Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que não há amparo legal no uso de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) na compra de medicamentos à base de cloroquina para o tratamento da covid-19. As informações constam no despacho do ministro Benjamin Zymler, do dia 22 de janeiro, no âmbito de um processo do tribunal fomentado por representações feitas por senadores e pelo Ministério Público Federal (MPF) sobre possíveis irregularidades do Ministério da Saúde na elaboração de documento para tratamento da covid-19 com recomendação do uso de cloroquina.
O teor do despacho foi divulgado pela Folha de S. Paulo e confirmado pelo Correio. O relator, com base em uma auditoria da área técnica do TCU (Secretaria de Controle Externo da Saúde), determinou que a pasta dê explicações no prazo de cinco dias úteis, sobre o uso desses medicamentos no tratamento da doença causada pelo coronavírus.
Conforme Zymler explica em seu despacho, com informações da auditoria, a legislação brasileira prevê que para que um medicamento seja adquirido pelo governo e utilizado no SUS, ele precisa de autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso daquele fim — ou seja, é preciso que haja previsão na bula do remédio, o que não é o caso de medicamentos como hidroxicloroquina e ivermectina, incentivados em protocolo do Ministério da Saúde, contra a covid-19.
“Desta feita, como não houve manifestação da Anvisa acerca da possibilidade de se utilizar os medicamentos à base de cloroquina para tratamento da covid-19 e tampouco dos órgãos internacionais antes mencionados, verifica-se não haver amparo legal para a utilização de recursos do SUS para o fornecimento desses medicamentos com essa finalidade”, pontua o ministro.
No documento, Zymler solicita as explicações do ministério ressaltando uma postura contraditória do ministro Eduardo Pazuello nos últimos dias. No dia 18 de janeiro, o general negou, em coletiva de imprensa, que tenha autorizado o ministério a produzir protocolos indicando medicamentos contra covid-19.
O ministro do TCU, entretanto, traz trechos da auditoria que apontama existência de duas notas informativas, de maio e de agosto de 2020, que contradizem o general, visto “que orienta a prescrição de kit de fármacos para o tratamento da covid-19”. A primeira nota informativa foi publicada pelo Ministério da Saúde cinco dias após Pazuello assumir a pasta como ministro interino. Em agosto, o órgão atualizou a nota.
Segundo o próprio documento da pasta, o protocolo foi publicado “com objetivo de ampliar o acesso dos pacientes a tratamento medicamentoso no âmbito do SUS”. Diante da contradição feita por Pazuello, o ministro do TCU ainda solicitou que o ministro informe a posição oficial da pasta, “com indicação dos fundamentos para a decisão oficial vigente ou a viger”.
Em uma explicação detalhada, ele traz que o uso de remédios à base de cloroquina poderiam ser utilizados na modalidade “off label” — ou seja, usar um remédio para um fim que não está na bula, o que seria o caso da cloroquina. Embora não seja vedado, e caiba ao médico receitar ou não, o relator traz que é vedado ao SUS “o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento, produto e procedimento clínico ou cirúrgico experimental, ou de uso não autorizado pela Anvisa”.
Ele ainda pontua que uma lei do ano passado (Lei 13.979/2020) passou a permitir “a importação e distribuição de quaisquer materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da área de saúde sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa”, desde que aprovados em quatro agências internacionais dos EUA, Japão, Reino Unido e China, o que não é o caso do uso de remédios à base de cloroquina contra a covid-19.
Evidências
O relator afirma, ainda, que a auditoria, ao analisar respostas encaminhados pelo Ministério da Saúde, apontou que uma nota informativa da própria pasta indica que, apesar de estudos “in vitro”, não há ensaios clínicos controlados “que comprovem o benefício inequívoco dessas medicações para o tratamento da covid-19”. “Ou seja, está expresso, nas orientações do Ministério da Saúde que faltam evidências científicas da eficácia e segurança da terapêutica proposta”, sinaliza o ministro do TCU.
TrateCOV
Além disso, o ministro Benjamin Zymler, relator do processo, ainda solicitou que o Ministério da Saúde informe qual a unidade da pasta e o titular responsável pela adoção do aplicativo TrateCOV, que recomendava o tratamento precoce com a prescrição de medicamentos, como a cloroquina e ivermectina, para pacientes com sintomas da covid-19.
O ministro Zymler pede que a pasta informe se o aplicativo será mantido em funcionamento. Na última quinta-feira (21), a plataforma do aplicativo foi retirada do ar pelo Ministério da Saúde, mas segundo a pasta a retirada foi momentânea.
“Informamos que a plataforma TrateCOV foi lançada como um projeto-piloto e não estava funcionando oficialmente, apenas como um simulador. No entanto, o sistema foi invadido e ativado indevidamente — o que provocou a retirada do ar, que será momentânea”, disse o ministério por meio de nota, divulgada na última quinta.
Apesar de informar que o site foi invadido e ativado indevidamente, a plataforma “tratecovbrasil.saude.gov.br” foi divulgada pelo próprio ministério nas notícias do site oficial da pasta. Com isso, ainda que o ministério tenha informado que o aplicativo foi criado para auxiliar os profissionais de saúde a diagnosticar a doença, após o médico cadastrar dados, sintomas e comorbidades do paciente, qualquer pessoa tinha acesso ao site que simulava a plataforma e poderia fazer o próprio diagnóstico.
Segundo o despacho do relator do processo, o aplicativo não se encontra mais na internet, ”possivelmente, em razão das críticas sofridas”.