Nomeado para o cargo de ministro da Saúde quando o Brasil totalizava 1.924 mortes por covid-19, o médico Nelson Teich ficou menos de um mês no posto. Saiu em 15 de maio de 2020 por divergências com o presidente Jair Bolsonaro sobre a condução da pandemia, algo parecido com que enfrentou seu antecessor, Luiz Henrique Mandetta.
Quase um ano depois, o Brasil registra média de 1.830 mortes por dia, e a iminente demissão do atual ministro, o general Eduardo Pazuello, reacende o debate sobre até que ponto um novo nomeado teria condições de mudar o rumo do combate o avanço da covid-19 no país.
"Sem autonomia, sem legitimidade, você não vai conseguir desenhar uma política. Mesmo quem entrar vai ter que articular autonomia, legitimidade e liberdade antes. Tem que ser negociado antes porque senão vai ser trocar seis por meia dúzia. É impossível trabalhar, se você é uma pessoa técnica ou de gestão, se não tem autonomia plena para implementar as coisas que acha que são certas", disse Teich em entrevista à BBC News Brasil.
As principais divergências que ele e Mandetta tiveram com Bolsonaro passavam por medidas de distanciamento social rígidas (que o presidente rejeita até hoje) e a promoção de medicamentos contra a covid sem eficácia comprovada (como a cloroquina e o suposto tratamento precoce).
Convidada para o cargo nesta semana, Ludhmila Hajjar afirmou à CNN Brasil ter rejeitado o convite por ser uma "pessoa que pautou a vida nos estudos e na ciência e vou continuar assim" e que já ficou comprovado que cloroquina não funciona, mas lockdown sim.
Para Teich, um eventual substituto de Pazuello teria que atuar com autonomia ao mesmo tempo em sete áreas fundamentais para conter o avanço da doença: estratégia, planejamento, liderança, coordenação, informação, execução e comunicação.
"Tem que ter autonomia para implementar políticas que envolvem todas essas áreas. Eu fiquei no cargo enquanto achei que tinha autonomia em todas elas. Depois que eu vi que não tinha, eu saí. Eu saí porque o presidente tem uma forma de trabalhar, ele definia que ele era a liderança e os ministros tinham que fazer o que ele achava correto. E eu achava que não, e eu achava que quem tinha que comandar a saúde era eu."
Em sua avaliação, a condução atual do governo federal falha em todas essas áreas. "Falta liderança, coordenação, estratégia, planejamento e informação. E isso é muito ruim porque sem informação você não consegue fazer diagnóstico ou planejar. E temos falhas na comunicação e na execução."
Para Teich, mesmo uma mudança para um perfil técnico no comando do ministério enfrentaria bastante dificuldade ao entrar em meio a uma "situação caótica" sem tempo hábil para montar sua própria equipe.
"Uma pessoa que entra agora entra no meio de uma situação caótica, sem time e num lugar que já tem toda uma estrutura rodando que não é fácil de ser mudada da noite para o dia. Hoje, o Brasil precisa de gestão e afastar rapidamente uma priorização pessoal e política do comando da Saúde."
Falta de vacinas
O ex-ministro da Saúde afirma que o Brasil deveria ter investido em mais opções de vacinas contra a covid-19 e de forma mais precoce, mas ressalta que quase todos os países estão enfrentando dificuldades para ampliar os programas de vacinação atualmente.
Ele cita como exemplo a União Europeia, que contratou 1,8 bilhão de doses de seis fabricantes, segundo a Universidade Duke (EUA), mas tem lidado com entregas menores do que esperava de um dos principais fornecedores, a Oxford-AstraZeneca. O bloco europeu comprou 300 milhões de doses dessa vacina.
Quando esteve à frente do ministério, Teich atuou para atrair os testes com essa vacina para o Brasil a fim de facilitar uma eventual compra, caso o imunizante se mostrasse eficaz e seguro. Meses depois seria firmada uma parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para produção e distribuição dessa vacina no país.
"Eu, como uma pessoa da saúde, via que a vacina tinha que ser tratada como prioridade absoluta."
De todo modo, Teich afirma que não era uma tarefa fácil para qualquer gestor ampliar o leque de vacinas para o Brasil antes da conclusão dos testes de segurança e eficácia. "O gestor também tem medo de tomar uma decisão dessa, nenhuma vacina dá certo, ele perde bilhões e amanhã ele é tratado como alguém que usou mal o dinheiro público e acaba indiciado."
Até hoje não está claro por que o governo Bolsonaro não investiu em mais opções de vacina, já que o país havia separado R$ 20 bilhões para comprar imunizantes e recebeu ofertas de fabricantes estrangeiros, como a Pfizer e a Gamaleya.
Ao longo da pandemia, o presidente Bolsonaro criticou candidatas a vacina por diversos motivos: o país de origem (em especial a China), suspeitas não comprovadas de riscos à saúde da população e cláusulas contratuais exigidas por fabricantes (que foram aceitas por dezenas de países).
Teich, que hoje atua como consultor de empresas privadas do setor de saúde, avalia que a oferta de vacina no Brasil será estabilizada em algum momento, mas o país não parece ter condições de esperar a produção em larga escala da Fiocruz, por exemplo, sem tomar adotar medidas como isolamento social. O ideal, afirma ele, seria fazer como Reino Unido e Israel, que avançaram com a vacinação em meio a políticas rígidas de distanciamento social (lockdowns) que controlam a transmissão do vírus.
Atualmente, o Brasil é líder global em número de mortes diárias em números absolutos e diversas capitais do país estão com a maioria dos hospitais completamente lotados. Se for considerado o tamanho da população, o país ocupa o 12º lugar entre os mais atingidos, com 132 mortes a cada 100 mil habitantes, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins (EUA).
"Teoricamente, a gente tem vacina para imunizar o Brasil. E isso vai acontecer. Nosso grande problema hoje é como caminhar nesse espaço de tempo até lá, como minimizar as mortes e o sofrimento na saúde, na economia e no comportamento."
Segundo o ex-ministro, "a sensação é que o Brasil vai caminhar muito à mercê da própria da doença enquanto as pessoas tentam medidas heroicas e isoladas".
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