CORONAVÍRUS

Prefeitos alertam para risco da falta de oxigênio e remédios

Ministério da Saúde é alertado de que caos do desabastecimento vivido por Manaus, em janeiro, pode se repetir pelo país, e admite a possibilidade do desastre. Entidades chamam a atenção para medicamentos utilizados em UTIs, que já estão escassos

Bruna Lima
Maria Eduarda Cardim
postado em 19/03/2021 06:00
 (crédito: Marcio James/AFP)
(crédito: Marcio James/AFP)

O Brasil vive um cenário tão grave que ainda que se abra novos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e se contrate reforço profissional especializado para operá-los, o desabastecimento de oxigênio hospitalar e de medicamentos utilizados nessas vagas é uma ameaça iminente. O alerta é da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), em nota remetida ontem ao Ministério da Saúde.

“Já há registros, de Norte a Sul do país, de escassez e iminente falta desses insumos imprescindíveis para enfrentar à covid-19. O aumento sem precedentes no número de contaminados com o novo coronavírus e da demanda por atendimento hospitalar aponta para um cenário potencialmente ainda mais trágico já nos próximos dias: a falta de oxigênio e de medicamentos para sedação de paciente intubados”, alerta o documento.

A possível falta de oxigênio e a hipótese de que as cenas de desespero e correria vistas em Manaus, em janeiro passado — quando a população buscava balas do insumo para tentar salvar a vida daqueles que estavam morrendo asfixiados nos leitos que deveriam salvá-los —, foram reconhecidas pelo próprio ministério. Segundo o diretor de Logística da pasta, general Ridauto Fernandes, o cenário de colapso em todo o país pode levar ao desaparecimento de oxigênio medicinal, especialmente em pequenos hospitais e municípios do interior. “A expectativa da falta perigosa desse produto na ponta da linha, nos pequenos hospitais, é de poucos dias”, avisou.

A origem do problema, segundo Fernandes, é a dificuldade que os envasadores enfrentam para abastecer as carretas nas grandes produtoras de oxigênio hospitalar. Além das longas distâncias que os transportes precisam percorrer — o que, inclusive, ocasiona perda de produto —, as fábricas estariam se recusando a fazer o reabastecimento — já impactando o atendimento no Amazonas e no Paraná.

“Temos carretas, por exemplo, de produtores da Amazônia que hoje estão esperando em uma planta (de produção de oxigênio) do interior do Maranhão. Está com a carreta parada, há dias, e não é abastecida. Temos envasadores do Paraná que chegam às fábricas e não conseguem abastecer”, disse Fernandes. Segundo ele, a recusa seria pelo fato de os envasadores serem concorrentes dos produtores, que não conseguem suprir a demanda.

Apelo

Mas a falta de oxigênio não é a única ameaça. Nota divulgada ontem pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF) faz um apelo à sociedade para que respeite as ações de combate à pandemia, frisa a importância da vacinação e alerta para a falta de medicamentos — “escassos ou indisponíveis por conta da pandemia. De acordo com a entidade, já começa a haver o desabastecimento de bloqueadores neuromusculares, sedativos e outros fármacos usados em UTI’s.

A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) reforçou a preocupação. “Fomos aumentando o número de leitos. Só que essa fase da pandemia está fazendo com que as pessoas fiquem mais tempo hospitalizadas, e o paciente de covid, além de demorar mais na UTI, fica mais tempo intubado. Com isso, aumentou-se barbaramente o consumo, e a indústria não está conseguindo mais produzir”, ressaltou o presidente Reinaldo Scheibe. A previsão, segundo ele, é de que o atual estoque consiga atender o país por mais 20 dias.

Representantes dessas e outras entidades da área se reuniram com técnicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para encontrar uma saída emergencial. A ideia é facilitar a importação para desafogar a demanda, que extrapola a capacidade das indústrias brasileiras.

No caso do oxigênio hospitalar, a agência começou a cobrar as informações das empresas produtoras para entender a real capacidade de produção e melhor organizar o esquema de distribuição. “Estamos compilando os dados de forma a disponibilizar diretamente ao ministério, para favorecer as discussões e o manejo com estados e municípios”, informou a diretora Meiruze Freitas.

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Queiroga pede diálogo

O cardiologista Marcelo Queiroga, indicado para vaga de ministro da Saúde, afirmou ontem que buscará seguir as recomendações da ciência para o combate à pandemia de covid-19. Ele também indicou que trabalhará para um “grande diálogo nacional” com estados, municípios e sociedade civil.

“Estamos muito empenhados em reverter a situação complexa na saúde pública aqui no Brasil. O presidente já me determinou que tomasse medidas, sobretudo, num diálogo amplo com secretários de saúde, secretários estaduais e municipais, e com a sociedade civil de uma maneira global”, disse. A nomeação dele será publicada na edição de hoje do Diário Oficial da União (DOU), segundo o presidentre Jair Bolsonaro.

Queiroga, por sinal, reuniu-se com Bolsonaro, em um compromisso que não estava previsto na agenda oficial do chefe do Executivo. Questionado sobre o que fará de diferente da gestão do atual ministro Eduardo Pazuello, prometeu foco na ciência.

“O presidente escolheu um médico para o ministério. Um médico que é oriundo de uma sociedade científica, a Sociedade Brasileira de Cardiologia, que foi sempre quem protagonizou a medicina baseada em evidência”, disse. Ele citou ter recebido “autonomia” de Bolsonaro e pediu paciência para trazer novas medidas na área de saúde.

O médico disse que a imprensa será parte “importante” do esforço de diálogo nacional. “(Vocês) Vão nos ajudar a construir um grande diálogo nacional. Vamos conversar mais amplamente e vocês vão poder me questionar, perguntar sobre as medidas que serão colocadas em prática. São todas as medidas que já têm sido divulgadas de maneira reiterada pela ciência. Vai dar tudo certo. Conto com vocês”, afirmou.

Militares presos por suspeita de tráfico

A Justiça Militar determinou, ontem, a prisão da mulher do segundo-sargento da Força Aérea Brasileira (FAB) Manoel Silva Rodrigues — que, em 2019, foi preso na Espanha transportando 37 quilos de cocaína, durante uma viagem da comitiva do presidente Jair Bolsonaro ao Japão —, além de três militares suspeitos de participarem no esquema de tráfico de drogas. Wikelaine Rodrigues, o tenente-coronel Alexandre Augusto Piovesan e os segundos-sargentos Márcio Gonçalves de Almeida e Jorge Luis da Cruz Silva foram detidos por ordem do juiz federal Frederico Magno de Melo Veras, da 2ª Auditoria da 11ª Circunscrição Judiciária Militar, do Distrito Federal. Um ex-soldado da Aeronáutica, cunhado de Manoel Rodrigues, também teve a prisão decretada, mas não foi encontrado pelos agentes da Polícia Federal, que deu apoio à operação.

Fila de UTI: roleta de vida e de morte

 (crédito: Miguel Schincariol/AFP)
crédito: Miguel Schincariol/AFP

Aos 22 anos, Renan Ribeiro Cardoso contraiu covid-19, precisou de assistência médica, mas não conseguiu atendimento e, da Unidade de Pronto Atendimento São Mateus II, em São Paulo, não saiu vivo. Segundo a prefeitura da capital paulista, ele foi o primeiro a morrer da doença na cidade sem conseguir uma vaga de UTI, que está com mais de 91% dos leitos de terapia intensiva ocupados. Assim como Renan, pelo menos 72 mil brasileiros morreram pela precariedade da assistência em saúde, segundo levantamento da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Ontem, segundo levantamento do Conselho Nacional de Secretários de Segurança, o Brasil somou 11.780.820 casos da doença e totalizou 287.499 mortos. Em apenas 24 horas, foram registrados 86.982 infectados e 2.724 óbitos. A tendência, de acordo com análises da Fiocruz, é de aumento de casos, o que mantém o país em zona de alto risco.

Em apenas quatro unidades da Federação não há previsão de crescimento nas taxas de infecção e morte nas próximas três a seis semanas. Pesquisador que coordena o Boletim Infogripe, Marcelo Gomes ressalta que nem quando há certo sinal de estabilidade a flexibilização é recomendada, “enquanto não houver reversão e manutenção de sinal de queda”. Ele destacou, ainda, que “locais em que a rede de atendimento hospitalar estiver sobrecarregada podem resultar em diminuição na capacidade de registrar novas ocorrências”.

Altos percentuais

Dos 26 estados mais o Distrito Federal, 25 atingiram níveis críticos de ocupação de leitos, atingindo mais de 80% da capacidade. No DF, por exemplo, até a manhã de ontem, havia 320 pacientes aguardando na fila de espera por um leito de UTI. Desse total, 241 pessoas têm suspeita ou confirmação de covid-19. No Rio de Janeiro, 278 pacientes aguardam uma vaga surgir, seja porque alguém se curou ou porque não resistiu ao ataque do novo coronavírus. O tempo médio de espera por leitos de terapia intensiva é de oito horas contra duas horas para enfermarias.

Em Goiás, o ex-governador Helenês Cândido, 86 anos, morreu de covid-19 depois aguardar três dias por um leito de UTI. Ele estava internado num hospital de campanha e, na quarta-feira, foi transferido para Caldas Novas, cidade onde havia uma vaga — mas morreu a caminho. A taxa de ocupação das UTIs da rede pública goiana está acima de 98,5% e, na privada, é de 99,3%.

Diante das filas da morte, estados e municípios restringem mais a circulação de pessoas. Em São Paulo, o prefeito Bruno Covas anunciou medidas para diminuir mais o movimento da cidade e a transmissão do vírus. Apesar de rejeitar o lockdown, haverá mudança no rodízio no trânsito e, a partir de 26 março, a capital funcionará em esquema de feriado por 10 dias.

Para isso, Covas adiantou cinco feriados municipais, que se somarão ao nacional da Paixão de Cristo, em 2 de abril. “Teremos um prazo que vai do dia 26 até dia 4 de abril, sem dia útil para poder, exatamente, forçar a cidade de São Paulo a parar. A cidade que nunca parou precisa parar para que a gente não tenha mais casos de pessoas que não conseguem ser atendidas”, explicou. (BL e MEC. Colaboraram Alexia Oliveira e Pedro Ícaro, estagiários sob a supervisão de Fabio Grecchi)

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