SOCIEDADE

Em 2021, Brasil precisa reduzir a desigualdade social, aprofundada pela covid

Pandemia mostrou a profunda diferença entre as camadas do país, que amarga o posto de 8ª pior nação do planeta em diferença de renda, de acordo com relatório do Pnud, divulgado em dezembro. Brasil chega a 2021 com desafio de reduzir abismo de classes

Bruna Lima
postado em 01/01/2021 06:04
 (crédito: Rovena Rosa/Agência Brasil)
(crédito: Rovena Rosa/Agência Brasil)

Foi preciso uma pandemia que matou, até agora, aproximadamente 194 mil pessoas para que parte da sociedade descobrisse que outra parte dela é formada por “invisíveis” — definição dada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, aos quais, em tese, foi destinado o auxílio emergencial, cujo prazo de vigência encerrou-se ontem. Nas palavras dele, cerca de 40 milhões de pessoas foram trazidas para o mercado consumidor brasileiro pelo benefício, inicialmente de R$ 600 e, posteriormente, reduzido para R$ 300 desde setembro.

Se, por um lado, a ajuda financeira concedida pelo governo federal deu “visibilidade” aos invisíveis, por outro, o Brasil permanece como um dos países mais desiguais do planeta. É o oitavo pior em diferença de renda, segundo relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) divulgado em dezembro. Está atrás apenas das nações africanas e de algumas asiáticas em matéria de descalabro social. A discrepância dos diferentes segmentos da população é medida entre zero, para igualdade absoluta, a 100, desigualdade absoluta.

Não deveria ser novidade para o presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, que no Brasil existem pessoas morando nos aterros sanitários e vivendo daquilo que coletam por ali — em solenidade no Palácio do Planalto, em dezembro, disse: “Há três semanas, nós visitamos alguns lixões. E o que a gente viu é algo que eu nunca tinha pensado que existisse. Pessoas morando nos lixões, e vivendo no chorume", assustou-se. No ranking da Pnad, que tem por base o coeficiente Gini (que calcula o grau de concentração de renda em um grupo social), o Brasil registra coeficiente de 53,9. Mas, ao levar em consideração as outras desigualdades, na saúde e na educação, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) brasileiro cai para 0,570 — perda de 25,5% devido à diferença na distribuição dos índices da dimensão do IDH. No valor geral, o índice aumentou de 0,762, em 2018, para 0,763, em 2019.

Raízes racistas

Tais distâncias, como aponta o relatório, têm profundas raízes, que passam pelo colonialismo e pelo racismo que compõem a história brasileira. “A terra gerenciada por indígenas na Amazônia absorve, por pessoa, o equivalente em dióxido de carbono ao que é emitido pelo 1% mais rico da população mundial. No entanto, os indígenas continuam enfrentando dificuldades, perseguição e discriminação, e têm pouca voz na tomada de decisões”, exemplifica o texto do Pnud.

Raça e a cor são determinantes para as condições de renda, moradia e mercado de trabalho. A mais recente Síntese de Indicadores Sociais (SIS), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que as populações preta e parda são maioria nas taxas de desemprego e na participação na informalidade do trabalho. São elas, consequentemente, as mais presentes nas faixas de pobreza e extrema pobreza, e que moram com maior frequência em locais com algum tipo de inadequação –– como falta de saneamento básico, esgoto e condições mínimas de convivência.

“Em relação aos grupos populacionais, o destaque é a maior vulnerabilidade da população de cor ou raça preta ou parda. Esse grupo registrou maiores taxas de desocupação e menores rendimentos médios, mesmo quando se controlam os níveis de escolaridade”, salienta o gerente de pesquisa do IBGE, João Hallak Neto.

A taxa de desocupação foi, em 2019, de 9,3%, para brancos, e de 13,6% para pretos e pardos. “A informalidade no mercado também incide com maior peso entre pretos ou pardos. Enquanto 47,4% deles estavam ocupados sob tal condição, para a população de cor ou raça branca, o índicel era de 34,5%”, aponta Hallak.

O pesquisador ainda chama a atenção para o fato de que a menor escolaridade, e por estarem exercendo atividades mais mal remuneradas, a renda dessa parcela da população reduz-se mais. “Certamente, todos esses elementos, tanto do mercado de trabalho quanto de fora do mercado, fazem com que tenham um rendimento domiciliar per capita inferior e se insiram relativamente mais nessas categorias de pobreza e extrema pobreza”, analisa Hallak. Mesmo sendo 56,3% da população total, pretos e pardos representam 70% das pessoas abaixo da linha de pobreza, de acordo com os parâmetros do Banco Mundial (Bird). (Colaborou Fabio Grecchi)

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Covid, item a piorar as diferenças

Se já era crítica a disparidade provocada pelas diferenças sociais, a pandemia da covid-19 tem potencial de agravar este cenário. Estudo desenvolvido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), em parceria com o Pardee Center for International Futures, da Universidade de Denver (EUA), avaliou o impacto de diferentes cenários de recuperação da doença provocada pelo novo coronavírus nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e concluiu que os efeitos podem empurrar mais 207 milhões de pessoas para a pobreza extrema, elevando o total mundial para mais de 1 bilhão até 2030. Isso significaria 44 milhões de pessoas a mais do que era previsto, de acordo com a trajetória de desenvolvimento antes da crise sanitária.

No Brasil, a oferta do auxílio emergencial se apresentou como redutor desse agravamento das disparidades em relação a outros países que não adotaram a medida durante a pandemia. Mas, a não manutenção e a desassistência abrupta podem gerar consequências graves para os próximos meses.

“A pandemia é um ponto de inflexão e as escolhas que os líderes fizerem, agora, poderão levar o mundo em direções muito diferentes. Temos a oportunidade de investir em uma década de ação que não apenas ajude as pessoas a se recuperarem da covid-19, mas que restabeleça o caminho do desenvolvimento das pessoas e do planeta”, diz o administrador do Pnud, Achim Steiner.

Para quem sente na pele a contradição de ser minoria em um país de população majoritariamente preta e parda, a pandemia torna-se mais um desafio que evidencia a necessidade de cooperação. "A covid-19 foi imprevisível e é exatamente por não sabermos o que virá pela frente que o mercado de trabalho deve empregar times cada vez mais diversos. Esses times serão capazes de detectar problemas e criar soluções dentro de contextos tão desconhecidos e voláteis como os que estamos presenciando em 2020. Daqui para frente, diversidade não vai ser uma questão de politicamente correto, mas de sobrevivência", opina Samuel Emílio Santos, 24 anos, conselheiro do comitê estratégico do Acredito, um movimento nacional suprapartidário que busca a garantia da diversidade e igualdade de oportunidades como valores para a formação de uma nova estratégia política.

Nascido na periferia de Ipatinga (MG), Samuel foi o primeiro de 40 primos a entrar em uma universidade pública. Ele ressalta que o Brasil obteve avanços importantes na seara da promoção da igualdade de oportunidades –– como a distribuição proporcional do fundo de financiamento de campanhas eleitorais para candidaturas negras. "Entretanto, em 2020, das 12 crianças que morreram baleadas no Rio de Janeiro, 12 eram negras. E, durante os meses de março e abril, o índice de feminicídio aumentou 41,4% no estado de São Paulo". (BL)

Gênero é uma barreira quase insuperável às pretas e pardas

 (crédito: Arquivo pessoal)
crédito: Arquivo pessoal

A questão de gênero acentua a disparidade social no Brasil. Mulheres pretas ou pardas, mesmo sendo 28,7% da população, representam 39,8% dos extremamente pobres e 38,1% dos pobres.

"Ao avaliá-las sem um recorte racial, existe um avanço em relação à redução das desigualdades. Mas, ao se falar de mulheres negras, isso não se reflete. Esse é um novo desafio quando se fala da questão racial", afirma a ativista Ana Minuto, que, há 25 anos, atua na promoção da equidade racial e de gênero, combate ao racismo e à violência doméstica. Fundadora da Minuto Consultoria Empresarial & Carreira, ela auxilia empresas de grande porte –– como Google, Gerdau, PepsiCo, Nestlé, entre outras –– a ampliarem a consciência sobre diversidade por meio do desenvolvimento humano, autoconhecimento e sensibilização para criarem ambientes inclusivos, equânimes, lucrativos e saudáveis.

"Quando se fala de empresa, diversidade não quer dizer problema. Quer dizer levar para dentro pessoas com pensamentos, culturas, cores e valores totalmente diferentes. Essas pessoas vão ajudar a ter uma criatividade, uma inovação e a vender mais. Mas, muito mais do que isso: a diversidade de inclusão traz para as empresas a possibilidade de resolver problemas mais complexos. Quando você quer criar algo que atenda o maior número de pessoas dentro de uma população, isso precisa estar representado na sua empresa. Se não tiver, não traz diversidade", aponta Ana.

Saída pela diversidade

Uma pesquisa global da Mckinsey, líder mundial no mercado de consultoria empresarial, reforça que empresas que adotam a diversidade são mais saudáveis, felizes e rentáveis. Em locais percebidos pelos colaboradores como comprometidos com a diversidade, 63% dos funcionários indicam que estão felizes no trabalho, em comparação com apenas 31% das firmas que não são avaliadas dessa maneira.

A pesquisa também salienta que, na América Latina, as empresas com equipes executivas diversificadas em termos de gênero têm 14% mais probabilidades de superar a performance de seus pares. Em termos de orientação sexual, essa probabilidade sobe para 25%.

No relatório, divulgado em julho passado, a Mckinsey defende que a "diversidade realmente importa e que a adoção de medidas para promovê-la tem uma probabilidade estatisticamente significativa de levá-las a uma melhor performance organizacional e financeira". Para chegar a essas conclusões, foram entrevistados mais de 3,9 mil funcionários e grandes executivos seniores de 700 diferentes empresas de capital aberto, além da utilização do conjunto de dados globais de 5 milhões de pesquisas, em 100 países.

Para Ana Minuto, é necessário repensar os valores dentro e fora das empresas, pois o mercado de trabalho nada mais é do que uma instância social. "Precisamos entender que todos têm direito à vida e que a diversidade é importante. Que tragamos consciência de massa, comecemos a nos questionar e nos cobrar sobre o que cada um está fazendo para mudar essa realidade. Porque, independentemente de as pessoas acreditarem ou não, o racismo, o machismo, e o preconceito estão aí, nos adoecem todos os dias e, por consequência, adoecem também a economia". (BL)

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