O Ministério da Educação (MEC) publicou, ontem, portaria que regulamenta a implantação de escolas cívico-militares em 2021. Está prevista a implantação de 54 unidades “distribuídas nos estados, nos municípios e no Distrito Federal, em escolas estaduais, distritais e municipais”. A implantação do modelo, no entanto, divide a comunidade escolar.
A medida faz parte do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), que objetiva implantar 216 escolas cívico-militares em todo o país até 2023. O programa instituído por meio de decreto presidencial é desenvolvido pelo MEC, com o apoio do Ministério da Defesa, e tem como objetivo “promover a melhoria na qualidade da educação básica no ensino fundamental e no ensino médio”.
Para a doutora em educação e professora na Universidade de Brasília (UnB) Edileuza Fernandes, a portaria representa uma intervenção clara no papel do professor nas escolas e coloca em perigo o ensino pedagógico dos estudantes. Ela chama a atenção para o artigo 18 da portaria, que define as funções dos militares na instituição de ensino.
“É preocupante ler, nesse artigo, que os militares desempenharão, nas escolas, tarefas da área didático-pedagógica, ou seja, tarefas destinadas somente a profissionais formados em cursos de licenciatura e pedagogia”, diz.
O modelo definido no documento é diferente do que foi feito no ensino cívico-militar do Distrito Federal, a partir de 2019, em que policiais e bombeiros são responsáveis pela parte disciplinar das escolas e professores têm pleno poder sobre o planejamento pedagógico.
“E piora: a portaria flexibiliza a formação desses militares que atuarão nas tarefas didático-pedagógica. Eles não precisam ter conhecimento na área, basta ter um perfil. Mas, qual é esse perfil? Não se fala”, observa Edileuza Fernandes.
Enquadram-se, nas tarefas didático-pedagógicas, o planejamento curricular anual, a produção de avaliações, os projetos para ajustes no ensino para ajudar alunos com dificuldade e ações para engajar a família no aprendizado do aluno. “É uma interferência clara no campo dos professores, ao mesmo tempo em que fragmenta a gestão da escola”, critica a professora da UnB.
A especialista também afirma que a destinação de recursos específicos para esse modelo de escola é uma forma de criar mecanismos de convencimento para que instituições de ensino optem pelo ensino cívico-militar.
“Quando você investe em conjuntos de escolas com nova estrutura física e mais recursos, você deixa outras sem suporte, o que acaba sendo uma forma de convencer escolas que não querem aderir ao modelo por não concordarem com ele”, pontua.
No DF, o Programa terá conflitos com a lei de gestão escolar democrática, criada em 2012 (Lei nº 4.751/12). “Esse modelo democrático é o que nós, educadores, entidades educacionais e famílias, lutamos para ser instalado no DF e não iremos recuar”, conta.
“Nele, é a comunidade que elege diretor e vice-diretor, que gerenciam as escolas com a ajuda de colegiados, como grêmio estudantil, conselho e assembleia escolar, tudo democraticamente e com participação de alunos, professores e familiares”, diz.
O que diz o documento
A portaria publicada pelo MEC estipula que, primeiramente, serão enviados Ofícios-Consulta aos estados e ao Distrito Federal, para manifestação de interesse à implantação de duas escolas em cada ente, totalizando 54 novas escolas cívico-militares no país em 2021.
A adesão ao modelo é voluntária.
O resultado será divulgado em 25 de janeiro de 2021, junto à lista das manifestações de interesse e das vagas remanescentes e não preenchidas pelos estados e o Distrito Federal. Caso existam vagas remanescentes, será aberta a segunda fase de manifestação de interesse que contemplará os municípios localizados naqueles estados que não aderiram.
A portaria também informa que, para a escolha das escolas a aderirem ao modelo, devem ser levadas em conta as seguintes características:
» Escolas com alunos em situação de vulnerabilidade social;
» Desempenho abaixo da média estadual no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb);
» Número de matrículas entre 501 a 1.000;
» Oferta das etapas anos finais do ensino fundamental regular e/ou ensino médio regular;
» Oferta de turno matutino e/ou vespertino, excetuando-se o noturno;
» Aprovação da comunidade escolar para a implantação do modelo, por meio de consulta pública presencial ou por consulta pública por meio eletrônico.