Após colapso na saúde da cidade de Manaus e a falta de oxigênio nos hospitais, o médico Anfremon Neto, coordenador da UTI do Hospital Getúlio Vargas da cidade, decidiu rebater acusações que vem se multiplicando nas redes de que a situação na capital amazonense se agravou por falta de uso de 'tratamentos precoces', sem eficácia cientificamente comprovada. O profissional de saúde diz que todas as alternativas estão sendo usadas e acrescenta que o paciente padrão "não é burro" e acaba seguindo recomendações de terceiros, se automedica com as mesmas substâncias incentivadas por alguns integrantes do governo federal, mas que isso não seria suficiente para impedir as atuais condições da Saúde no Amazonas.
"A última coisa dita foi que o que está acontecendo aqui em Manaus é porque a gente não está fazendo tratamento precoce. Sacanagem com a gente, profissional da área de saúde, que estamos ali todos os dias. Vejo pelo menos 50 doentes, e eu sei, todos eles fizeram tratamento precoce. Fizeram o uso de azitromicina, ivermectina, alguns fizeram annita, e vi até os que fizeram com hidroxicloroquina ainda. Tudo o que foi dito alguns pacientes fizeram em casa mesmo sem terem sintomas", criticou Neto, ressaltando que a automedicação pode trazer preocupações.
O médico apontou que espera que independente do grau de eficácia, espera que a vacina chegue para todos no país o mais rápido possível. Ele ainda deu a opinião sobre a maneira que o governo está lidando com a situação: "Nosso governo, é um governo que eu votei, é um voto declarado, mas nosso governo tem sido negacionista em relação à pandemia e relativiza e banaliza tudo". E completa: "acho que ao invés do governo ficar tentando dizer que está tudo bem, tem que preparar o país para a segunda onda. Se preparem, porque ela é devastadora e cruel, e ela vai levar muitas vidas. Perdi muitos amigos e estou perdendo colegas de trabalho", finalizou.
Na última terça-feira (12/1), o Ministério da Saúde pressionou a secretaria de Saúde de Manaus, a utilizar medicamentos ivermectina e cloroquina, ambos sem eficácia comprovada, com base na "larga experiência do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento de outras doenças infecciosas e de doenças crônicas no âmbito do SUS, e a inexistência, até o momento, de outro tratamento eficaz disponível para covid-19". Esse seria o tal "tratamento precoce" que, repetidas vezes, foi apresentado como capaz de salvar vidas, o que os profissionais de saúde não verificam na prática durante o caos da saúde no Amazonas.
Em visita a Manaus, no início da semana, antes da falta de oxigênio, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, chegou a declarar: “O diagnóstico é do médico, não é do exame, não é do teste, não aceitem isso. (...) o exame laboratorial, o teste é complemento do diagnóstico médico, até porque a medicação pode e deve começar antes desses exames complementares. Caso o exame lá na frente, por alguma razão, dê negativo, ele reduz a medicação e está ótimo. Não vai matar ninguém, pelo contrário, salvará no caso da covid”.
Caos
Compartilhado inúmeras vezes, o depoimento do coordenador de UTI descreve a dificuldade dos profissionais de saúde em atuar no momento, no Amazonas. "Tentamos buscar balas de oxigênio de outros setores do hospital para alimentar os ventiladores. Fomos racionando o uso do oxigênio e tentando não deixar ninguém de fora", conta.
Segundo o médico, os pacientes se desesperaram com a situação e de 27 pacientes, três não resistiram. Ele contou ainda que a equipe também se abalou por ser uma situação inesperada: "Foi uma sensação de impotência, você saber que a única coisa que o paciente precisa é o oxigênio e era a única coisa que não podíamos ofertar".
Neto elogiou a equipe do hospital por todos terem tentando ao máximo ajudar naquela situação, incluindo médicos e residentes que não estavam trabalhando naquele momento. "Nós recebemos ligações de fora, de colegas que cederam leitos em outros hospitais, o que ajudou a diminuir o caos lá dentro. A gente conseguiu salvar quem podia, infelizmente não deu para todo mundo", desabafou.
O coordenador apontou que a cidade vive em uma situação de caos desde as festas do final do ano e que estão vivendo a segunda onda da covid-19: "Tá diferente as coisas. O vírus está muito mais muito mais agressivo, a gente não sabe porque, mas tem doentes que pioram no quinto ou sexto dia".
"Não culpo totalmente as confraternizações e eleições, que ocorreram recentemente, se não já teria explodido em todo país. Acho que é isso somado com essa mutação do vírus. Acho que a ciência ainda vai explicar tudo isso, mas está pior. Está pegando ainda uma população mais jovem e mesmo sem ter tantos problemas", pontua.
Saúde
Em live realizada na noite desta quinta-feira (15/1), o presidente Jair Bolsonaro defendeu o tratamento precoce para a covid-19 como forma de evitar o que ocorreu em Manaus. Bolsonaro se limitou ainda a dizer que "a situação está complicada".
O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, reconheceu que o atendimento na rede de saúde de Manaus está em colapso e informou que o governo federal providenciou seis aeronaves para transportar 30 mil metros cúbicos de oxigênio.
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