Num momento em que a medicina depende do avanço da ciência e da tecnologia de ponta, pequenas atitudes, como a simples lavagem das mãos, podem ser a diferença entre a vida e a morte.
Esse é o aprendizado que fica do projeto "Saúde em Nossas Mãos", que durante os últimos dois anos promoveu workshops, encontros e sessões de aprendizado para profissionais de saúde de 116 hospitais públicos brasileiros.
A meta inicial era reduzir em 50% o número de infecções adquiridas por pacientes internados em unidades de terapia intensiva (UTI).
Finalizada a primeira etapa, a iniciativa superou essa meta, conseguiu salvar 2.430 vidas e gerou uma economia de R$ 320 milhões ao Sistema Único de Saúde, o SUS.
E tudo começou a partir de uma parceria entre o sistema público e um grupo que reúne instituições privadas de saúde.
Uma nova aliança
O Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde, o Proadi-SUS, nasceu em 2008, a partir de um convênio estabelecido entre o Ministério da Saúde e cinco hospitais espalhados por São Paulo e Porto Alegre.
Os participantes são Hospital Israelita Albert Einstein, Hospital Sírio-Libanês, Hospital do Coração, Hospital Alemão Oswaldo Cruz e Hospital Moinhos de Vento. Mais recentemente, a BP - Beneficência Portuguesa de São Paulo também entrou para o grupo.
Apesar de privados, todos esses centros são beneficentes. Isso significa que seus lucros e os incentivos fiscais são revertidos diretamente para a própria instituição em programas de melhoria, ciência e desenvolvimento.
Um desses projetos é justamente o Proadi-SUS, que tem o propósito de desenvolver iniciativas de educação, pesquisa, avaliação de tecnologias, gestão e assistência que empoderem a rede de saúde pública do Brasil.
Foi assim que nasceu em 2018 o "Saúde em Nossas Mãos", com a meta de diminuir o número de doenças provocadas por bactérias nas UTIs públicas do país.
O tamanho do problema
Atualmente, as infecções de pulmões, trato urinário e corrente sanguínea adquiridas em ambiente hospitalar são a oitava principal causa de morte no país.
Elas costumam acontecer porque o paciente internado em estado grave pode precisar de uma sonda urinária, um tubo na garganta para ventilação mecânica ou um cateter na veia para infusão de medicamentos.
Por mais que esses equipamentos sejam necessários, eles representam um foco de contaminação se não forem tomados alguns cuidados básicos.
"Esses dispositivos abrem um canal direto entre o meio externo e os pulmões, a bexiga e a corrente sanguínea", explica a enfermeira e obstetra Claudia Garcia de Barros, coordenadora do "Saúde em Nossas Mãos".
Portanto, se uma pessoa com os dedos contaminados tocar no indivíduo hospitalizado ou nesses acessos ligados ao corpo, uma bactéria pode se aproveitar para invadir o organismo e iniciar uma pneumonia e infecções urinária ou de corrente sanguínea.
"Muitas vezes o paciente precisa ser hospitalizado para tratar uma doença e acaba adquirindo outra. E nós já sabemos que essas infecções são absolutamente preveníveis", completa a especialista.
Ciclos de aprendizado
Entre janeiro de 2018 e setembro de 2020, os integrantes do Proadi-SUS realizaram treinamentos, visitas técnicas, workshops e acompanhamentos com as equipes de 116 hospitais públicos das cinco regiões do país.
Ao longo do período, também foram produzidos vários materiais informativos, como cartazes, infográficos e boletins.
O objetivo era envolver de alguma maneira todo mundo que transita pelas UTIs, incluindo médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, profissionais da limpeza, os responsáveis pelas medicações e alimentação dos internados e até familiares e amigos que vinham fazer visitas.
Desde que a pandemia começou, boa parte dessas reuniões e encontros tiveram que ser realizados de forma virtual, para evitar deslocamentos desnecessários e o contato próximo entre pessoas de diferentes origens.
"O Saúde em Nossas Mãos foi muito inovador porque se tornou o primeiro projeto colaborativo em que todas as cinco instituições que integram o Proadi-SUS atuaram juntas", destaca Ana Paula Pinho, diretora-executiva de responsabilidade social do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo.
Houve uma divisão para que cada participante ficasse responsável por um determinado número de hospitais públicos e fizesse o acompanhamento ao longo do tempo.
"Essa união nos permitiu aumentar a escala e potencializar os resultados", acredita Pinho.
Entre as muitas orientações passadas às equipes que trabalham na UTI, a principal delas era justamente o cuidado redobrado com a lavagem das mãos antes de ir até o leito dos pacientes.
"O manejo da saúde hospitalar é algo tão complexo que muitas vezes precisamos lembrar e reforçar algo que parece óbvio, como a limpeza das mãos", completa.
Todos os envolvidos no projeto ouvidos pela BBC News Brasil salientam que a relação entre as instituições privadas e as públicas não era de superioridade, em que um aprende e outro ensina. Todos trocavam informações e aprendizados para que pudessem crescer juntos.
Resultados na saúde
Antes que o programa fosse iniciado, a meta já era ambiciosa: cortar pela metade o número de infecções adquiridas nas UTIs participantes.
Ao fim do ciclo de dois anos e meio, o objetivo foi superado: houve uma queda de 53% nas notificações dessas doenças.
"Apesar do foco na lavagem de mãos, o projeto foi muito maior do que isso e permitiu uma verdadeira mudança na cultura e nos hábitos que tínhamos na UTI", afirma Naila de Camargo Dalmaz, coordenadora de enfermagem do Hospital Geral Universitário de Cuiabá (MT), uma das instituições participantes do projeto.
As análises estatísticas mostraram que esse rol de melhorias evitou 6.927 infecções hospitalares e 2.430 mortes que seriam consequência dessa complicação.
Mas como os especialistas chegaram a esses números?
Utilizando fórmulas e análises estatísticas, eles comparam a quantidade de infecções registradas antes e depois das intervenções do programa. Assim, foi possível fazer os cálculos e projetar o total de casos prevenidos.
Vale ponderar, no entanto, que essas são projeções e estimativas. Elas ainda não foram publicadas em periódicos científicos ou analisadas por outros cientistas independentes, apesar de serem informações auditadas e acompanhadas de perto pela equipe técnica do Ministério da Saúde.
Resultados no bolso
Outro achado importante foi a economia que o "Saúde em Nossas Mãos" parece ter gerado ao SUS.
De acordo com as análises, ao evitar aquelas 6 mil infecções adquiridas em UTIs, os hospitais deixaram de gastar cerca de R$ 320 milhões.
Esse dinheiro teria sido necessário para pagar antibióticos, equipamentos, ocupação de leitos, horas trabalhadas da equipe de saúde…
Para se ter ideia, cada paciente com pneumonia chega a custar R$ 51 mil.
"R$ 320 milhões foi o que conseguimos registrar e calcular, mas imaginamos que esse número deva ser maior se contabilizarmos outros agravos que costumam ocorrer com os pacientes internados com essas infecções secundárias", aponta Barros.
Finalizada a primeira etapa da iniciativa, os responsáveis já se planejam para iniciar uma segunda rodada com novas unidades do serviço público para o triênio 2021-2023.
"Pretendemos ampliar o 'Saúde em Nossas Mãos' para 240 novos hospitais no próximo ciclo", planeja Adriana Melo Teixeira, diretora do Departamento de Atenção Hospitalar Domiciliar e Urgência do Ministério da Saúde.
Além das unidades convencionais, o projeto deve ser expandido para as UTIs pediátricas, o que representará um novo desafio para todos os envolvidos.
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