Ansioso para a chegada de uma solução que dê fim à covid-19, o mundo observa uma corrida por um imunizante eficaz. Apontada pela comunidade científica como a arma central no combate à pandemia, a vacina ganhou novo peso no Brasil, onde tem sido usada como arma política. O inimigo é um só, mas a forma de eliminá-lo está polarizada e divide a sociedade, de forma que se vacinar ou não virou uma questão de escolha ideológica. É neste contexto que discussões politizadas, judicialização e até fake news ganham espaço, confundem os brasileiros e atrapalham os planos de imunizar parcela da sociedade suficiente para barrar o novo coronavírus.
Quando o próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, se nega a tomar a vacina e insiste em frisar seu posicionamento, a consequência é uma validação da atitude pelos apoiadores, que tendem a adotar o mesmo comportamento e a desconfiar da segurança da imunização.
“A politização de qualquer assunto em relação à pandemia — desde o medicamento, o uso de máscara, o distanciamento social à vacina — só atrapalha. Quando isso ocorre, as pessoas mais conservadoras passam a questionar. Quando temos representantes do governo, importantes formadores de opinião como o presidente, banalizando os cuidados, negando-se a tomar a vacina, as pessoas passam a achar que talvez ele tenha razão”, argumenta a médica infectologista Eliana Bicudo, assessora da Sociedade Brasileira de Infectologia
Epidemiologista e professor do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB), Mauro Sanchez concorda. “Qualquer declaração, desde o subsecretário de Saúde até o presidente, sem respaldo por evidência científica, que desestimule a vontade e a disposição das pessoas em relação à campanha de vacinação vai prejudicar”, reforça.
O professor ainda destaca que é preciso um movimento mais uniforme entre os entes da Federação quando houver aprovação de algum imunizante no Brasil, “para que ninguém fique em dúvida se deve ou não se vacinar”.
Enquanto os discursos dos gestores não convergem, cresce a judicialização de temas da pandemia, incluindo a vacinação. Na quinta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 10 votos a 1, na contramão do que prega Bolsonaro, que a vacinação contra o novo coronavírus pode ser obrigatória. Apesar de entender que a imunização não deve ocorrer à força, a Corte definiu que podem ser aplicadas sanções administrativas contra quem se recusar a receber as doses — como ser impedido de acessar determinados serviços e lugares.
Bolsonaro criticou a decisão do STF. “É uma irresponsabilidade tratar uma questão de vidas, para salvar ou para ter efeito colateral, com açodamento”, opinou.
Palanque eleitoral
A batalha travada entre Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria, mostra, ainda, que se montou um palanque eleitoral em torno da vacina. Mesmo ainda não tendo nenhum imunizante registrado ou com pedido de uso emergencial junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Doria se aproveita da demora da resposta do governo federal em definir o plano nacional de vacinação para pressionar o Planalto e ecoar seus esforços no combate ao vírus.
“A nossa recomendação é que o Ministério da Saúde e o Palácio do Planalto acreditem nos cientistas, nos médicos e na vida, e comecem a vacinar os brasileiros agora em janeiro”, disse o governador, na última segunda-feira. A previsão do início da vacinação da população de São Paulo foi anunciada para 25 de janeiro, enquanto o governo federal já citou fevereiro e março como datas previstas para o início de uma imunização.
Doria ainda convidou todos os ex-presidentes vivos para tomarem a CoronaVac, desenvolvida pelo Instituto Butantan e o laboratório chinês Sinovac. Estão na lista de convidados os ex-presidentes José Sarney (90 anos), Fernando Collor de Mello (71), Fernando Henrique Cardoso (89), Luiz Inácio Lula da Silva (75), Dilma Rousseff (74) e Michel Temer (80). Todos fazem parte do grupo de risco, por serem idosos com mais de 60 anos. Collor, LUla e Dilma negaram o convite. (Com Maria Eduarda Cardim)