Diante da expectativa de o Brasil receber 10,7 milhões de doses de vacinas contra a covid-19 pelo Covax Facility, no primeiro semestre de 2021, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu, nesta terça-feira (9/2), que os imunizantes enviados pelo consórcio da Organização Mundial da Saúde (OMS) não precisarão de registro definitivo ou de autorização de uso emergencial para serem aplicados. A dispensa foi aprovada por unanimidade pela diretoria da agência.
Relatora do processo, a diretora Meiruze Sousa Freitas votou pela dispensa da autorização “devido ao alto grau de urgência e gravidade”. “A dispensa está sustentada na avaliação que a Anvisa faz no âmbito da Organização Mundial da Saúde”, justificou. A agência integra o grupo de avaliação de imunizantes junto ao organismo das Nações Unidas, que observa a qualidade, eficácia e segurança das vacinas.
Na semana passada, quando a Anvisa excluiu a obrigatoriedade do estudo fase 3 no Brasil como requisito para a aprovação do uso emergencial de fármacos contra a covid-19, Meiruze havia falado sobre a dispensa de análise dos pedidos no caso dos imunizantes do Covax. Na ocasião, ela pontuou que a questão ainda carecia de aprovação da diretoria. “A proposição é isentar de registro ou autorização de uso emergencial uma vacina que seja adquirida pelo Ministério da Saúde para o Plano Nacional de Imunização (PNI)”, explicou.
Ao acompanhar o voto da relatora, o diretor Romison Rodrigues Mota disse entender que “os benefícios das vacinas adquiridas no âmbito do Covax superam os riscos”. Para a médica e terceira diretora da Anvisa, Cristiane Jourdan, a aprovação da resolução é mais um importante passo para a proteção da saúde do brasileiro. “As medidas aqui apresentadas trarão, sem dúvida alguma, grande agilidade para obtermos, por intermédio do Ministério da Saúde, mais uma gama de imunizantes ofertados pelo consórcio Covax Facility”, disse, antes de acompanhar o voto de Meiruze.
O Brasil firmou, no ano passado, um contrato para aquisição de 42,5 milhões de imunizantes, o equivalente a 10% da população, proporção mínima proposta pelo consórcio da OMS. Na última semana, o Covax informou que enviaria ao país 10,7 milhões de doses do medicamento desenvolvido pela Universidade de Oxford com a AstraZeneca no primeiro semestre de 2021.
Críticas à MP
Na mesma sessão, o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, voltou a criticar o texto da Medida Provisória 1.003/20, aprovada no Senado na última quinta-feira. Ele, mais uma vez, disse que a MP, que ainda pode ter trechos vetados pelo presidente Jair Bolsonaro, tira a capacidade da agência analisar os pedidos de uso emergencial de imunizante contra a covid-19. Afirmou que a autarquia está “sob ameaça concreta” diante da possibilidade de aprovação integral do texto.
Torres citou que o artigo 5º da MP fala que a Anvisa “concederá autorização temporária de uso emergencial para a importação, a distribuição e o uso de qualquer vacina contra a covid-19” em até cinco dias, desde que pelo menos uma das autoridades sanitárias estrangeiras citadas (de oito países e da União Europeia) tenha aprovado o imunizante e autorizado sua utilização, em caráter emergencial ou definitivo. A agência estabelece um prazo de 72 horas para análise do pedido de uso emergencial, mas apenas dos imunizantes autorizados nos Estados Unidos, na União Europeia, no Japão e na China.
“Está escrito ‘concederá autorização’. Só nos é dada uma opção, é o sim. Só tem essa opção”, criticou. Torres acredita que será retirada das mãos da agência a “capacidade analítica”. “Uma responsabilidade imensa que se vê sob ameaça concreta diante dessa possibilidade que seja tirada de nossas mãos a capacidade de analisar aquilo que pode ou não se traduzir em ameaça à saúde”, disse.
Enquanto isso, em São Paulo, desembarcam, hoje, mais 5,6 mil litros do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) para fabricação da CoronaVac, quantidade suficiente para que o Instituto Butantan produza mais 8,7 milhões de doses. Esta é a segunda remessa importada da China este mês e, com ela, o país conseguirá dobrar a atual produção.
Brasileiro quer se vacinar, diz pesquisa
A interferência das fake news e a negação do governo federal sobre a importância da vacinação para o combate à covid-19 perderam força após o início da imunização no Brasil. Uma pesquisa nacional realizada pela Hibou, empresa de sondagem e monitoramento de mercado e consumo, apontou que nove entre 10 brasileiros acreditam na importância do medicamento como estratégia de saúde e estão dispostos a tomá-lo.
O levantamento foi realizado em meio ao novo cenário da vacinação, incluindo as aprovações para uso emergencial pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a chegada de insumos ao país, bem como a crescente movimentação do Ministério da Saúde nas negociações com diferentes farmacêuticas. “Ficou claro que o brasileiro acredita na vacina e quer tomá-la o quanto antes para retomar 100% das atividades”, destacou a responsável pela pesquisa e sócia da Hibou, Ligia Mello.
Entre 29 de janeiro e 2 de fevereiro, foram entrevistadas 2,5 mil pessoas pela internet, das classes A a D. Sobre a pretensão de se vacinar, 87,4% declararam que iriam aos postos receber as doses e 12,6% foram contra a medida. Além disso, 72,8% dos que participaram da sondagem acreditam que receberão pelo menos a primeira dose até o fim do ano.
Dentro do grupo daqueles que afirmaram que não tomarão a vacina, mais da metade (54,4%) justificou que não confia nas que estão disponíveis e 21,3% não acreditam que haja imunização contra a covid-19. Para 8,5%, o fármaco não é recomendado para o quadro de saúde individual. Assim como o presidente Jair Bolsonaro, 5,2% dizem que não tomarão a vacina por terem contraído o vírus.
Mesmo provocado pelo presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, em transmissão ao vivo, na última quinta-feira, Bolsonaro reforçou a não adesão à campanha vacinal. O presidente afirmou que iria acompanhar o momento em que Barra Torres fosse imunizado e questionou se poderia ele mesmo aplicar a injeção. “Vai ter uma moeda de troca. Quero saber se o senhor está disposto (a receber a vacina)”. Mesmo entrando na brincadeira, Bolsonaro não deu o braço a torcer. “Sem contrapartidas”, disse.
Brasil abdicou de produzir IFA
O Brasil importa a maioria do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), matéria-prima para qualquer vacina que faça parte do Plano Nacional de Imunização, do governo federal. Mas essa realidade já foi diferente: na década de 1990, o país produzia aproximadamente 50% dos medicamentos que consumia e, hoje, esse índice caiu a modestos 5%. O alerta é de Igor Calvet, presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e foi dado no CB.Poder de ontem –– uma parceria do Correio Braziliense com a TV Brasília.
“Isso demonstra a nossa dependência, não só dos insumos, como dos medicamentos finais. Já passamos da fase da discussão sobre autossuficiência. O momento atual é de diminuir as vulnerabilidades do sistema de saúde e do país”, salientou.
O executivo ressaltou que, em um passo importante para reduzir a dependência de imunizantes da China e da Índia, a ABDI firmou um termo de cooperação técnica com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para modernizar a produção de produtos biológicos. Serão investidos R$ 2,5 milhões na transformação digital do processo de produção de vacinas e medicamentos.
Calvet observou, ainda, que a saúde da população está diretamente ligada ao desempenho da economia. E que a vacinação contra a covid-19 é fundamental para a retomada do crescimento do país. “Com um imunizante, o paciente não precisa de internação, por exemplo. Também vale lembrar a importância da área de saúde para a nossa balança comercial. Esse setor, somando tanto medicamentos como os serviços, apresentou em 2020 deficit em torno de US$ 20 bilhões”, explicou.
Por isso, o presidente da ABDI sugere que o Brasil pense em elaborar uma política de exportação de IFA. “Temos que obter essa visão. Hoje, o mercado chinês faz isso, assim como o indiano, que possuem grandes escalas de produção e exportam seus insumos. Ficou claro na pandemia que os detentores de tecnologia e dos insumos primeiro garantem o necessário para a sua própria população”, disse.
*Estagiário sob a supervisão de Fabio Grecchi