Uma estratégia de vacinação acelerada e eficiente, nos moldes do que o Brasil tem capacidade para realizar, seria capaz de reduzir em 70% as mortes por covid-19 a partir das duas vacinas já incorporadas ao Programa Nacional de Imunização (PNI): a chinesa CoronaVac e a Covishield (Oxford/AstraZeneca). A insuficiência de doses, no entanto, é um gargalo, neste momento. Por outro lado, é preciso cuidado com a falsa sensação de segurança trazida pelo início da campanha, que ainda engatinha, para evitar o aumento das interações entre as pessoas e da transmissão do vírus, mesmo em meio à vacinação.
As análises são de um grupo de pesquisadores das universidades estaduais Paulista (Unesp) e de Campinas (Unicamp) e da York University, com base em simulações computacionais feitas para traçar estratégias de combate à pandemia.
O modelo leva em consideração dados sobre o comportamento da doença no Brasil, como taxa de reprodução do vírus e letalidade da infecção por faixa etária, além de outros. Entre as suposições feitas para traçar o cenário basal — aquele mais próximo da realidade — a taxa de vacinação diária considerada é de 0,3% da população, o que corresponde a 620 mil pessoas por dia.
“O cálculo é feito ao longo de um pico epidêmico, que, em nosso modelo, dura em torno de 200 dias. Após a vacinação dos grupos prioritários, uma queda no número de mortes já deve ser percebida, mesmo que as infecções ainda continuem ocorrendo”, estima o responsável pelas projeções, Thomas Vilches, pós-doutorando no Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Considerando que a vacina chinesa cumpra com a eficácia anunciada de 50,38%, e ofereça proteção de 100% contra os casos graves da doença, a previsão é que as hospitalizações diminuam 28% e as mortes, 45% no período estimado. No entanto, as infecções só recuariam 3,7%. Isso porque os cálculos levam em conta que a aplicação apenas aos grupos prioritários ocorre em um momento em que a epidemia ainda se espalha.
“Quando visamos os grupos prioritários, não estamos parando a transmissão da infecção, apenas reduzindo as consequências dela. O vírus continua a circular, mas aqueles que sofreriam com a doença de forma mais grave estão protegidos. Por isso, a redução no número de infecções é baixa, enquanto a de mortes é significativa”, explica Vilches.
Para se chegar aos percentuais do estudo, é importante que as pessoas mantenham as medidas de proteção individual, em especial neste momento em que não há oferta suficiente de vacinas. “A sensação de segurança que os imunizantes trazem não pode substituir os esforços em manter as medidas de proteção. Não adianta vacinar e aglomerar”, alerta o médico infectologista e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Carlos Magno Fortaleza, membro do Centro de Contingência do Coronavírus de São Paulo.
De acordo com as simulações computacionais, se forem mantidos os cuidados e dobrada a velocidade de vacinação, a circulação da doença diminuiria em 20% e as mortes, até 66%, caso haja proteção contra infecções e casos graves.
Combinações
No caso da Covishield, que revelou, nos estudos clínicos, ter maior percentual de eficácia, os resultados da aplicação do modelo computacional são ainda mais promissores. Considerando 70,42% de eficácia e proteção total contra os sintomas mais severos, a vacinação, em ritmo normal, diminuiria em 57% as mortes. Respeitando o isolamento atual e dobrando a velocidade de aplicação, o índice subiria para 74%, no caso em que há proteção contra infecções e casos graves.
Mesmo quando se considera que as doses não protejam contra a gravidade da doença, mas ofereçam proteção contra infecções e sintomas, tanto no cenário basal, quanto nos que supõem baixa percepção de risco e taxa de vacinação redobrada, as mortes cairiam para mais da metade (53%, 52% e 71%, respectivamente). Como, no Brasil, o PNI combina as duas vacinas, as estimativas também ficam entrelaçadas, de modo que os resultados se aproximariam do cenário da vacinação dobrada.
No entanto, o grande problema é a falta de doses disponíveis neste momento. Na semana passada, em depoimento no Senado, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, prometeu mais 4,8 milhões de doses nos próximos dias para dar continuidade à vacinação da primeira fase prioritária. O montante está longe de ser suficiente para alavancar o ritmo da campanha e chegar ao patamar médio de 620 mil brasileiros vacinados por dia. Essa realidade só deve ser vista em meados de março, quando, segundo o ministro, o país terá capacidade de produzir 30 milhões de unidades mensais.
Pazuello não descartou incorporar novas vacinas ao PNI, mas, mesmo sem elas, prometeu: “Nós vamos vacinar o país em 2021: 50% até junho e 50% até dezembro da população vacinável”. Nesse cenário, qualquer reação de redução de mortes por covid-19 em razão da imunização só deve ser sentida, significativamente, a partir do segundo semestre.
Isso, se o país conseguir manter as medidas de isolamento e controlar a transmissão da pandemia, pois quanto maior a circulação do vírus, maior a chance de aparecerem mutações que podem reduzir a eficácia das vacinas.
Pelos cenários simulados por Thomas Vilches, mesmo que as novas mutações do vírus ocasionem a perda de metade da eficácia das vacinas do PNI, se elas provarem ser eficientes contra casos graves e mortes, como indicaram as pesquisas clínicas, a redução dos óbitos continuaria acima de 60% (sendo 62,5%, no caso da CoronaVac, e 67,8%, para a Covishield). “Por isso, a velocidade de vacinação e a atuação conjunta entre gestores e sociedade para respeitar o isolamento, mesmo para quem já foi imunizado, contam muito.”