O Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a União de executar contragarantias para ressarcir uma dívida de R$ 4,5 bilhões do Estado do Rio com o banco francês BNP Paribas. A dívida venceu em 20 de dezembro. O Tesouro Nacional já informou que cobrirá o calote, pois a dívida é garantida pela União. A decisão, em liminar do presidente da corte constitucional, ministro Luiz Fux, foi tomada no mesmo processo em que foi decidida a permanência do Rio no Regime de Recuperação Fiscal (RRF).
A manutenção do Rio no RRF também foi garantida por liminar, concedida por Fux na véspera do Natal. Mesmo após essa decisão, o Tesouro Nacional informou publicamente que, após cobrir o calote no BNP Paribas, buscaria ressarcimento por meio de bloqueios de receitas do governo fluminense com o ICMS e o Fundo de Participação dos Estados (FPE).
Diante das manifestações públicas do Tesouro, a Procuradoria-Geral do Estado do Rio (PGE-RJ) entrou com embargos de declaração, um recurso no mesmo processo em que Fux decidiu pela permanência do governo fluminense no RRF.
O recurso pediu que se esclarecesse se a decisão da véspera do Natal, de manter o Rio no RRF, valia para a dívida com o BNP Paribas. Para a PGE-RJ, a permanência no programa de socorro exime o governo fluminense de qualquer dívida com a União, fossem financiamentos diretos ou garantidos pelo Tesouro.
Na decisão tomada na noite desta segunda-feira (11/1), Fux esclareceu que a "tutela provisória deferida", ou seja, a decisão liminar da véspera do Natal, "alcança, até decisão posterior, a proibição de execução de garantias e contragarantias, inclusive as previstas" na dívida com o BNP Paribas. A decisão esclarece ainda que a liminar anterior impede a inscrição do Estado do Rio no CAUC, um cadastro de governos locais devedores da União, ou "nos cadastros de inadimplentes relativamente a esses mesmos fatos e objetos".
A dívida se refere a um empréstimo de R$ 2,9 bilhões tomado junto ao BNP Paribas em dezembro de 2017, medida prevista no Plano de Recuperação Fiscal firmado entre o Rio e a União em setembro de 2017, no âmbito do RRF - o Rio foi o único a recorrer ao regime, criado em maio de 2017 para socorrer Estados em dificuldades financeiras. O valor original foi determinado pelo Plano de Recuperação. O banco francês foi selecionado em licitação pública. A dívida aumentou por causa de juros e encargos.
A lógica do RRF é suspender o pagamento das dívidas dos Estados com a União, em troca de medidas, dos governos locais, para equilibrar suas contas, cortando despesas e aumentando impostos. O mecanismo também procura incentivar os Estados socorridos a recorrerem à privatização de serviços públicos, como forma de aliviar as dificuldades financeiras.
No caso do Plano de Recuperação do Rio, a privatização dos serviços de saneamento básico foi colocada como contrapartida. A forma de fazer isso foi colocar as ações da Cedae, a estatal de saneamento, como uma das contragarantias do empréstimo tomado junto ao BNP Paribas, com aval da União. Os valores levantados com a desestatização poderiam ser usados para quitar a dívida. Por outro lado, a inadimplência daria à União o direito de federalizar a Cedae.
O calote no BNP Paribas chegou a atrasar a publicação do edital de concessão dos serviços de saneamento do Rio em uma semana - o documento foi publicado finalmente em 29 e dezembro. O leilão está previsto para 30 de abril de 2021 e renderá, no mínimo, R$ 8,5 bilhões para o Estado, em três parcelas, que, no entanto, chegarão tarde demais para quitar a dívida com o banco francês.
Quando informou que buscaria o ressarcimento após cobrir a dívida em nome do Estado do Rio, o Tesouro não mencionou as ações da Cedae entre as contragarantias, separando as divergências em torno da manutenção do RRF do processo de concessão dos serviços de água e esgoto.
O Plano de Recuperação Fiscal tem sido objeto de atritos entre o governo fluminense e o governo federal desde que chegou perto de completar três anos, no início de setembro. Uma das polêmicas gira em torno de sua vigência. Para o governo fluminense, o RRF permitiria que os planos de recuperação poderiam ter seis anos de duração, sem necessidade de renovação. Para o governo federal, os planos são firmados com prazo de três anos, renováveis por mais três, desde que o Estado socorrido cumpra todas as contrapartidas exigidas.
Com seu entendimento, o Tesouro Nacional enviou um ofício ao governo do Rio, em 21 de dezembro, cobrando dívidas vencidas desde setembro. Foi então que o governo fluminense recorreu ao STF, conseguindo a decisão favorável de Fux.