Enquanto mais de 40 países iniciaram a imunização contra a covid-19, o governo brasileiro, agora, corre para tentar garantir seringas e agulhas para o processo de vacinação. O Ministério da Saúde fez uma requisição administrativa para garantir 30 milhões de unidades com os três fabricantes brasileiros, ainda neste mês, mas o presidente Jair Bolsonaro utilizou as redes sociais, ontem, para dizer que a pasta suspendeu a compra “até que os preços voltem à normalidade”.
Paralisadas as negociações, Bolsonaro passou para estados e municípios a responsabilidade de arcar com seus próprios estoques o começo da campanha de imunização, uma vez que, segundo ele, “a quantidade de vacinas num primeiro momento não é grande”. O ministério havia informado que, nas próximas duas semanas, haveria um novo pregão, depois que o realizado no fim do ano passado fracassou –– a pasta solicitara 331 milhões de unidades, mas teve oferta para apenas 7,9 milhões. Os fabricantes informaram que não houve interessados porque o preço que o governo pretende pagar pelas injeções está muito abaixo do mercado. Além disso, alegaram que a quantidade de unidades solicitadas também seria acima da disponibilidade.
Desde o início do segundo semestre, fabricantes alertam que o governo precisaria acelerar as negociações para aquisição de seringas e agulhas, sob o risco de o país não consegui-las. A requisição administrativa, feita no fim do ano passado, é um mecanismo previsto na Constituição que permite ao Poder Executivo utilizar bens privados “no caso de iminente perigo público” e depois pagar pelo serviço. Na prática, com a requisição, a União passa na frente de todos as outras solicitações. O ministério disse que isso ocorrerá “enquanto não se conclui o processo licitatório normal, que será realizado o mais breve possível”.
Além disso, o governo federal restringiu a exportação de seringas e agulhas, conforme portaria publicada em 31 de dezembro de 2020 pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex), órgão do Ministério da Economia.
O ministério não comentou as declarações do presidente. O Correio questionou se haverá o próximo pregão e a requisição administrativa, mas, até o fechamento desta edição, não obteve retorno. Após o anúncio do presidente, o superintendente da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos e Odontológicos (Abimo), Paulo Henrique Fraccaro, afirmou ao Correio que quem decide o preço a ser pago por seringas e agulhas é o próprio governo federal, em pregão.
Novos preços
Depois do fracasso do leilão do fim do ano, e após a requisição administrativa, o governo realizou uma reunião, na última segunda-feira, com representantes das três fornecedoras do Brasil e a Abimo. No encontro, estava o secretário-executivo da Saúde, Élcio Franco. Segundo Fraccaro, na ocasião, o governo informou ter entendido que, frente à falta de interesse das empresas, o preço de referência do edital não era aquele que as empresas esperavam, e que estava analisando os preços para serem reconsiderados no próximo edital.
Na reunião, o ministério solicitou que os fabricantes deem prioridade aos pedidos do governo federal, inclusive repassando, se necessário, encomendas feitas por outros clientes públicos estaduais, como os governos estaduais. Ficou acertado que as empresas fornecerão 30 milhões de seringas e agulhas (10 milhões de cada) até o final de janeiro. Fraccaro garante que não faltarão seringas e agulhas neste momento inicial de vacinação.
“Os próximos processos de licitação serão em volumes compatíveis com o número de vacinas que também teremos disponíveis. Seria ilógico comprar 400 milhões de seringas para deixar na prateleira, que são seringas que vão ser necessárias para o processo de vacinação de 100% da população”, disse Fraccaro.
Imposto zerado
Mas, horas depois que Bolsonaro mandou parar o processo de compra de injeções, o governo zerou os impostos sobre importação de seringas e agulhas. A ação deixará mais barato comprar as unidades no exterior, pois, hoje, incide um imposto de 16% sobre o produto. O pedido foi feito pelo Ministério da Saúde ao da Economia, e a decisão foi tomada pelo Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Gecex), que se reuniu na última terça-feira. Cinco produtos, entre seringas e agulhas, passam a integrar, agora, a lista de reduções tarifárias temporárias com o objetivo de facilitar o combate à pandemia.
Com a definição de zerar o imposto, a lista de produtos com tarifa zero no âmbito da crise sanitária passa a ter 303 produtos. Na reunião, o comitê também decidiu suspender o direito antidumping vigente contra as importações brasileiras de seringas descartáveis vindas da China. Em ambos os casos, as mudanças valem até junho deste ano. O direito antidumping refere-se à aplicação de imposto sobre importações quando há alguma queixa na Organização Mundial do Comércio (OMC). A medida visa evitar que produtos nacionais sejam prejudicados por compras realizadas a preços abaixo do mercado nacional. Na prática, o governo permite a prática em relação aos produtos chineses.