Vacinação contra covid-19

Contrariando Anvisa, SP quer adiar aplicação da segunda dose da CoronaVac

Estado quer vacinar mais pessoas, mas a mudança descumpre orientação da Anvisa. Agência pede que a bula seja seguida — neste caso, a previsão é de um intervalo de 14 a 28 dias entre as duas doses do imunizantes contra o novo coronavírus

Sarah Teófilo
Maria Eduarda Cardim
postado em 27/01/2021 13:57 / atualizado em 27/01/2021 15:46
 (crédito: Breno Esaki/Agência Saúde-DF)
(crédito: Breno Esaki/Agência Saúde-DF)

O governo de São Paulo quer adiar a aplicação da segunda dose da vacina CoronaVac, com a intenção de imunizar mais pessoas neste primeiro momento. A orientação na bula da vacina, com base nos estudos realizados, é que a segunda dose seja aplicada em um intervalo de 14 a 28 dias, e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) orienta para que seja sempre seguido o que está previsto na bula.

No estado, a previsão é que seja aplicada a segunda dose em 28 dias. Entretanto, o coordenador do Centro de Contingência da Covid-19, o médico Paulo Menezes, disse nesta quarta-feira (27/1) que o grupo é favorável a dar as segundas doses em um prazo maior que isso.

“Do ponto de vista científico-biológico, é possível pensar que a segunda dose dada numa data posterior aos 28 dias seja até mais eficaz do que aos 28 dias. A principal razão de que o estudo utilizou 14 dias foi para que os resultados pudessem sair mais rapidamente e nós pudéssemos ter a vacina disponível para a população o mais rápido possível. O centro de contingência, nesse momento, é favorável à possibilidade de ter uma extensão do intervalo de tempo entre a primeira e a segunda doses”, afirmou.

Menezes não detalhou o que quis dizer ao afirmar que seria mais eficaz a aplicação em um prazo superior a 28 dias. A bula traz que os “estudos de imunogenicidade fase 2 indicam uma melhor resposta imunológica da vacina com intervalo de 28 dias”.

O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, afirmou que a primeira recomendação é de um intervalo de até 28 dias, mas que existe uma segunda recomendação que prevê que o prazo pode ser estendido por até 15 dias, sem problema algum. “No estudo aconteceu alguns casos que tiveram essa vacinação e não houve nenhum problema do ponto de vista da resposta imunológica”, ressaltou.

Segundo ele, o que se discute no Brasil é a necessidade de reservar 50% de doses nesse momento, quando há uma alta demanda pelo imunizante. “Isso, inclusive, pode não ser eticamente justificável. Se temos a vacina na prateleira, nós temos do outro lado pessoas morrendo, precisamos usar essas vacinas. Não tem justificativa ética guardar essas vacinas”, disse, pontuando que é melhor usar as doses em sua totalidade e depois de um prazo de 43 dias providenciar a outra dose.

Para que essa mudança na aplicação aconteça, o secretário-executivo da Secretaria Estadual de Saúde, Eduardo Ribeiro, afirmou que seria preciso uma manifestação formal do Programa Nacional de Imunização (PNI), para ajustar a orientação dada.

“O que nós temos nesse momento é uma diretriz do Programa Nacional de Imunização que recomenda em todos os seus manuais que a vacina CoronaVac seja aplicada em duas doses em um intervalo de 14 a 28 dias. [....] Nós somos favoráveis que havendo um respaldo técnico de que se possa ampliar o intervalo entre as doses, isso possa permitir uma maior abrangência na utilização de todo o quantitativo de vacinas para aplicação em primeira dose. Para isso, há que se ter uma manifestação formal do PNI ajustando a sua orientação”, informou.

Questionado sobre estudos que embasaram a decisão do centro, Paulo Menezes afirmou que “existem várias origens de conhecimento para apoiar essa possibilidade”. “Uma delas é o conhecimento prévio de vacinas que são semelhantes à Coronavac. Hoje nos calendários vacinais, as vacinas semelhantes utilizam essa estratégias de ter um espaçamento entre primeiras e segundas doses maior do que o que foi utilizado [no estudo]”, disse. Segundo ele, a previsão de até 28 dias do estudo não tem relação com aspectos de eficácia.

“Nós entendemos que há dados sobre a fase 2 que mostram que mesmo com uma dose se obtém um nível de anticorpos bastante alto, e isso vai ser complementado com dados da fase 3 sobre imunogenicidade nos voluntários participantes no estudo aqui no Brasil”, afirmou.

Anvisa

Na última sexta-feira (22), o gerente-geral de Medicamentos e Produtos Biológicos da Anvisa, Gustavo Mendes, ressaltou, em entrevista coletiva, que a orientação da Anvisa é que se siga o que está na bula, quando se fala no intervalo entre as duas doses.

“É na bula que nós e a empresa chegamos num acordo comum entre o que seria esse espaçamento ideal de doses, e aí o que acontece é que a bula é liberada, colocada no site, e há expectativa que se cumpra os requisitos em bula. O monitoramento que nós fazemos inclui também essas questões, de observar se isso está sendo respeitado, fazer uma análise, mas efetivamente não dá para a Anvisa ir lá nas prefeituras, nos estados e verificar se está realmente feito esse regime proposto na bula”, afirmou.

Ele explicou que não há uma sanção específica no caso do descumprimento, mas que a recomendação é seguir o que a bula determina. “O risco de não seguir o recomendado em bula pode ser tanto em relação à eficácia — ou seja, se não tiver o intervalo respeitado, se não tiver uma segunda dose tomada, não atingir, não conseguir atingir os anticorpos mínimos para fazer a neutralização —, quanto ao risco de segurança também se for, de repente, uma superexposição, ou alguma questão assim. Então, é muito importante essa recomendação que estava no voto para que se assegure uma vacinação adequada”, pontuou.

As informações foram repassadas por ele depois que a Anvisa aprovou o uso emergencial de mais um lote de 4,8 milhões de doses da CoronaVac, e de outros imunizantes do Butantan com a Sinovac, desde que fossem seguidos os moldes da produção conforme a última autorização.

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