VACINA

Butantan ameaça exportar doses da CoronaVac aos países vizinhos

Instituto espera até o final desta semana a confirmação do ministério sobre o segundo lote de 54 milhões de doses da vacina que produz. Caso não haja aceno da pasta para a obtenção, imunizantes serão vendidos a países vizinhos, que manifestaram intenção de compra

Depois de firmarem contrato, no início do ano, para o fornecimento de 46 milhões de doses da CoronaVac, o Ministério da Saúde e o Instituto Butantan vivem um novo capítulo da relação conturbada entre o governo federal e o de São Paulo. A instituição de pesquisa, que produz a vacina desenvolvida pela Sinovac no Brasil, cobra uma resposta da pasta para o lote adicional de 54 milhões de doses, que foi oferecido no primeiro acordo assinado entre os dois entes públicos. Caso não haja manifestação do ministério, o Butantan exportará os imunizantes a países da América Latina que anunciaram interesse.

O diretor do instituto, Dimas Covas, disse ontem que aguarda a resposta até o final desta semana, pois, na próxima, pretende fechar contratos com os países. O ministério, por sua vez, rebate citando uma cláusula de exclusividade do acordo com o instituto que prevê que “a contratante terá o direito à exclusividade da vacina”. Mais: que o Butantan fica desobrigado apenas se a pasta desistir dos 54 milhões de doses –– e pode se manifestar em até 30 dias após a entrega da última remessa das 46 milhões de doses. O ministério diz que aguardará este prazo contratual para dar uma resposta.

Mesmo com o documento, Covas disse que “está na hora de decidir”. “Não tivemos nenhum aceno (do governo federal). Isso me preocupa um pouco. Se demorarmos, não vamos conseguir ampliar esse número”, afirmou. Ele enviou um ofício, na última sexta-feira, solicitando a manifestação da pasta sobre o lote com 54 milhões de doses.

“Aguardo até o final desta semana uma resposta, porque, na semana que vem, eu vou fechar os contratos com os países, começando pela Argentina. Então, vai ser importante que haja essa manifestação para que, lá na frente, não possa alegar que não houve de fato essa oferta, e a oferta está sendo feita, via contrato, via ofício e de público”, disse.

Covas frisou que o Butantan tem compromisso com outros países, que estão cobrando cronograma. “Se houver resposta positiva do ministério, vamos fazer um planejamento para ter 54 milhões de doses adicionais, mais 40 milhões dos países vizinhos. Não havendo a manifestação do ministério, vamos dirigir nossa produção para atender aos países, inclusive com possibilidade de aumentar a oferta de vacina, porque a demanda é grande”, afirmou.

Lote extra

Mesmo sem manifestar interesse, o ministério conta com o lote de 54 milhões de doses nas apresentações feitas por secretários e pelo próprio ministro Eduardo Pazuello. Na última terça-feira, a coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI), Francieli Fantinato, informou ter um contrato com o Butantan para 100 milhões de doses durante uma live técnica para dar orientações aos profissionais de saúde sobre a operacionalização da vacinação contra a covid-19.

“Fizemos um contrato com o Instituto Butantan para a aquisição de 100 milhões de doses, sendo 46 milhões para o primeiro semestre (...) e os 54 milhões de doses que estão aqui elencadas para o segundo semestre, provavelmente a partir de maio”, disse. Pazuello também já falou na contratação dos 100 milhões de doses, anunciados por ele em entrevista, em 7 de janeiro.

Na ocasião, aliás, o secretário-executivo da pasta, Élcio Franco, contradisse o ministro, afirmando que não haveria orçamento para contratar os 100 milhões de doses (46 milhões + 54 milhões) da vacina de uma vez só.

Vacina de uma só vez

O governo de São Paulo quer adiar a aplicação da segunda dose da vacina CoronaVac, com a intenção de imunizar mais pessoas neste primeiro momento, contrariando o que está previsto na bula do imunizante e a recomendação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que é seguir sempre o estabelecido na prescrição do fabricante. O documento, elaborado pelo Instituto Butantan, com base nos estudos realizados, prevê que a segunda dose deve ser aplicada em um intervalo de 14 a 28 dias.

No estado, a previsão é que seja aplicada a segunda dose em 28 dias. A intenção é aumentar mais 15 dias, indo para 43 o intervalo entre uma dose e outra, conforme informou, ontem, o diretor do Butantan, Dimas Covas. Ele afirmou que existe uma segunda recomendação que prevê que o prazo pode ser estendido por até 15 dias. “No estudo, aconteceram alguns casos que tiveram essa vacinação e não houve nenhum problema do ponto de vista da resposta imunológica”, garantiu.

A preocupação de Covas é com a alta demanda pelo imunizante, afirmando não ser “eticamente justificável” guardar metade das doses enquanto tantos precisam ser imunizados. “Se temos a vacina na prateleira, temos do outro lado pessoas morrendo; precisamos usar essas vacinas”, explicou, mesmo contrariando a prescrição do próprio Butantan.

Resposta imune

Em texto divulgado no site no último dia 22, a instituição diz que o estudo para testar a eficácia da CoronaVac, produzida em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac, apontou que “a melhor resposta imune acontece no maior intervalo de tempo entre a aplicação das duas doses — entre 21 e 28 dias”. O instituto ainda diz que, no estudo, “a maioria das vacinas foi aplicada no intervalo de 0 a 14 dias devido à situação emergencial da população envolvida”.

“Dos cerca de 13 mil voluntários que participaram do estudo no Brasil, 1.400 receberam suas doses com um intervalo de três semanas. A resposta imune desse grupo foi cerca de 20% melhor do que a observada nos demais participantes da pesquisa”, informou. Na última quinta-feira, o instituto também apontou que não seria possível saber a resposta imune dos pacientes se o intervalo entre uma dose e outra for prolongado.

Para que a mudança na aplicação aconteça, é preciso de uma manifestação formal do Programa Nacional de Imunização (PNI) para ajustar a orientação. O governador João Doria disse que o governo estadual enviaria solicitação ao Ministério da Saúde e ao coordenador do PNI ainda ontem.

Na semana passada, o gerente-geral de Medicamentos e Produtos Biológicos da Anvisa, Gustavo Mendes, ressaltou que não seguir o que está na bula pode atrapalhar a eficiência da vacina. Ele explicou que não há uma sanção específica no caso do descumprimento, mas que a recomendação é seguir o que a bula determina. “Há expectativa que se cumpra os requisitos”, disse.