A divulgação das imagens da audiência do processo de estupro movido pela influenciadora Mari Ferrer foi parar na Justiça. Após a repercussão do vídeo, que movimentou as redes sociais com campanhas de repúdio através das hashtags #estuproculposonãoexiste e #justiçapormariferrer, o juiz Rudson Marcos, responsável pela condução da audiência e pela absolvição do empresário acusado no caso, obteve decisão favorável na 3ª Vara Cível de Florianópolis, em Santa Catarina, contra o portal The Intercept Brasil, que tornou público trechos da reunião. As gravações levaram a Corregedoria Nacional de Justiça a abrir um procedimento disciplinar contra o magistrado por supostamente permitir a 'tortura psicológica' da jovem.
Na ação, o juiz sustenta que o veículo 'abusou do direito de informar' ao sintetizar a argumentação apresentada por ele na sentença na tese batizada de 'estupro culposo', inexistente no Código Penal, e omitir intervenções feitas em favor da influenciadora e contra os insultos do advogado responsável pela defesa do empresário.
A primeira decisão, proferida na sexta-feira, 11, em caráter liminar pela juíza substituta Cleni Serly Rauen Vieira, determina que o portal esclareça que a expressão 'estupro culposo' não foi citada na sentença e que o juiz Rudson Marcos fez intervenções para manter a ordem, esclarecimentos à vítima e advertências ao advogado, sob pena de multa diária de R$ 1 mil.
"Ao perlustrar os fundamentos da sentença, não é possível extrair a conclusão de que nela se tenha afirmado a existência do tal 'estupro culposo', seja de forma expressa, seja por dedução, indução, analogia ou interpretação", escreveu a juíza.
Sobre o vídeo, ela observou: "Em uma análise sumária, as rés exibiram trechos com vários recortes, de modo que a versão final apresentada leva a crer que a vítima foi alvo de descaso por parte do juiz, que pareceu omitir-se diante das manifestações exacerbadas do referido causídico àquela".
Antes da judicialização do caso, o Intercept chegou a atualizar a matéria informando que a expressão 'estupro culposo' foi usada para resumir o caso e explicá-lo ao público leigo. "O artíficio é usual ao jornalismo. Em nenhum momento o Intercept declarou que a expressão foi usada no processo", explicou o veículo. A atualização não foi considerada satisfatória pela magistrada.
A mesma a juíza que já havia determinado, também na sexta-feira, 11, que as reportagens fossem retificadas para esclarecer que o promotor Thiago Carriço de Oliveira, responsável pela investigação do caso, não usou a expressão 'estupro culposo' para pedir que o empresário fosse inocentado. Assim como o juiz Ruson Marcos, Carriço também virou alvo de reclamação disciplinar, no caso dele apresentada pelos conselheiros nacionais do Ministério Público (CNMP) à Corregedoria da instituição.
Relembre o caso
Durante a audiência, o advogado Claudio Gastão Filho, que defende o empresário André Camargo Aranha, utilizou fotos publicadas pela influenciadora nas redes sociais para atacá-la e insinuar que ela teria mentido para ganhar fama com o processo.
"Mariana, vamos ser sinceros, fala a verdade. Tu trabalhava no café, perdeu o emprego, está com aluguel atrasado há sete meses, era uma desconhecida. Vive disso. Isso é seu ganha pão né Mariana? É o seu ganha pão a desgraça dos outros. Manipular essa história de virgem", afirmou.
As imagens foram divulgadas pelo site The Intercept Brasil e obtidas pelo Estadão, gerando repercussão sobre os limites da atuação da defesa do réu em casos de estupro. Segundo especialistas ouvidos pelo blog, o caso expôs a 'velha história de que a palavra de uma mulher é medida de acordo com sua conduta sexual e pela régua moral' e reforça que em muitos processos envolvendo violência de gênero há desmerecimento da palavra da vítima.
COM A PALAVRA, O JUIZ RUDSON MARCOS
NOTA DE ESCLARECIMENTO JUIZ RUDSON MARCOS
Sobre a tutela antecipatória proferida pela 3ª Vara Cível de Florianópolis, que determina a retificação de notícias veiculadas pelos meios de comunicação NDmais e The Intercept Brasil (partes na ação 5080008-63.2020.8.24.0023/SC), o Juiz Rudson Marcos informa que a decisão da Justiça reconhece a imediata e necessária correção dos equívocos nas reportagens, de uso de falsa informação como se fosse o embasamento da sentença do magistrado, assim como de veiculação de trechos de uma audiência em que intervenções do Juiz foram suprimidas e desconsideradas, para atribuir a ele uma postura negligente.
A reparação faz-se impreterível diante da repercussão inalcançável do tema, cujas reportagens afirmam em títulos e chamadas sensacionalistas que o juiz teria embasado sua sentença penal em "tese inventada" ou "inovação jurídica" de "estupro culposo".
A decisão sobre a tutela em favor do Juiz ressalta que "não é possível extrair da sentença a conclusão de que nela se tenha afirmado a existência do tal 'estupro culposo', seja de forma expressa, seja por dedução, indução, analogia ou interpretação". E acrescenta que a decisão do Juiz Rudson Marcos tem "afirmação expressa de que o crime de estupro de vulnerável não prevê modalidade culposa, o que foi omitido pela reportagem".
Refutando a alegação de que a expressão "estupro culposo" seria um artifício para melhor esclarecer ao público leigo, consta na decisão sobre a tutela que este também é um equívoco, visto que a expressão é "uma conclusão inverídica" e que não se pode "qualificar de inédito algo que não foi dito".
Portanto, registra o teor da decisão de deferimento da tutela: "De forma secundária, a concessão imediata da tutela também possui caráter de interesse público, pelo direito dos cidadãos, como um todo, ao acesso à informação lídima e fidedigna sobre a atuação jurisdicional".
A retificação determinada pela Justiça deve ocorrer no sentido de que, diferentemente do que foi divulgado, fique dito publicamente, e na mesma medida em que foi originalmente veiculado, que a expressão "estupro culposo" não foi citada, tampouco foi fundamento da sentença criminal de 51 páginas.
A decisão também menciona que o Juiz realizou várias intervenções para manutenção da ordem, esclarecimentos à vítima e advertências à defesa na audiência de instrução e julgamento, que foi dividida em dois atos, realizados nos dias 20 e 27 de Julho de 2020, com duração de cerca de 300 (trezentos) minutos, dos quais mais da metade do tempo foi destinado à oitiva da vítima, tendo sido constatada a manipulação do trecho que veio a público, onde foram suprimidas as intervenções do Juiz.
Consta, ainda, do despacho proferido pelo Juízo da 3ª Vara Cível de Florianópolis: "Ocorre que, pelo que se verifica em uma análise sumária, as rés exibiram trechos com vários recortes, de modo que a versão final apresentada leva a crer que a vítima foi alvo de descaso por parte do juiz, que pareceu omitir-se diante das manifestações exacerbadas do referido causídico àquela. Todavia, ao avaliar o decorrer do ato, nota-se que as rés omitiram relevantes intervenções do magistrado como presidente do ato".
Foi determinado que a ação 5080008-63.2020.8.24.0023/SC tramite sob segredo de justiça, sendo apenas passível de divulgação a decisão que deferiu a tutela antecipatória, para que a retratação se torne possível nos moldes definidos pelo Poder Judiciário.
Recomenda-se que se aplique cautela e prudência na divulgação de informações técnicas pela imprensa, especialmente quando estão fora da expertise de quem escreve e englobam complexidade fática e jurídica, tal como se exige o cuidado do operador do Direito, ao aplicar a Lei Penal. O jornalista, portanto, é responsável pela informação que divulga, de acordo com o compromisso inerente da profissão com a verdade e a ética profissional, especialmente acerca da decisão final de um processo judicial.
No caso em questão, a tutela antecipatória menciona que "observa-se a prática de jornalismo sensacionalista, desprovido de seriedade e respeito às instituições e sem compromisso com a correta divulgação dos fatos e com a imparcialidade".
Por fim, com esta medida judicial, o Juiz Rudson Marcos, que atua há 20 anos na magistratura catarinense, sem nenhuma mácula, e que tem sido alvo de graves ofensas, ameaças, discursos de ódio e fake news, espera reparar minimamente a sua honra, reputação, imagem pessoal e sanar impactos sobre a carreira profissional, todas dimensões lesadas por notícias que não condizem com a realidade.
SAVOY & GARAY ASSESSORIA JURÍDICA
COM A PALAVRA, O SINDICATO DOS JORNALISTAS PROFISSIONAIS DE SANTA CATARINA E A FEDERAÇÃO NACIONAL DOS JORNALISTAS
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Santa Catarina (SJSC) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) se solidarizam com a jornalista Schirlei Alves após tomar conhecimento, através de veículo de imprensa da Capital catarinense, de processo judicial contra a repórter no exercício da profissão.
A Jornalista está sendo processada, por dano moral, por causa da publicação de reportagem no Intercept Brasil sobre o caso Mariana Ferrer e a sessão de julgamento em que o acusado foi absolvido. O caso ganhou repercussão nacional pelos comentários pejorativos e humilhantes contra a vítima, durante o julgamento, e pela tese apresentada pelo promotor e acatada pelo juiz, de que não teria havido dolo (intenção) do acusado ao ter praticado conjunção carnal com a jovem no camarote de um beach club em Jurerê Internacional.
O Intercept Brasil fez uma análise da decisão e usou a expressão 'estupro culposo' para resumir o caso e explicá-lo ao público leigo, mas sem declarar que a expressão foi usada de forma literal no processo.
A judicialização de casos como o presente contra jornalista pode ocasionar a desqualificação do livre exercício da profissão, confundindo a opinião pública e estimulando, mesmo que involuntariamente, manifestações agressivas contra profissionais da comunicação. Schirlei tem sido alvo de constantes ataques em suas redes.
O Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina colocou a sua Assessoria Jurídica à disposição de Schirlei e reitera seu compromisso na defesa do direito fundamental de acesso à informação.
A tentativa de criar obstáculos ou intimidar jornalistas no exercício pleno do direito de informar e reportar fatos de relevante interesse público, por pessoas ou corporações, é algo que se opõe à liberdade de imprensa e um desserviço à democracia.
Os jornalistas, suas entidades e as organizações democráticas da sociedade não vão permitir que o jornalismo seja amordaçado ou criminalizado.
Toda solidariedade e apoio à jornalista Schirlei Alves e aos que lutam pelos valores da liberdade de imprensa, alicerce fundamental da democracia.
Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Santa Catarina e Federação Nacional dos Jornalistas