, com representantes dos fabricantes dos medicamentos, a fim de garantir assistência às unidades da Federação. Com o mesmo intuito, o Itamaraty iniciou contatos no exterior para facilitar a compra de insumos.
Por estarem cansados de esperar pela coordenação do governo federal para a compra, distribuição e estratégia de vacinação da população contra a covid-19, a Frente Nacional dos Prefeitos sacramentou, ontem, o consórcio que pretende suprir a lacuna deixada pela Saúde. O grupo reúne 2.598 municípios interessados em obter imunizantes.
“Diante dessa inércia, dessa dificuldade de chegar vacina nos municípios, nós nos unimos”, disse o presidente da FNP, Jonas Donizette, durante assembleia que marcou a oficialização do consórcio.
Saúde acéfala desnorteia os governadores
Rogerio Santana/Governo RJ
O Ministério da Saúde está acéfalo no momento mais agudo da pandemia de covid-19. O diagnóstico é de governadores e secretários de estados e municípios que buscaram a pasta nos últimos dias principalmente para tratar da falta de medicamentos de intubação e de oxigênio. Anunciado há uma semana como novo ministro, o médico Marcelo Queiroga ainda não teve sua nomeação oficializada e não responde pela pasta. Enquanto isso, o general Eduardo Pazuello segue ministro, mas cumprindo uma espécie de “aviso-prévio” no cargo.
O vácuo de liderança impacta o prosseguimento de novas negociações e elaboração de estratégias, bem como as investigações sobre a atuação do Ministério da Saúde no enfrentamento da covid-19. A posse de Queiroga estava prevista para a próxima quinta-feira, 10 dias após o presidente Jair Bolsonaro anunciar o cardiologista como sucessor de Pazuello. No entanto, o Planalto não define a data, que já foi atualizada duas vezes.
Segundo os secretários de saúde de estados e municípios, o porta-voz do ministério é o secretário-executivo da Saúde, Elcio Franco, que deve deixar a pasta junto de Pazuello. A equipe que Queiroga levará à Saúde ainda é desconhecida pelos gestores do Sistema Único de Saúde (SUS). Sem a oficialização do novo titular do ministério, secretários, governadores e prefeitos aguardam para deliberar sobre as estratégias de enfrentamento, como novos acordos de aquisição de vacinas e medidas que vão além das urgências para que não faltem medicamentos e oxigênio nas UTIs.
A demora para troca de ministro também incomoda lideranças do Centrão. “Um país que se aproxima de 3 mil mortos por dia não pode se dar ao luxo de esperar um indicado para ministro da Saúde passar dias para se desincompatibilizar da empresa da qual é sócio-administrador (Queiroga também é réu em uma ação penal, de 2006, que trata do não recolhimento de contribuições previdenciárias devidas pelo Hospital Prontocor, do qual era administrador). Isso é uma provocação com famílias enlutadas e com gente que luta pela vida em UTIs”, escreveu o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), no Twitter, no último domingo.
Apesar de preparar o terreno para deixar o cargo — concluiu a negociação de compra de vacinas com a Pfizer e Moderna antes de ter a demissão confirmada —, Pazuello aguarda o sinal verde para passar o bastão. Novas tratativas estão suspensas até o novo ministro assumir a função.
O atraso também confunde os encaminhamentos para as apurações do Ministério Público Federal (MPF) mirando a pasta e a atuação na condução da crise. Sem um gestor oficial, os novos pedidos de informação para avançar nas investigações deverão ficar para depois da posse.
Municípios endurecem restrições no RJ e em SP
As prefeituras do Rio de Janeiro e de Niterói anunciaram, ontem, em conjunto, que as cidades fecharão todos os serviços não essenciais por 10 dias, entre 26 de março e 4 de abril. O novo decreto, orientado pelos comitês científicos dos dois municípios, tem como objetivo frear o avanço da covid-19.
A decisão tomada pelos prefeitos Eduardo Paes e Axel Grael pretende suprir a lacuna deixada pelo governo do estado, que, no domingo, apresentou a eles medidas que ambos consideraram insuficientes. No dia anterior, o governador em exercício Cláudio Castro se reuniu com representantes dos setores produtivos e ficou decidida a antecipação do feriado de Tiradentes, transformando em um superferiado de 10 dias, que começa dia 26 e vai até 4 de abril.
Irritado, Paes classificou a restrição do governo do estado — que permitia o funcionamento dos bares, no superferiado, até as 23h — de “micareta”. “CastroFolia! A micareta do governador! Definitivamente ele não entendeu nada do objetivo de certas medidas”, tuitou o prefeito do Rio. Castro rebateu a crítica. “Não tenho dúvida que não vai ser um feriado de folia, vai ser um feriado das pessoas em casa”.
Na coletiva de ontem, Paes reforçou a crítica. “Quando você faz um feriado e deixa tudo funcionando, as pessoas não vão entender uma mensagem de restrições. É quase um gatilho. Feriado, tem o bar, tem o restaurante, tem o shopping, vamos nos divertir”, explicou.
Esse não foi o primeiro choque entre governador e prefeito nos últimos dias. Semana passada, João Doria e Bruno Covas também bateram de frente. O governador paulista criticou o prefeito da capital por causa da antecipação de feriados na cidade, medida que não havia sido discutida entre eles.
Também ontem, os prefeitos de São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra vão seguir a medida anunciada por Covas e antecipar os feriados municipais entre os próximos dias 29 e 1º de abril. Somados à Páscoa e a dois fins de semana, os municípios da Grande ABC terão nove dias seguidos de recesso.
Durante os nove dias, os serviços essenciais terão que encerrar o funcionamento às 17h, exceto hospitais, laboratórios, farmácias e outras atividades “de natureza essencial ao funcionamento dos serviços de saúde”. A circulação de pessoas no transporte público estará restrita apenas aos funcionários de serviços essenciais durante o período, e a venda de bebida alcoólica também será proibida.