Coronavírus

Covid-19: transmissão do vírus dispara no Brasil; cepa amazônica preocupa

Colapso dos sistemas de saúde, baixa vacinação, reação às restrições de circulação de pessoas e desdém com as medidas de proteção fizeram com que óbitos batessem recorde de segunda-feira para ontem. Estudo do Observatório Covid-19 já alertava para a catástrofe

Fábio Grecchi
Maria Eduarda Cardim
postado em 03/03/2021 06:00
 (crédito: Breno Esaki/Agência Saúde DF)
(crédito: Breno Esaki/Agência Saúde DF)

O colapso generalizado dos sistemas de saúde dos estados de norte a sul, o ritmo lento de vacinação, a reação à necessidade de um lockdown e o desrespeito às medidas de proteção contra o novo coronavírus podem ser resumidos em apenas um número: 1.641 mortos pela covid-19 em apenas 24h, de acordo com o levantamento feito painel do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) –– que, na última segunda-feira, recomendou o fechamento dos estados cujas unidades de terapia intensiva (UTI) chegassem a 80% de ocupação e sugeriu toque de recolher nacional das 20h às 6h. Trata-se do recorde de vidas perdidas de um dia para outro. Já o cálculo realizado pelo consórcio de veículos de imprensa trouxe 1.726 óbitos no mesmo período.

Pelo levantamento do Conass, são 257.361 óbitos em todo o país, além de 10.646.926 casos registrados (59.925 de segunda-feira para ontem). A taxa de letalidade da doença está em 2,4% e a de mortalidade em 122,5 por 100 mil habitantes. São Paulo traz a maior quantidade de vidas perdidas, com 60.014. Os números colhidos pelo conselho dos secretários são reforçados pelo site oficial do governo federal que reúne os dados sobre a pandemia. O Ministério da Saúde não fez qualquer comentário sobre o recorde de mortes em apenas 24h até o fechamento desta edição.

Mas os números de ontem não podem ser considerados surpreendentes. Segundo o Observatório Covid-19 da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), 18 estados e o Distrito Federal estão com mais de 80% dos leitos de UTI destinados ao tratamento de pacientes com covid-19 ocupados –– sendo que 10 deles contam com taxas maiores que 90%. Apenas oito unidades da Federação não ultrapassaram a taxa de ocupação considerada crítica pelos pesquisadores, sendo o Sergipe o fora da zona de alerta.

No boletim anterior do observatório, 12 estados e o DF estavam com mais de 80% dos leitos de UTI ocupados. A rapidez do avanço da doença no país chama a atenção dos pesquisadores. “A gente está em uma dinâmica muito rápida, tudo está correndo muito rápido. O mapa do Brasil está quase todo vermelho, cor que usamos para indicar a zona crítica, já estamos com 19 unidades federativas nessa zona de alerta”, salientou a pesquisadora Margareth Portela.

Em função da velocidade com que a pandemia evoluiu, os pesquisadores divulgaram uma nota técnica junto ao boletim extraordinário para alertar os governantes. “Pela primeira vez, desde o início da pandemia, verifica-se em todo o país o agravamento simultâneo de diversos indicadores, como o crescimento do número de casos, de óbitos, a manutenção de níveis altos de incidência de Síndrome Respiratória Aguda Grave, alta positividade de testes e sobrecarga de hospitais”, diz o documento.

Margareth alerta que a possibilidade de ampliação de leitos de UTI existe, mas não é ilimitada. “Você tem que ter equipes muito bem treinadas e capacitadas para isso. Não basta ter vontade política e dinheiro para ampliar o número de leitos de terapia intensiva”, observou. Para ela, a alta ocupação dos leitos de UTI é a ponta do iceberg “de um patamar de intensa transmissão no país”, como aponta o documento da Fiocruz. “Algumas medidas de mitigação e de suspensão precisam voltar a ser adotadas de uma forma rigorosa”, indica a pesquisadora.

Corpo em contêiner

Diante da falta de uma política nacional para reduzir a transmissão do vírus, estados vivem cenário de guerra. No Rio Grande do Sul (RS), onde a taxa de ocupação de leitos de UTI da rede privada é maior do que na pública, um hospital particular de Porto Alegre instalou um contêiner refrigerado para colocar os corpos de vítimas da covid-19 caso haja atraso na retirada pelas funerárias.

A medida, segundo o Hospital Moinhos de Vento, é apenas preventiva e se fez necessária, já que o atual momento “registra os índices mais altos de internações e agravamento dos casos, gerando potencial crescimento no número de óbitos”. O complexo tem 119,7% de ocupação dos leitos de UTI. A última atualização feita pelo governo gaúcho indicava que a taxa de ocupação de leitos privados do estado estava em 129,4%.

Em Santa Catarina, a saída para desafogar a rede de saúde foi a remoção de pacientes para outro estado. A transferência de 16 pacientes de covid-19 para a rede hospitalar estadual do Espírito Santo ocorrerá a partir de hoje. “As equipes trabalham na triagem dos pacientes em condições clínicas para enfrentar a viagem, prevista para durar três horas e meia. A operação acontecerá a partir da manhã desta quarta, com dois transportes diários”, diz a nota da Secretaria de Saúde de Santa Catarina.

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Especialistas alertam para um março trágico

Com a maior média móvel de mortes registrada desde o início da pandemia, o Brasil indica que os erros do passado não se tornaram aprendizados para o enfrentamento do novo coronavírus no país. De acordo com o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), 1.262 pessoas morrem, em média, por dia pela covid. Sem adotar medidas eficazes para intimidar o vírus, que faz cada vez mais vítimas no país, o Brasil tem tudo para viver um mês de março trágico, segundo especialistas.

“O que deixa tudo ainda pior é que estamos vendo um agravamento simultâneo, ou seja, todos os estados estão em situação de atenção (ocupação de leitos em torno de 70%) ou em estado grave (ocupação acima de 80%). Mas, diferentemente do ano passado, não são só as capitais que estão entrando em colapso, mas as cidades do interior dessas regiões”, disse o professor da faculdade de medicina da USP de Ribeirão Preto Domingos Alves.

Ele é um dos responsáveis pelo Portal Covid-19 Brasil, iniciativa formada por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade de São Paulo (USP), que monitora a pandemia no país. Ao Correio, ele ressaltou que a diminuição constante dos números de testes resulta em uma subnotificação dos casos e afirmou que “o Brasil já tem 22 milhões de infectados”, mais que o dobro do que os números oficiais indicam. O professor também disse que os cálculos indicam que até, o próximo dia 10, o país chegará a marca oficial de 11 milhões de infectados pela doença.

Fevereiro terminou com a pior semana epidemiológica, registrando, entre os dias 21 e 26: 8.244 vítimas do novo coronavírus. A oitava semana epidemiológica de 2021 também mostrou a segunda maior marca de casos: 378.084.

E o cenário está distante de transformações. Domingos afirmou que não enxerga melhora e prevê números ainda mais preocupantes. “Devemos chegar a 1,5 mil mortes diárias, na média móvel, até o dia 14 de abril. Devemos atingir a marca de 300 mil mortos até 6 de abril”, indicou.

O professor ainda explicou que toques de recolher e lockdowns não severos camuflam a sensação de eficácia, mas não interrompem a transmissão do vírus. “A taxa de transmissão já é maior do que 1, o que pode agravar ainda mais o número de infectados por dia para a próxima semana. Podemos chegar, nesta semana, a uma média de 60 mil casos por dia”, alertou. (MEC com Carinne Souza, estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi)

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