Para a doutora em sociologia e presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Nísia Trindade, 2021 só começa depois que a vacinação contra a covid-19 tiver início, e é por causa disso que a instituição está trabalhando para “vacinar todo mundo logo” –– o primeiro passo disso foi dado, há poucos dias, com a solicitação à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o uso emergencial do imunizante produzido pela Universidade de Oxford e pela AstraZeneca que, em breve, será reproduzido em solo nacional.
“Vamos poder vacinar o mais rapidamente possível, seguindo todos os requisitos impostos pela Anvisa”, disse Nísia, que, na última segunda-feira, foi reconduzida à presidência da Fiocruz para mais três anos de mandato. A seguir, trechos da entrevista ao Correio.
Com a aprovação da Anvisa para uso emergencial, qual o próximo passo?
Muito tem sido feito de forma simultânea para pouparmos tempo. Fizemos as aquisições das doses, estamos analisando com o laboratório (Instituto Serum, da Índia) a possibilidade de essas doses virem o mais rapidamente possível –– a previsão é para o dia 20. Estávamos trabalhando para trazer a vacina antes mesmo da aprovação. A partir disso, vai depender dos movimentos do Ministério da Saúde, que coordena o Programa Nacional de Imunização (PNI), e distribui de acordo com aquele critério de priorização de grupos que já foi apresentado. A nós cabe cuidar da vacina, entregar e contribuir para o início da vacinação. E vale lembrar que essa iniciação pode começar de forma convergente com outros imunizantes, como é o caso da CoronaVac.
O presidente Jair Bolsonaro enviou à Índia um pedido para antecipar a chegada dessas doses. É possível que chegue antes do dia 20 ao país?
Nossa meta é que chegue até o dia 20. Acredito que esse (pedido de Bolsonaro) é um procedimento para mostrar a importância da vacinação do ponto de vista do governo. Todo mundo está preocupado com prazos e nós também estamos. É uma prioridade vacinar todo mundo logo, mas é importante ter uma sustentação dessa vacinação, e isso só é possível com produção nacional. Também é importante chamar a atenção para os aprendizados com a pandemia. Nem todas as doenças têm vacinas. Temos que ter pesquisas continuadas e, no caso de entregas de vacinas à sociedade, uma estrutura de oferta. Daí a importância dos laboratórios nacionais, como a Fiocruz e o Butantan.
A produção da vacina foi rápida?
Muitas pessoas falam isso e se questionam se não existem riscos, já que foi produzida de forma muito rápida. Precisamos considerar algumas coisas. Primeiro, essas vacinas não estão surgindo do nada; vêm de pesquisas que estavam em desenvolvimento para outros coronavírus. Existe uma história de ameaça de novas doenças emergentes, como dizemos, que tem pelo menos 20 anos. Mas o fato de ter essa pesquisa desenvolvida na Universidade de Oxford, com essa tecnologia nova de vetor viral para outros coronavírus, permitiu o rápido desenvolvimento. O Brasil tem avançado muito nisso e existem grupos de excelência no país que desenvolvem esses ensaios. Além disso, aqui é quase que um laboratório para testagem dessas vacinas, devido à quantidade de infectados. Mas não é só isso: o país possui instituições com experiência, que podem participar dessas pesquisas de Fase 3, como é o caso da nossa vacina, que tem tido essa etapa coordenada pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) junto com vários parceiros que apoiam a iniciativa. É uma grande esperança. Para mim, e acredito que para grande parte dos brasileiros, o ano só vai começar depois da vacinação.
Para a produção aqui no Brasil, o que se pode esperar?
A incorporação dessa tecnologia que, a partir do segundo semestre, estamos dominando. Outro dado é que ela é uma vacina muito adequada, se pensarmos pela política de saúde pública: mostrou-se eficaz e segura, de baixo custo, e isso é um elemento muito importante não apenas para o Brasil, mas para outros países em desenvolvimento e para os de baixa renda e sem estrutura de produção, como nós temos. É a vacina que mais possui acordos firmados no mundo. Também considero importante que, além de dominarmos a tecnologia, o imunizante tem uma eficácia de 73% com a primeira dose e uma melhor resposta das pessoas com um intervalo entre 8 e 12 semanas, tempo de produção de anticorpos e células imunes. Vamos entregar, ainda este ano, 210,4 milhões de doses. Nossa expectativa é de que as primeiras entregas aconteçam em fevereiro. O início é sempre mais difícil, temos testes e ajustes para fazer, mas, até abril, nossa previsão é de uma entrega de 50 milhões de doses.
*Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi