*Reportagem originalmente publicada em 23 de janeiro e atualizada às 14h de 2 de fevereiro de 2020
O Instituto Gamaleya de Pesquisa da Rússia divulgou nesta terça-feira (2/2) os resultados preliminares da vacina Sputnik V. Publicados no periódico científico The Lancet, os dados revelam uma taxa de eficácia de 91,6%.
O estudo de fase 3 que avalia a eficácia e a segurança deste imunizante envolve 20 mil voluntários e continua em andamento para avaliar a proteção ou possíveis efeitos colaterais em longo prazo.
Outra importante observação do artigo publicado no The Lancet foi o fato de a Sputnik V ter funcionado bem em indivíduos acima dos 60 anos. Na análise de um subgrupo de 2 mil idosos, a eficácia também ficou na casa dos 91%.
A vacina, aplicada em duas doses com um intervalo de 21 dias entre elas, está aprovada em mais de 15 países, incluindo Rússia, Argentina, Paraguai e Venezuela.
E no Brasil?
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está avaliando um pedido feito pela farmacêutica União Química que deseja fazer estudos de fase 3 no país. A empresa tem um acordo com o Instituto Gamaleya para transferência de tecnologia.
A União Química calcula que tem capacidade de fabricar e distribuir 150 milhões de doses do imunizante até dezembro de 2021. Ainda de acordo com a empresa, o governo russo poderia enviar outras 10 milhões de doses ao Brasil ainda no primeiro trimestre.
Mas esse processo não pode ser iniciado sem o aval da Anvisa a respeito do imunizante e também das fábricas onde ele será produzido.
No dia 22 de janeiro, a Anvisa enviou esclarecimentos pedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Sputnik V.
O ministro Ricardo Lewandowski quer saber se a agência recebeu um pedido de uso emergencial do imunizante e, caso isso tenha acontecido, como está a análise e se há pendências.
Lewandowski é relator de uma ação direta de inconstitucionalidade movida pelo governo da Bahia, que quer aplicar a Sputnik V na população, mas não pode fazer isso por enquanto porque a lei não permite.
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Uma medida provisória (MP) editada pelo governo federal no início de janeiro regula a compra e uso de insumos e serviços relacionados à imunização contra a covid-19 e prevê que só podem ser aplicadas vacinas registradas pela Anvisa ou que tenham sido autorizadas para uso emergencial.
A agência só pode conceder permissão emergencial para imunizantes registrados pelas agências dos Estados Unidos, da União Europeia, do Japão, da China ou do Reino Unido. Esse não é o caso da Sputnik V.
O governo da Bahia questiona a constitucionalidade dessas regras e diz que elas atentam contra a dignidade humana e o direito à saúde dos cidadãos e impedem o Estado de cumprir seu dever de tomar medidas para reduzir o risco representado por uma doença.
Também argumenta que o objetivo da MP de garantir a eficácia e segurança das vacinas pode ser alcançado com o uso de um imunizante registrado por outras autoridades sanitárias de referência que não estão previstas na lei.
E quer uma liminar para poder importar e usar vacinas registradas por uma agência certificada pela Organização Panamericana de Saúde (Opas), o braço da Organização Mundial de Saúde (OMS) nas Américas.
O uso emergencial da Sputnik V já foi aprovado em alguns países-membros da Opas, como Argentina, Bolívia, Venezuela e Paraguai, mas não obteve um registro definitivo até agora em nenhum deles.
A farmacêutica União Química pediu a autorização emergencial no Brasil em 15 de janeiro, mas a Anvisa não chegou a analisar o assunto porque a empresa não apresentou os requisitos mínimos para uma solicitação desse tipo.
Em meio ao impasse existe a grande expectativa em torno das vacinas contra a covid-19, no momento em que o novo coronavírus já infectou 103 milhões de pessoas no mundo e fez mais de 2,2 milhões de vítimas fatais.
A situação é especialmente crítica no Brasil, não só porque o país é o terceiro em número de casos e o segundo em óbitos, mas também porque só há no Brasil até agora duas vacinas autorizadas para uso emergencial pela Anvisa, a CoronaVac (Butantan) e a de Oxford/AtraZeneca (Fiocruz), e a escassez de insumos para a produção de ambas gera dúvidas se haverá doses suficientes no curto e médio prazo.
Isso tem levado os Estados e a iniciativa privada a tentar comprar outras vacinas por conta própria, entre elas a Sputnik V. Entenda a seguir o que se sabe até agora sobre ela.
Como funciona a Sputnik V?
Essa vacina usa uma tecnologia conhecida como vetor viral não replicante, que já é pesquisada há décadas pela indústria farmacêutica e é a mesma da vacina de Oxford.
Esse tipo de vacina usa outros vírus inofensivos para simular no organismo a presença de uma ameaça mais perigosa e que se deseja combater para gerar uma resposta imune.
No caso da vacina russa, ela é feita com adenovírus que causam resfriados em humanos. Eles foram modificados para não serem capazes de se replicar depois que entram nas células humanas.
Os cientistas inseriram neles as instruções genéticas para a produção de uma proteína característica do novo coronavírus, a espícula.
Uma vez injetados no organismo, eles entram nas células e fazem com que elas passem a produzir e exibir essa proteína em sua superfície.
Isso alerta o sistema imunológico, que aciona células de defesa e, desta forma, aprende a combater o Sars-CoV-2, o que protegerá uma pessoa se ela for infectada pelo vírus.
O que apontaram os testes feitos na Rússia?
As duas primeiras fases dos estudos clínicos começaram na Rússia no final de junho, quando foi investigado se a vacina, que é aplicada em duas doses, é segura e leva à produção de anticorpos. Cada fase teve 38 participantes.
Publicados no periódico The Lancet, os resultados apontaram que só foram registrados eventos adversos leves e nenhum grave, e que todos os participantes desenvolveram uma resposta imunológica capaz de combater o coronavírus e impedir a infecção por ele.
A Sputnik V foi aprovada nesses testes e partiu para a terceira e última etapa do estudo, para verificar se ela realmente conseguiria proteger contra a covid-19 — os resultados preliminares desta fase fora divulgados nesta terça (2/2).
Onde a vacina já foi aprovada?
Rússia: a vacina foi registrada em 11 de agosto, antes mesmo da conclusão dos testes de eficácia. Foi a primeira no mundo a ser aprovada por uma autoridade sanitária. Mais de 800 mil pessoas na Rússia já foram imunizadas.
Belarus: foi a segunda nação do mundo a conceder um registro para a vacina russa, em 21 de dezembro. A Sputnik V é aplicada na população desde o final de dezembro. Há um acordo para viabilizar sua produção local.
Argentina: em 23 de dezembro, tornou-se o primeiro país da América Latina a adotar a vacina russa, que recebeu uma permissão de uso emergencial. Tem um acordo para o fornecimento de 10 milhões de doses.
Emirados Árabes: o uso emergencial foi aprovado em 21 de janeiro, em meio à realização de testes de fase 3 no país. Os resultados não foram divulgados, segundo a agência Reuters.
Hungria: o país deu uma autorização de uso emergencial à vacina em 21 de janeiro. Foi o primeiro membro da União Europeia a fazer isso.
Turcomenistão: o uso emergencial foi autorizado em 18 de janeiro, segundo autoridades russas.
Paraguai: é o país mais recente da América Latina a dar uma autorização emergencial para a Sputnik V, no último dia 15.
Argélia: autoridades russas anunciaram em 10 de janeiro que o país foi o primeiro do continente africano a permitir o uso emergencial do imunizante.
Bolívia: o país aprovou o uso emergencial da Sputnik V em 6 de janeiro e tem um acordo para o fornecimento de 5,6 milhões de doses.
Argélia: iniciou a vacinação pelo produto russo no dia 31 de janeiro.
Venezuela: o uso emergencial da vacina foi autorizado no último dia 13. A expectativa é imunizar 10 milhões de pessoas com a Sputnik V, dizem autoridades locais.
Palestina: o governo local conferiu o uso emergencial em 11 de janeiro e espera receber o primeiro lote de doses em fevereiro.
Sérvia: o país autorizou o uso emergencial da vacina russa, que já está sendo aplicada desde o início de janeiro.
Irã: deu sinal verde ao uso da Sputnik V em seu território no dia 26 de janeiro.
República da Guiné: se tornou o primeiro país da África Subsaariana a aprovar a Sputnik V no dia 29 de janeiro.
Tunísia: liberou o uso da vacina de origem russa no dia 30 de janeiro.
Histórico no Brasil
O primeiro interesse na Sputnik V veio do Paraná, que assinou em agosto um acordo para o desenvolvimento da vacina, mas isso até hoje não saiu do papel.
Um relatório da Assembleia Legislativa paranaense apontou em dezembro que o Fundo Direto de Investimento Russo, que é administrado pelo governo da Rússia e responsável pelo desenvolvimento da vacina, reviu os planos de realizar estudos da vacina no Paraná após fechar uma parceria com a União Química.
A empresa fez o pedido de uso emergencial da vacina à Anvisa, mas a agência disse que os requisitos mínimos para que a solicitação fosse submetida e analisada não tinham sido alcançados, entre eles já estarem sendo feito testes de fase 3 no Brasil para verificar a eficácia do imunizante.
A União Química pediu autorização para fazer estes testes em 29 de dezembro, segundo a Anvisa. Mas não foram enviados documentos e informações suficientes.
A agência ainda aguarda que essas pendências sejam resolvidas para se manifestar sobre os estudos clínicos.
No dia 21 de janeiro, a empresa e a Anvisa tiveram uma reunião, na qual os representantes da União Química apresentaram informações e reafirmaram o interesse fazer os estudos e pedir a autorização de uso emergencial.
"Novos documentos serão apresentados após uma nova reunião técnica, que deve ser realizada em breve para avançar o processo da vacina", disse a Anvisa em nota.
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