Um país em busca so futuro

Brasil tem grande desafio em frente: a segurança alimentar para a população

Com números preocupantes desde 2014, o Brasil corre o risco de voltar ao Mapa da Fome da ONU. Segundo especialistas, governo precisa adotar medidas para reduzir os impactos sociais e econômicos provocados pela pandemia da covid-19

Os dados mais recentes sobre insegurança alimentar mostram que a fome não é coisa do passado no Brasil. A falta de dinheiro para comprar comida, problema em 34,9% dos domicílios, em 2004, passou para 22,6%, em 2013, voltou a subir, chegando a 36,7%, em 2018, lembra o economista Marcelo Neri, diretor da Fundação Getulio Vargas (FGV Social). “O filme da insegurança alimentar brasileira, entre 2014 e 2019, período em que o país volta ao Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU), é dramático”, relata. Segundo ele, o Brasil ocupa um triste lugar de destaque pelas dificuldades em sanar o problema.

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“Se a insegurança alimentar primeiro caiu e, depois, cresceu, é porque a extrema pobreza apresentou movimentos na mesma direção. O Brasil não consegue isolar os seus segmentos mais vulneráveis do fantasma da fome”, destaca Neri. Ao comparar dados de mais de 150 países, em 2014, o Brasil estava no 36º lugar do ranking, com 17% da população sem recursos financeiros para se alimentar. Em 2019, subiu para o 82º lugar. “A fim de captar a desigualdade tupiniquim, estavam na miséria 53% dos 20% mais pobres, enquanto 10% da população estavam entre os 20% mais ricos. No mundo, eram 48% nos 20% mais pobres e 21% nos 20% mais ricos”.

A insegurança alimentar também atinge em cheio as pessoas de meia-idade que tendem a ter crianças em casa, gerando consequências para o futuro do país, uma vez que a subnutrição infantil deixa marcas permanentes físicas e mentais para a vida dos indivíduos. Segmentos mais pobres e menos educados são os mais afetados. “Medidas subjetivas de fome caminharam de mãos dadas com a extrema pobreza. Em fase de parcos recursos fiscais, é preciso colocar na ordem do dia os programas sociais voltados aos mais pobres dos pobres”, aconselha Neri.

Maite Gauto, gerente de Programas e Incidência da Oxfam Brasil, assinala que o Brasil está imerso em uma crise econômica desde 2015, com impactos negativos na renda da população, pelo aumento do desemprego e redução de programas sociais como o Bolsa-Família, além do fim da política de valorização do salário mínimo e aumento da informalidade. Esses fatos repercutem nos indicadores de desigualdade.

A executiva entende que “ainda não é possível confirmar se o Brasil voltou para o Mapa da Fome, porque os dados específicos ainda não foram divulgados”. Entretanto, são preocupantes as estatísticas da Pesquisa de Orçamento Familiar (PO/IBGE). “Em 2018, já tínhamos milhões de pessoas passando fome. Com os impactos sociais e econômicos da pandemia do novo coronavírus, se as medidas de mitigação da fome não forem tomadas, corremos o sério risco de nos tornarmos um dos epicentros da fome no mundo”, reforça.

Reforma

Outra saída pode ser por meio de uma reforma tributária com mecanismos regressivos, taxação dos super-ricos e dos lucros e dividendos. “Se o Brasil não tomar as medidas necessárias para garantir condições minimamente dignas de sobrevivência à população mais vulnerável, veremos uma escalada da fome, da pobreza e a deterioração da qualidade de vida no país. Vale dizer que, para além dos 68 milhões de pessoas que receberam o auxílio-emergencial, há ainda uma parcela da população realmente invisível, que não conseguiu acessar o benefício”, enfatiza Maite Gauto.

O mesmo alerta foi dado recentemente por Daniel Balaban, diretor do Centro de Excelência Contra a Fome do Programa Mundial de Alimentos da ONU (WFP, na sigla inglês). “Se nada for feito, não existe milagre. Vamos voltar ao Mapa da Fome”, afirma. Ele concorda que dados recentes da ONU ainda não enquadram o país na lista, mas a perspectiva é negativa, porque o mais recente relatório do organismo não considerou os impactos socioeconômicos da pandemia. “É muito provável que nos próximos relatórios, o Brasil apareça como um país com mais de 5% de pessoas em insegurança alimentar e nutricional”, aponta Balaban.

As histórias dramáticas de pessoas que perderam a qualidade de vida e o acesso ao trabalho e à renda são muitas. Na cidade do interior do Ceará onde nasceu, o empresário Paulo da Silva (nome fictício), 50 anos, lamentou a morte de um pedreiro que trabalhou em uma das obras de sua construtora. “Era um excelente funcionário, muito competente. Vivia de bicos e sempre na informalidade. Com o isolamento social e sem conseguir o auxílio-emergencial, ele se entregou à bebida e praticou pequenos furtos. Acabou pego em flagrante e preso; fugiu do presídio tempos depois. Agora, ninguém sabe por onde anda”, narra. Nessa confusão que se tornou a vida do pedreiro, ele deixou para trás a esposa, cardíaca, e três filhos pequenos, de 5, 6 e 7 anos. “A família vive de caridade, recebendo cestas básicas ou catando latinhas na rua”.

Menos disparidades no ensino

Com maior aporte de recursos da União, o novo Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que começa a valer a partir deste mês, pode contribuir para uma educação pública mais equitativa no país, na avaliação de especialistas. O formato do novo fundo, definido pelo Congresso, teve a regulamentação sancionada em 25 de dezembro pelo presidente Jair Bolsonaro. O principal objetivo é combater a desigualdade regional e distribuir o dinheiro de forma que haja um valor mínimo investido por aluno igual em todos os estados.

Uma das mudanças previstas no novo Fundeb, aprovada pelos parlamentares, é a participação maior do governo federal no fundo. Atualmente, o governo contribui com 10% do valor total. Neste ano, a parcela sobe para 12% e aumenta gradativamente, até chegar em 23% em 2026. Além do aporte da União, o dinheiro do Fundeb vem de impostos e tributos estaduais como ICMS e IPVA. Os recursos são fundamentais para manter as escolas funcionando e pagar o salário dos professores.

Outro diferencial do fundo é que o modelo de operação será híbrido, ou seja, levará em conta o cenário de cada município para o cálculo dos repasses. O modelo até agora vigente fazia o repasse do dinheiro com base nos dados dos 26 estados, mais o Distrito Federal, e depois a verba era distribuída às prefeituras por critérios internos. Com as mudanças, especialistas têm expectativa de um cenário mais positivo para uma educação de qualidade em regiões carentes e pouco assistidas.

Segundo Catarina de Almeida Santos, professora da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora do Comitê-DF da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, o modelo híbrido é muito importante para o combate às desigualdades regionais, visto que os estados brasileiros têm capacidades políticas e econômicas — principalmente no que se refere às questões arrecadatórias — muito diferentes.

“Quando falamos do Fundeb, falamos de fazer com que a oferta de ensino dentro do estado se torne mais equitativa, porque deixa de depender do que é arrecadado apenas no município e passa a depender do que é arrecadado no estado”, explica a professora. Mesmo os estados e redes que não irão receber complementação da União, obrigatoriamente recebem dinheiro do estado como todo”, explica Catarina Santos.

Em 2020, o valor destinado ao Fundeb foi superior a R$ 160 bilhões, dos quais a complementação da União representou R$ 13,28 bilhões. O total foi menor do que em 2019, quando a arrecadação foi de R$ 166 bilhões.

Para José Edmar de Queiroz, consultor legislativo do Senado Federal, o novo fundo é resultado de anos de trabalho na educação do país, desde a criação do Fundef (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental), o fundo originário no qual o Fundeb é baseado, que também tinha o objetivo de reduzir as desigualdades regionais em matéria de educação. “A gente via diferenças muito grandes nos valores por aluno de um estado para outro na Federação, agora encontramos uma forma de redistribuir esses fundos”.

“O modelo que acabou em 31 de dezembro tem potencial de redução de desigualdade, mas em um formato que não é nacional. Com a contribuição de 10% da União esses recursos chegavam a apenas nove estados da Federação, os demais permaneciam com resultados bem distintos. Com o aumento da complementação da União, cria-se a possibilidade de apoiar redes de ensino, municipais e estaduais, em outros estados, além dos que já eram assistidos”, explica Queiroz.

O Custo Aluno-Qualidade (CAQ) é uma referência usada pelo Plano Nacional de Educação (PNE) para identificar o preço de uma educação de qualidade. Ele indica os possíveis custos e insumos para fornecer infraestrutura para uma boa escola, valor que varia de acordo com as diversas regiões do país e com o ciclo de ensino.

*Estagiárias sob a supervisão de Odail Figueiredo