Pandemia

'Ninguém mais se lembra de quem está na linha de frente', diz profissional de saúde

Neste primeiro ano de pandemia, ela atendeu centenas de doentes, viu a frequência de óbitos subir nas UTIs, foi contaminada pelo vírus e presenciou a morte de quatro colegas pela doença

Fisioterapeuta hospitalar do SUS há dez anos, Graziella Xavier de Barros, de 38 anos, é uma das milhares de profissionais de saúde que estão na linha de frente de assistência aos pacientes graves com covid-19 desde os primeiros casos da doença no País.
Neste primeiro ano de pandemia, ela atendeu centenas de doentes, viu a frequência de óbitos subir nas UTIs, foi contaminada pelo vírus e presenciou a morte de quatro colegas pela doença. Funcionária do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, referência no tratamento da covid, e do Hospital Estadual Padre Bento, em Guarulhos, ela dedica 60 horas da sua semana ao atendimento de pacientes com coronavírus.
A sobrecarga de trabalho e o sofrimento de tantos pacientes e famílias a fizeram intensificar as sessões de terapia e procurar um psiquiatra, que a diagnosticou com depressão.
Muitas pessoas exaltam o trabalho de médicos e enfermeiros, mas nem todos lembram do fisioterapeuta na assistência a pacientes com covid. Qual é a importância da fisioterapia para um paciente grave com a doença?
Essa é uma pergunta que escuto muito. A fisioterapia respiratória é pouco conhecida, mas no hospital a gente faz muito isso. O fisioterapeuta do hospital preconiza a reabilitação como um todo, então trabalha para verticalizar (colocar sentado ou em pé) o paciente o mais rápido possível porque as funções orgânicas se dão de maneira melhor quando o paciente verticaliza. Junto à equipe médica e de enfermagem, a gente tenta traçar um plano para acordar esse paciente o mais cedo possível, caso ele esteja sedado e entubado, para voltar a dar as funções dele de sentar, comer, se levantar. E a gente foca bastante também na reabilitação cardiorrespiratória. A fisioterapeuta se utiliza de algumas manobras que fazem com que o pulmão fique livre de secreções para evitar que o paciente desenvolva uma pneumonia.
Qual foi o momento mais difícil nesses 12 meses?
Tive dois momentos muito difíceis, em que sentei e chorei. O primeiro foi quando o Brasil estava batendo a marca de 5 mil mortos e a gente estava tendo alguns pronunciamentos dos nossos governantes. Me lembro que, naquele dia, houve uma declaração muito grosseira do presidente (Jair Bolsonaro, questionado sobre os óbitos, disse 'E daí?'). Um outro momento muito marcante foi o óbito de uma das nossas médicas. Foram quatro colegas que morreram de covid no Emílio Ribas. Essa médica era uma pessoa muito querida e foi entubada no meu plantão.
E com tantas perdas próximas, como você lidou com o medo de se contaminar?
Na semana seguinte à morte da médica, eu peguei covid. Tive a forma leve, fiquei isolada em casa por 21 dias sozinha, sempre tensa com a possibilidade de piorar. Tenho o privilégio de ter acompanhamento psicológico há anos. Tive de intensificar minha terapia e iniciar também um tratamento com psiquiatra para tomar antidepressivo, porque comecei a me sentir muito ansiosa, muito triste, com muito medo e pânico.
Qual é a parte mais cansativa dessa rotina de estar na linha de frente há um ano?
É essa questão de lidar com uma única doença. É impressionante como a doença tomou conta de todos os leitos. Você trata alguns pacientes, eles se recuperam e chegam mais e mais. Eu sinto um certo abandono por parte da população. No início, ela estava bem empenhada a tentar ficar em casa e se preservar. Eu entendo que a saúde mental de todos foi colocada em teste, mas a empatia com o pessoal da saúde foi diminuindo, foi sendo esquecida, parece que as pessoas não estão mais nem aí mesmo, ninguém lembra da gente. No começo, tinha homenagens. Agora, estamos esquecidos. Parece que ninguém está se lembrando de quem está na linha de frente.
Qual é o maior aprendizado que fica e o que você gostaria de dizer para a população que hoje esquece dos profissionais da linha de frente?
Uma coisa boa que ficou de aprendizado foi que a união faz a força. A equipe precisou ficar unida no aprendizado sobre a doença, no cuidado com os pacientes e com os colegas que adoeceram. Deixaria uma mensagem à população com um pedido de ajuda. Já estou me preparando para uma terceira onda por causa das festas clandestinas de carnaval. Peço que recuperem aquela energia do começo da pandemia para ficar em casa. A gente já está há um ano nisso e não está fácil.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.