O Brasil bateu no início desta semana a marca de 10 milhões de vacinados, ou cerca de 5% da população. Após países europeus suspenderem o uso da vacina de Oxford/AstraZeneca para investigar a ocorrência de coágulos entre pessoas vacinadas, a presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Nísia Trindade, preocupada com a repercussão lá fora, disse, ontem, em reunião virtual da Comissão Externa da Câmara que acompanha as medidas de enfrentamento à covid-19 que a suspensão do uso na Europa deve ser vista com muita cautela. Vale destacar que a maior parte da produção do imunizante pela Fiocruz começará a ser entregue ao Ministério da Saúde a partir deste mês.
Nísia informou, durante a videoconferência, no dia em que o país voltou a bater recorde de mortes diárias (leia mais abaixo), que o cronograma de entrega de vacinas pela fundação ao Programa Nacional de Imunização, do Ministério da Saúde, prevê 3,8 milhões de doses de imunizantes da Oxford/AstraZeneca em março, cerca de 21 milhões em abril, 26,8 milhões em maio, 27,4 milhões em junho e 21,2 milhões em julho. A partir do segundo semestre, com a incorporação da tecnologia de produção da matéria-prima da vacina, a Fiocruz se comprometeu a entregar mais 110 milhões de doses, com produção 100% nacional.
“É importantíssimo dizer que faz parte da cautela essa avaliação de todas as vacinas. Nós, na Fiocruz, temos ampla experiência com esse tipo de farmacovigilância e frisamos que tanto a agência europeia EMA quanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) não recomendaram a interrupção da vacinação”, disse. De qualquer forma, acrescentou: “São cautelas dos países que, naturalmente, têm que ser não só respeitadas, mas observadas”.
Segundo a AstraZeneca, teriam sido relatados, até 8 de março, 15 eventos de trombose venosa profunda e 22 eventos de embolismo pulmonar. A investigação da farmacêutica, referente à vacinação de mais de 17 milhões de pessoas na União Europeia e Reino Unido, não demonstrou evidência de aumento do risco de eventos trombóticos para qualquer faixa etária, gênero ou lote de vacina de determinado país.
A defesa da continuidade da vacinação também foi reiterada ontem pela OMS. Segundo o cientista-chefe da Organização, Soumya Swaminathan, nenhuma relação causal foi demonstrada entre a vacina e relatos de coágulos sanguíneos até o momento. Ele destacou, também, que “a taxa de eventos reportados é, na realidade, menor do que a que se esperaria na população em geral”, independentemente da vacina.
Tanto a OMS quanto a agência reguladora europeia, que funciona como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), defendem a continuidade da aplicação da vacina. Para Nísia, a suspensão é temporária e ocorre enquanto “são avaliados os eventos adversos relacionados com cautela, como precaução, diante da vacinação”. Mas reforçou: “Quanto mais vacinarmos, menos risco de desenvolvimento de novas variantes e mais proteção nós teremos, inclusive, em relação a esse aspecto que é comum aos vírus”.
Ciclo comum
Julival Ribeiro, médico infectologista e membro da Sociedade Brasileira de Infectologia, explica que, quando se chega à fase quatro, na qual já se está vacinando a população em massa, como em qualquer imunizante consegue-se detectar alguns efeitos adversos. “Observamos, por exemplo, que, quando a Pfizer começou a fazer sua vacina, teve alguns efeitos colaterais. Alguns efeitos ocorrem quando você está aplicando a vacina em massa”.
Em comunicado divulgado ontem, a Anvisa recomendou a continuidade do uso da vacina de Oxford, por considerá-la segura. “Nas bases nacionais que reúnem eventos com vacinas, não há registros de embolismo e trombose que tenham relação com as vacinas contra a acovid-19”, destacou.
A Fiocruz aguarda a conclusão das investigações dos casos relatados e reforça os posicionamentos adotados pela Anvisa, EMA e OMS até o momento, bem como a importância da vacinação, reafirmando seu compromisso com a farmacovigilância da vacina no Brasil.
* Estagiária sob a supervisão de Andreia Castro
MEC pede prioridade
O ministro da Educação, Milton Ribeiro, pediu ao novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que o governo dê prioridade para a vacinação contra a covid-19 de cerca de 3 milhões de professores para que as aulas presenciais possam ser retomadas o mais rapidamente possível. Ribeiro, que foi pessoalmente ao Ministério da Saúde, ontem, falou tanto com Queiroga quanto com o general Eduardo Pazuello, demitido pelo presidente Jair Bolsonaro. No entender do chefe da pasta da Educação, além dos professores, todos os profissionais que atuam nas escolas, como merendeiras, porteiros, seguranças escolares, também devem ter prioridade na vacinação.
Segundo o ministro, o pedido atende à demanda do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).
Promessa de rapidez
Ele destacou que a meta é de que a imunização dos professores e de demais profissionais da educação ocorra ainda em abril, no máximo, início de maio. “São mais de 70 milhões de alunos à espera da retomada das aulas presenciais”. Segundo Ribeiro, esse pedido foi feito pelos secretários estaduais de Educação. A primeira requisição para prioridade na vacinação dos professores foi feita em outubro de 2020, mas não houve resposta por parte da Saúde. “Agora, vim reforçar o pedido”, disse.
Representantes do Ministério da Saúde afirmaram a Ribeiro que o pedido está sendo analisado e uma resposta será dada em breve. “Cabe ao Ministério da Educação fazer o pedido. Sabemos que todo mundo precisa ser vacinado, mas temos entre 2,5 milhões e 3 milhões de professores que precisam ter prioridade”, ressaltou.
País beira 3 mil mortes diárias
O Brasil voltou a bater recorde no número de mortes pela covid-19. Segundo o Ministério da Saúde, 2.841 vidas foram perdidas nas últimas 24 horas, totalizando 282.127 óbitos. O país está batendo recordes de mortes há 21 dias. O número assustador coincide com o primeiro dia do médico Marcelo Queiroga como ministro da Saúde. No meio da tarde de ontem, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) havia informado que o total de óbitos havia sido de 2.340, mas esse dado não contabilizava as informações do Rio Grande do Sul, que computou 502 mortes — o maior em um único dia no estado desde o início da pandemia. Com 83.926 novos casos, o Brasil acumula 11.603.535 de infectados.
No entender de especialistas, o quadro ainda vai piorar muito, sobretudo por causa do atraso no processo de vacinação. Em seu primeiro pronunciamento como ministro, ontem, Queiroga defendeu a ciência como aliada para combater “essa doença miserável” e pediu à população que use máscaras e lave as mãos para se evitar medidas mais duras, que levem ao fechamento da economia.
Com esse novo recorde, o Brasil se mantém como o país onde mais se registra mortes diárias pela covid-19 no mundo. Pelas projeções do Ministério da Saúde, é possível que, nos próximos dias, o país registre mais de 3 mil óbitos a cada 24 horas. O mais assustador, dizem os especialistas, é que está aumentando muito o número de mortes nas filas de espera dos hospitais. Está faltando leitos em unidades de tratamento intensivo (UTIs) e profissionais capacitados para o atendimento.
Quarentena reforçada
O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), anunciou, ontem, uma quarentena de 14 dias em todos os municípios do estado após a taxa de ocupação de leitos de UTI referenciados para pacientes de covid-19 bater 91%, ultrapassando, pela primeira vez, a marca de 90%. O endurecimento das restrições valerá de amanhã a 31 de março. Além do Espírito Santo, os governos de Goiás, Minas Gerais e Amapá anunciaram medidas mais restritivas para frear o avanço da pandemia.
Em entrevista coletiva, o governador Casagrande relatou que a rede de saúde capixaba acolheu pacientes de covid-19 transferidos do Amazonas, de Rondônia e Santa Catarina, onde os sistemas já entraram em colapso. “Salvamos vidas”, afirmou. Ele reconheceu, contudo, que o Espírito Santo também passa, hoje, por fase de aumento do número de mortes, internações e casos confirmados do vírus.
A quarentena decretada por Casagrande suspende todas as atividades de educação presenciais. Restaurantes só poderão funcionar em esquema de delivery, sem permissão para drive-thru ou take-away. As reuniões sociais ficam proibidas. O acesso a praças, parques, jardins e áreas esportivas públicas será vedado. Para igrejas e demais templos religiosos, o estado faz a recomendação de que cultos e missas sejam transmitidos virtualmente, ainda que o atendimento presencial individual siga autorizado.
Maioria considera vacinação lenta
O Brasil está em ritmo lento e insatisfatório de vacinação, na opinião de 81% dos brasileiros, enquanto uma parcela cinco vezes menor, de 16%, está satisfeita. É o que aponta pesquisa da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), realizada na primeira semana de março pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), que entrevistou cerca de 3 mil pessoas de todas as regiões do país. Segundo o levantamento, dois terços dos brasileiros, ou 62%, consideram que somente em 2022 o Brasil deverá ter um alcance massivo da vacinação. Já 29% estão otimistas e acreditam que isso deve ocorrer no segundo semestre. Por sua vez, 5% confiam que a maior parte da população estará vacinada neste primeiro semestre.