Apesar do sinal verde dado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) aos estados e municípios, na última terça-feira, para que possam comprar vacinas contra a covid-19, não há consenso entre os estados se a obtenção de medicamentos, paralelamente ao Ministério da Saúde, é a melhor solução para acelerar a campanha de imunização. O tema foi debatido, ontem, na reunião do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), cujos integrantes divergem sobre a abertura de uma possível corrida entre os estados.
“Há quem defenda que qualquer compra seja entregue ao PNI (Programa Nacional de Imunização) para partilha igualitária entre os estados. Mas isso está longe de ser um consenso e acende a polêmica de que estados mais ricos saiam na frente, gerando iniquidade e comprometendo uma estratégia, que é coletiva”, explicou ao Correio o presidente do Conass, Carlos Lula. Mas ele admite que é necessário, realmente, fazer algo para aliviar a pressão da população que começa a se formar pela vacinação. Isso porque, conforme enfatizou, o ministério tem sido lento no fechamento de contratos de fornecimento dos fármacos. “O ideal e necessário era que o governo federal realizasse seu papel. Tendo em vista que a entrega ocorre a conta-gotas, e o Planalto não aceita os termos das farmacêuticas, não há razão para colocar mais empecilhos para as compras por parte dos estados e municípios”, disse.
Mas, mesmo assim, há estados que se articulam para não dependerem dos repasses do ministério. Como São Paulo, que reafirmou que comprará 20 milhões de doses extras da CoronaVac a fim de atender os paulistas e que ignorará condições do governo federal para que entregue todas as doses a serem produzidas. O governador João Doria disse que o Butantan continuará a suprir as novas demandas do governo federal, mas atenderá os estados que quiserem fechar contratos de fornecimento com o instituto.
Além de São Paulo, o governo do Pará anunciou, ontem, a importação de 3 milhões de doses de vacinas de laboratórios que tenham aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Outro estado que se mobiliza é Goias. O governador Ronaldo Caiado informou pelas redes sociais que deu início à negociação com laboratórios.
Menos barreiras
Enquanto os estados se articulam, alheio a isso o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, indicou que aguarda a flexibilização de leis para poder obter a vacina produzida pela Pfizer/BioNTech e com a Janssen. “Nós estamos negociando com os laboratórios, basicamente os americanos, já há seis meses, e essas negociações implicam em discussões das cláusulas exigidas. Nós temos sido muito duros e eles têm sido mais duros do que a gente. Eles não afrouxam uma vírgula”, informou, durante a viagem que fez, ontem, ao Acre — que vem sofrendo com enchentes e com uma epidemia de dengue, que se soma à pandemia da covid-19.
Em outra frente, o Senado aprovou, ontem, o projeto que tem o objetivo de facilitar a aquisição de vacinas contra a covid-19 pelos governos federal, estaduais e municipais. O texto, de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), destaca que, enquanto durar a crise sanitária, os três níveis de governo estão autorizados a obter imunizantes e a assumir riscos relacionados a eventuais efeitos adversos pós-vacinação — desde que a Anvisa tenha concedido registro ou autorização temporária de uso emergencial dos fármacos.
Além disso, União, estados e municípios poderão constituir garantias ou contratar seguros para a cobertura dos eventuais efeitos adversos. O texto, que agora vai para análise da Câmara, não fala de vacinas específicas, mas viabiliza a compra dos imunizantes da Pfizer e da Janssen.
Mortes perto de 250 mil
O Brasil chegou, ontem, próximo dos 250 mil mortos pela covid-19. Segundo os números divulgados pelo Ministério da Saúde, são 249.975 óbitos e, somente nas últimas 24h, o país registrou mais 1.428 vidas perdidas. Os casos acumulados da doença são 10.324.463 — e entre terça-feira e ontem somaram-se 66.588 novos registros.
Por isso, o governo de São Paulo anunciou, também ontem, que restringirá a circulação de pessoas entre 23h e 5h da manhã, medida que passará a vigorar a partir de amanhã. A decisão foi tomada em razão da alta de internações de pacientes com covid-19, que bateu recorde com 6.657 mil pessoas em unidades de terapia intensiva (UTI). O impedimento é válido em todo o estado e vai até 14 de março.
Para o coordenador do Centro de Contingência da Covid-19 de São Paulo, Paulo Menezes, esse aumento é consequência das aglomerações que ocorreram, há cerca de 10 dias, nas festas clandestinas de carnaval. Mas também pode estar relacionado com o surgimento das novas variantes do coronavírus no estado, especialmente da nova linhagem identificada primeiramente em Manaus.
Como São Paulo, Pernambuco e Piauí também estabeleceram toque de recolher. O governador Paulo Câmara suspendeu as atividades em 63 municípios das gerências regionais de Saúde de Limoeiro, de Caruaru e de Ouricuri de amanhã até 10 de março. Todas as atividades econômicas e sociais estão proibidas das 20h até as 5h durante a semana, e das 17h às 5h aos sábados e domingos. A medida foi justificada pela aceleração de casos de covid-19 nessas cidades e pela superlotação dos hospitais.
No Piauí, um novo decreto instituiu toque de recolher desde ontem em todo o estado, das 23h às 5h, e vigora até 4 de março –– fica proibida a circulação de pessoas em espaços e vias públicas. Nos finais de semana devem funcionar somente atividades essenciais.
Na Paraíba, tudo fecha das 22h às 5h para as cidades que, na avaliação epidemiológica, estão nas bandeiras vermelha e laranja. Bares, restaurantes e lanchonetes funcionarão das 6h às 16h, com delivery ou retirada pelos clientes permitida apenas até as 22h. Cultos religiosos, eventos esportivos e cinemas serão suspensos e fechados, e os shoppings podem funcionar das 9h às 21h.
Cidades fecham
Em Salvador, está valendo desde ontem a determinação do prefeito Bruno Reis de fechamento das praias e dos clubes da cidade. A proibição vai até 2 de março e tapumes impedirão a circulação de pessoas nas praias.
Uberlândia (MG) impôs toque de recolher entre 20h e 5h, com fiscalização pela Polícia Militar. Em Montes Claros (MG), não haverá o funcionamento de qualquer atividade econômica, assistencial, cultural e religiosa entre 22h e 5h, além da circulação de pessoas e veículos entre 22h30 e 5h. (MEC com Fernanda Strickland e Jailson Sena, estagiários sob a supervisão de Fabio Grecchi)
Agora é para dar a 2ª dose
Ao contrário do orientado pelo ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, há poucos dias, durante a reunião com os integrantes da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), os estados e municípios deverão manter em estoque metade das doses da CoronaVac a fim de garantir a segunda aplicação, no intervalo de até 28 dias. A informação foi divulgada, ontem, no novo informe técnico de distribuição dos fármacos contra a covid-19 da pasta, que considera “que ainda não há um fluxo de produção regular”.
Na última sexta-feira, Pazuello anunciou que os estados não precisariam mais reter a metade das doses para garantir a segunda rodada de aplicações. A justificativa foi de que uma nova chegada de ingrediente farmacêutico ativo (IFA) da China garantiria a continuidade da oferta das vacinas. Mas, ontem, recuou da decisão, algo que mantém lento o ritmo da imunização.
“Tendo em vista o intervalo entre a primeira dose e a segunda (dois a quatro semanas), e considerando que ainda não há um fluxo de produção regular da vacina, orienta-se que a segunda dose seja reservada para garantir que o esquema vacinal seja completado dentro desse período, evitando prejuízo nas ações de vacinação”, reorientou a pasta.
O Instituto Butantan, responsável pela finalização da CoronaVac, indicou que não haverá interrupções nas liberações de fármacos já acertadas com o ministério. “Com relação à matéria-prima, ontem (segunda-feira) foi autorizada a importação de 8,2 mil litros da China, que devem chegar na semana que vem. Mais uma partida chegando. Nesse momento, não temos nenhuma previsão de problema com o fluxo de matéria-prima”, disse o diretor do Butantan, Dimas Covas, durante coletiva de imprensa na última terça-feira. (BL e MEC)