PANDEMIA

Quatro estados já registram média de casos mais alta que no pico da pandemia

Com índices de isolamento cada vez mais baixos, a falta de leitos se espalha por vários estados. Nove já têm taxa de ocupação acima de 80%, o que é considerado crítico

A expectativa de que a pandemia iria ser minimizada, após o Brasil viver uma grande onda de casos e mortes por covid-19 no ano passado, caiu por terra com a nova explosão de contágio no país. Quatro estados brasileiros registram médias móveis de infecções superiores aos níveis alcançados no pico da pandemia: Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul. Com índices de isolamento abaixo de 50% em todas as unidades da Federação, exceto Amazonas, o novo coronavírus ganha fôlego para se espalhar e hospitais lotam.

A taxa de ocupação de leitos de UTI destinados a pacientes com a doença é crítica ou média em 19 estados. A junção dos fatores negativos, atrelada ao surgimento de novas linhagens com uma possível maior capacidade de transmissão, supera a velocidade da aplicação das vacinas.

O resultado disso sugere um agravamento ainda maior da pandemia em mais estados, como preveem especialistas. “Há estados que também estão se aproximando dos números do primeiro pico. Alguns exemplos são Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia e São Paulo. Mas, se irão chegar lá, vai depender das nossas atitudes coletivas”, afirma o pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e coordenador do Infogripe, Marcelo Gomes.

No caso de São Paulo, quantitativamente mais impactado pela pandemia, o próprio governo estadual tem alertado para os aumentos expressivos: janeiro bateu o recorde de casos de todos os meses anteriores, com mais de 300 mil novos registros — daí porque o governo decretou a entrada na fase vermelha para todo o território. Até então, o maior acumulado mensal tinha sido o de agosto de 2020, que terminou com 262.038 infecções.

Os novos números, no entanto, podem ter sido tão altos por acumularem dados de dezembro protocolados com atraso, como alerta Gomes. “Fizemos uma nova análise, comparando as estimativas com base nos dados que tinham sido inseridos até a semana 53 de 2020 (27 de dezembro a 2 de janeiro) com o que entrou até a semana 3 de 2021 (17 a 23 de janeiro)”, disse. Em Manaus, por exemplo, após a correção, a incidência no fim de dezembro chegou a aumentar.

Isso porque as projeções consideram, em vez da data de notificação dos casos, o surgimento dos primeiros sintomas de síndromes respiratórias agudas graves (SRAG), a fim de minimizar os impactos decorrentes dos atrasos nas inserções de dados. Neste modelo, os pesquisadores do Infogripe também observaram que Manaus, Macapá, Curitiba, Florianópolis e Campo Grande superaram a média móvel da primeira onda.

Isolamento
Já o índice de isolamento social médio está abaixo de 40%, quando o ideal em momento de crescimento da infecção deveria ser em torno de 70%. Os dados são do InLoco, empresa desenvolvedora de tecnologia de localização. Enquanto isso, novas mutações reacendem, o que contribui para que a taxa de transmissão da doença se mantenha em níveis altos. De acordo com o Imperial College de Londres, o índice brasileiro está em 1,08 — ou seja, um grupo de 100 infectados leva a doença para 108 pessoas saudáveis.

Evitar que a história se repita nos quatro cantos do território brasileiro é uma tarefa que exige mais do que a vacinação, destaca Marcelo Gomes. “Enquanto não tivermos essa ampla cobertura para impactar significativamente na redução de casos, as recomendações de distanciamento, uso de máscara e evitar aglomerações seguirão sendo importantes para tentar conter a epidemia”, explicou.

Desde julho, o Brasil não encarava situações tão delicadas quanto a atual oferta de leitos de UTI aos pacientes internados por covid-19. Esse é mais um indicador que demonstra a difícil conjuntura após o aumento de casos estimulados pelas festas de fim de ano. Números de ontem mostram que há nove estados com taxas de ocupação acima de 80%, nível considerado crítico pelo comitê Observatório Covid-19, ligado à Fiocruz: Acre, Amapá, Amazonas, Ceará, Goiás, Paraná, Pernambuco, Rondônia e Roraima.

Com ocupação média de 60% a 80%, há mais 10 unidades da Federação nessa situação, sobrando apenas oito com ofertas mais amplas (veja quadro). No contexto da pandemia, ocupações a partir de 60% já acendem um alerta, lembra o pesquisador Diego Ricardo Xavier, do Observatório de Clima e Saúde (LIS)/Icic.

Ele alerta, ainda, para a grande quantidade de mortos que sequer conseguiram acesso ao tratamento intensivo. “Mesmo em tempos com taxa de ocupação baixa, temos observado que cerca de um terço das pessoas morre sem nem ao menos chegar até uma UTI”, salientou.

AM: crise sem data para acabar

Apesar de o Amazonas apresentar o sistema colapsado, a taxa de ocupação se mantém na faixa de 90%. A abertura de novos leitos e transferência de pacientes não têm sido suficientes para cessar o caos da saúde, iniciado na primeira semana de 2021. Desde novembro, quando os casos voltaram a subir, o estado começou a reabrir vagas, ampliando em mais de 2,5 vezes a oferta: de 457 para 1.166.

Na última sexta-feira, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse que pelo menos 1,5 mil pessoas precisariam ser transferidas para outros estados, devido à incapacidade de atendimento nas UTIS do estado. “Vai continuar morrendo de 80 a 100 pessoas por dia porque não há UTIs. E não se cria UTI do dia para noite”, disse. No último sábado à noite, um grupo de 11 pacientes chegou a Florianópolis, levado pela Força Aérea Brasileira. Os removidos foram divididos entre os hospitais Nereu Ramos e Professor Polydoro de São Thiago para tratamento.

Mesmo com a adoção de rígidas medidas de manter apenas o comércio essencial funcionando — o estado é o único com índice de isolamento social acima de 50% —, o Amazonas conviverá ainda por muito tempo com o colapso do sistema. Inclusive, o esforço para suprir a demanda de oxigênio nos hospitais, que zerou em unidades públicas entre 14 e 15 de janeiro, matando pelo menos 30 pessoas, deverá continuar, como solicitou o secretário de Saúde do Amazonas, Marcellus Campêlo.

No último sábado, o governador do Pará, Hélder Barbalho, decretou lockdown nas cidades das regiões do Baixo Amazonas e Calha Norte. Motivo: dois casos com a nova variante manauara do vírus. Mas, há poucos dias, cidades com a fronteira amazonense passaram a sofrer com a escassez de oxigênio, que, como em Manaus, levou infectados pela covid-19 a morrerem asfixiados nos leitos. (BL, MEC e ST)